Quem ameaça a reputação do Brasil no exterior hoje não é a crise política e econômica, mas os Jogos Olímpicos do Rio.
Para o consultor britânico Simon Anholt, referência mundial em pesquisas sobre imagem internacional de países, problemas internos não costumam afetar a percepção geral do público de fora sobre determinada nação.
O potencial maior de dano à “marca Brasil”, avalia, está no possível “choque de realidade” decorrente da exposição massiva, com a Olimpíada, de problemas locais como desigualdade e violência – fenômeno que ele detectou na Copa do Mundo de 2014.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
“(Na Copa de 2014) O Brasil tinha uma situação parecida (com a da África do Sul em 2010). Todos pensavam que o país era moderno, desenvolvido. Vieram horas e horas de transmissão e cobertura da mídia sobre problemas sociais, protestos, crimes”, afirmou Anholt à BBC Brasil.
“O público se deu conta que era um país em desenvolvimento, e corrigiram aquela visão irrealista, foi um passo atrás. Acho que a Olimpíada será mais um pequeno passo para trás (na imagem do país no exterior)”, completou.
Criador do conceito de marcas de países (nation branding) e de metodologias para medir a reputação de nações pelo mundo, Anholt produz desde 2005 o chamadoNation Brands Index (NBI), uma pesquisa global de opinião (20,3 mil entrevistas na edição 2015) que mede a imagem de 50 países em aspectos como governança, cultura e população.
O Brasil é o país em desenvolvimento que mais avançou no índice desde sua criação, e ficou em 20º na edição mais recente do ranking, acima de Rússia e Islândia e logo abaixo de Bélgica e Irlanda – o país tem se mantido estável nessa posição desde 2009.
“O NBI é a pesquisa mais chata já criada”, brinca Anholt. “Basicamente, ela nunca muda. Isso porque a maioria das pessoas, quando falamos de opinião pública em geral, não pensa muito sobre outros países. As opiniões são bem consolidadas. Quando mudam, tendem a mudar pouco e em escala reduzida”, afirma o consultor.
Impacto da crise
Quando o assunto é imagem de um país no exterior, diz Anholt, é preciso distinguir a percepção de públicos elitizados, como investidores, diplomatas e jornalistas, da visão da população em geral.
Nesse sentido, avalia, o mau momento do Brasil de hoje não deverá ter impacto significativo sobre a imagem do país, conjunto de atributos que podem influenciar, por exemplo, o poder de negociação de uma nação em transações comerciais.
“Muitos acham que as imagens dos países estão em constante mudança: você tem um escândalo envolvendo um ex-presidente e de repente todos odeiam seu país, mas não funciona dessa maneira. Pessoas leem essas coisas e as esquecem após 15 segundos”, diz.
Nem a recessão, que caminha para ser a pior já medida na história do país, com queda do PIB projetada em 8,7% para 11 trimestres a serem encerrados em dezembro deste ano, deverá afetar o desempenho da “marca Brasil”, estima Anholt.
“Na média, globalmente, o impacto (da atual crise na imagem do país) é zero. Primeiramente, o fato de estar em recessão é algo que a maioria das pessoas na maior parte dos países não sabe a respeito e não se importa, porque não o afeta. De qualquer forma, recessão não é vista como responsabilidade de um país, mas como uma espécie de vírus que você pega, e não um ato deliberado de estupidez ou incompetência do governo”, diz.
Para corroborar sua avaliação, o consultor cita os casos de “catástrofes econômicas” recentes no mundo e do reflexo tímido na imagem dos países afetados.
“Qual é a pior catástrofe econômica recente no mundo? Venezuela (queda de 5,7% no PIB em 2015), Grécia (queda de 0,2%)? A imagem desses países não mudou por causa das crises. A economia da Grécia praticamente entrou em colapso, e não fez diferença. As pessoas ainda pensam na Grécia como um país maravilhoso, ensolarado, cheio de praias, pessoas bonitas e comida deliciosa.”
Problema de imagem
Ao longo dos anos de estudo sobre reputação de nações, Anholt identificou uma característica marcante do Brasil: ser um país que não é levado a sério no exterior. Tal traço, afirma, é reforçado pela cultura popular e pela mídia norte-americana, e o principal desafio do país nesse campo é se livrar desse clichê.
“Os EUA promoveram essa ideia do Brasil como destino turístico, paraíso. Desde aquele filme com Fred Astaire, Flying Down to Rio (1933). Todos pensam no Brasil como um país basicamente decorativo, mas inútil. Um típico país latino: muito bonito, homens e mulheres bonitos, clima maravilhoso. Ninguém trabalha, a economia é corrupta, pobre e desigual, mas é divertido, tem futebol, carnaval e samba. O caos e a corrupção: a imagem clássica do país latino”, afirma.
Para o consultor, tal concepção pode ser útil aos operadores de turismo, mas não a um país que quer despontar como potência econômica e política. “É muito fácil para o Brasil inspirar amor, mas é difícil inspirar respeito.”
Novo ranking
Anholt criou recentemente o índice Good Country (País do Bem, em tradução livre), que mede, a partir de 35 bases de dados, a contribuição de cada país para o bem da humanidade e do planeta. Na primeira versão do ranking, publicada em 2015, o Brasil aparece em 48º lugar entre 125 nações – ainda, portanto, como “credora” de benefícios ao mundo, e não como devedora.
“Descobri que as pessoas gostam de países bons, e não necessariamente de países bem-sucedidos. Se você pensar, é algo lógico. Se vivo na Inglaterra, não me importo se o Brasil é rico, competitivo, de crescimento rápido, bem governado, porque nada disso me afeta. A única coisa que me afeta é o que o Brasil faz fora de suas fronteiras. Se contribui para emissões de CO2, se envia ou recebe imigrantes econômicos. Coisas assim fazem a diferença.”
Ele diz considerar “ultrapassada” a ideia de um país ser “empolgante” sob o ponto de vista econômico – adjetivo muito usado para classificar o país no boom de popularidade externa do início da década.
“É uma ideia tão anos 1970, 80 e 90 pensar que países existem sobretudo para competir com os outros. Pensar em uma corrida em que cada país tem que ter a melhor imagem possivel e a melhor performance para coletar o máximo de dinheiro da oferta total para alimentar suas pessoas e torná-las mais obesas”, ironiza o britânico, para quem o “problema do mundo” hoje é a concepção de que “o único objetivo de um governo é conseguir o melhor acordo possível para sua população às custas de outros países”.
Nessa linha, o principal difusor do conceito de marcas de países diz que essa é hoje a “última coisa” com a qual o Brasil deveria se preocupar.
“Honestamente, quando há um escândalo como o que está acontecendo no Brasil, toda a recessão, a última coisa com a qual se preocupar é a imagem do país. A coisa com a qual se preocupar não é a percepção, mas a realidade. O que significa para as pessoas no Brasil, porque isso as afeta diretamente.”
Thiago Guimarães/BBC