Internet – Censura – Opinião dos outros

Sebastião Nery – Jornalista – Tribuna da Imprensa.

A palavra alada
“No princípio era o Verbo”. No princípio, havia a palavra. Assim começa a Bíblia. E assim começa a história da humanidade. O homem é a palavra. A História é a palavra. A história do homem é a história da palavra. É a crônica de sua linguagem. É o cotidiano do seu dizer.

O que é a Bíblia senão mil fábulas, as “Páginas da vida” do povo judeu tiranizado sob os salgueiros da Babilônia, hoje Iraque? E a tragédia grega? Era a metáfora do amor e da dor, da servidão e da liberdade, da vida e da morte.

Na Roma tirana dos césares, a resistência da Judéia oprimida de Cristo era a parábola, a palavra. Na Idade Média torturada de Galileu, o discurso era o silêncio. Mas bastaram duas palavras (“Epure, si muove”, “apesar de tudo, a terra se move”) e o homem descobriu os caminhos da terra, dos mares, dos ares.

Internet
E vieram o rádio, o telefone, a televisão, a radiofoto, o fax, a palavra voadora, a palavra alada, o homem volátil satélite do infinito. E a internet?

A internet já é o homem metido a besta, metido a Deus. Por muito menos do que essa luxuriosa maçã do orgulho humano, Adão e Eva foram expulsos do paraíso. A internet é a mesa posta nas estrelas, a sala de aula nos astros, a biblioteca nas galáxias, uma reunião nos jardins de Deus.

A internet é a palavra globalizada, democratizada, socializada. A palavra sem dono e sem patrão, sem registro e sem cartório. A palavra tiradentezada, liberta, “quae sera tamen”, “ainda que tardia”.
Como todos os passos do homem, os primeiros sempre são devagar. Na infância é assim. A chegada à lua foi também assim. Devagar. Bem devagar.

Jornalismo
A internet evoluiu no Brasil, continua evoluindo, no mesmo ritmo de sempre do desenvolvimento nacional, da educação, da informação, do conhecimento e da tecnologia. No começo, o acesso à internet, ao computador, ao lap-top, era caro. E, por ser caro, inacessível a quase todos.

De repente, foi barateando, popularizando-se, disparou. O Brasil tem hoje, pouco mais de duas décadas depois, milhões de computadores. E, sobretudo, de internautas e neuro-internéticos. Acabou o mistério.

Para um jornalista, um professor, para todos os profissionais da palavra e da escrita, a internet é a enciclopédia na ponta do dedo. Você não precisa mais abrir todas as pesadas enciclopédias e dicionários, os velhos “pais dos burros”. A internet lhe dá a resposta na hora. Está aqui, ali, disponível, acessível, catalogada, sem censuras, sem barreiras e sem fronteiras.

Liberdade
Mas, como não é nos livros, a informação na internet também não é a verdade provada, um dogma a ser recebido sem discussão e sem crítica. A informação foi posta ali, na internet, por alguém que pensa assim, acredita naquilo, defende aqueles conceitos. O que não significa a verdade indiscutível.

Se o primeiro dever de quem escreve é a exatidão, não basta buscar dados na internet. É preciso racionalizá-los, interpretá-los, para transmitir com fidelidade e transparência. Se o segundo dever é a clareza, não se pode engolir como definitiva a informação falsa, dados distorcidos, gato por lebre. A internet é o universo trazido à mesa, livre, para o banquete de cada um.

Azeredo
Por isso, mais do que surpreendente, é espantoso que justamente um senador mineiro, o Eduardo Azeredo, da Minas cujo primeiro nome Tancredo ensinou que é liberdade, e ainda por cima senador jovem, se faça instrumento dos banqueiros, que querem enjaular a internet para colocá-la a serviço deles:
1 – “O projeto que prevê acesso registrado à internet, relatado pelo senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas, resulta de lobby dos bancos, desgostosos com as despesas que são obrigados a fazer para coibir fraudes em transações eletrônicas”.
2 – “Para evitar punição, os usuários teriam de fornecer nome, endereço, número de telefone, da carteira de identidade, do CPF, às companhias provedoras, às quais caberia a tarefa de confirmar a veracidade das informações.

Num país com mais de 30 milhões de usuários de internet, não é preciso testar o modelo para que ele se mostre inexeqüível, à custa da privacidade do usuário e da qualidade na prestação do serviço” (“Folha”).

Com esses dados todos à mão, os bancos querem criar um cadastro nacional. Qual banditismo seria pior? Dos piratas da internet ou o dos bancos?
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