Um controle situacional das prisões é limitado; revertida a situação, o perigo volta a existir.
Mergulhado nas tarefas cotidianas na CPI dos sanguessugas, meu coração está em São Paulo. Sinto-me responsável por tudo isto que acontece. Sou um dos poucos políticos brasileiros que já foram prisioneiros e conhecem o cotidiano das cadeias, seja pela experiência vivida, seja pelos testemunhos das crises no sistema.
Há dois anos, procurei Nilmário Miranda, quando era Secretário de Direitos Humanos, e propus um projeto para prevenir e reduzir motins nos presídios. Voltei ao tema num encontro com o governador Cláudio Lembo.
Minha proposta era simples. Começaria instalando uma rede de computadores nos presídios. Formularia um questionário com perguntas a ser respondidas todos os dias. Um centro de inteligência analisaria 20 variáveis e teria condições de prevenir um motim, interferindo nas condições que potencialmente o produziriam.
Por exemplo: se estivéssemos trabalhando com denúncias constantes da presença de vidro na comida, evitaríamos a tensão produzida por essa variável. Gastaríamos algum dinheiro, é verdade, mas muito menos que o dinheiro gasto, por exemplo, em Mato Grosso e São Paulo, para reformar presídios destruídos.
Uma das muitas fragilidades da minha proposta era a ausência de prática e teoria sobre esse controle situacional das cadeias. As pessoas perguntavam de onde havia tirado isso, e, sinceramente, respondia: da minha cabeça.
Com a explosão da nova onda de violência, num dos raros momentos em que reencontrei minha pequena biblioteca, no Rio, fui salvo mais uma vez por ela. Achei, ainda intocado, o livro de Richard Wortley sobre prevenção de crimes na cadeia. Ele contém a prática e a teoria que poderiam fortalecer minha proposta.
Os crimes que os estudos de Wortley busca prevenir são estupro e assassinato. Mas a tese é válida para motins. Tanto ele como eu reconhecemos as limitações do método.
Um controle situacional das prisões é escandalosamente limitado, na medida em que, revertida a situação, o perigo volta a existir com a mesma intensidade. Ele não visa mudanças nos prisioneiros nem aspira convertê-los por meio de algum processo de salvação psicológica. Parte-se apenas da modesta conclusão de que os criminosos continuam criminosos, mas a mudança de situação pode inibir sua atividade destrutiva.
O livro de Wortley, publicado na série de Estudos de Criminologia de Cambridge, traduzido em sabedoria popular, confere com o ditado: às vezes, a ocasião faz o ladrão.Uma das críticas que o próprio Worley menciona à sua tese é a de que o conjunto de estudos e medidas proposto para a prevenção de crimes na cadeia aumenta o controle sobre a vida dos presos, tornando o Estado uma espécie de impiedoso “big brother”, vasculhando todos os detalhes da vida carcerária.
Não é preciso ler Foucault para saber que a prisão já é uma situação de controle e que, no caso de um plano para prevenir motins, o caráter provisório é evidente. Não há projetos idênticos nos países do Norte, porque as condições básicas foram mudadas e registraram-se raros motins nas últimas décadas.
Quando formulei a proposta, resolvi usar os verbos prevenir e reduzir porque, nas circunstâncias brasileiras, é difícil acabar com os motins. Quando os presos colocam condições imorais ou ilegais, a situação em que vivem não pode ser mudada.
Mesmo no caso da existência inevitável do motim, esse controle por um centro de inteligência poderia anexar mapas do prédio, indicações sobre os registros de água, estudos sobre possíveis rotas de fuga, contatos com eventuais associações de familiares dos presos, perfis psicológicos dos líderes. Prefiro evitar debater esse tema com a inútil clivagem linha dura/liberais.
Uma política unicamente repressiva conduz a enormes prejuízos financeiros, e isso já é um dado importante para considerar alternativas. Muitos dirão: com o controle que os líderes têm sobre os outros presos, fazem motins na prisão que quiserem, na hora que escolherem. Aí entram minhas dúvidas.
Os líderes não são onipotentes. Trabalham com as pequenas frustrações cotidianas. Num simples raciocínio de custo benefício, muitos podem negar apoio aos motins. Posso estar equivocado. Gostaria de verificar isso num processo de discussão com as pessoas que têm alguma experiência de cadeia.
A ausência desse processo é também de minha responsabilidade. São Paulo dói, e, mais do que nunca, é hora de nos declararmos paulistas