Eleições 2006 – O inacreditável José Serra


Que José Serra não sabe rir, não é nenhuma novidade. E é melhor mesmo quando não tenta um sorriso, porque o resultado amarelo é sempre uma agressão à idéia de simpatia. Mas no último domingo, o não-sorriso de Serra, governador eleito de São Paulo, estava mais amargo do que nunca.

Num palanque ao lado de Geraldo Alckmin, colega de partido que comemorava a inesperada virada para o segundo turno na disputa presidencial, a carranca de Serra era de uma sutileza obscena. Ele fez questão de fechar a cara no clímax do discurso de Alckmin, naquela hora crucial em que as TVs pegam o “até a vitória” ou coisa que o valha. Muito estranho.

Ou melhor, muito claro. Para quem não se lembra, logo após o final da novela da escolha do candidato do PSDB à presidência – em que Serra foi derrotado por Alckmin –, proliferaram na imprensa notinhas, comentários e declarações em off torpedeando a decisão do partido. Adivinhem quem estava por trás dessa plantação?

O PSDB estava em guerra interna, Alckmin tinha atropelado os ritos partidários, era um candidato inexpressivo, desconhecido nacionalmente, com visão interiorana e uma penca de problemas administrativos. Essas duras críticas se espalharam pelo noticiário com uma amplitude proporcional às ótimas relações de José Serra com jornalistas dos grandes centros.

Geraldo Alckmin, o homem que ao lado de Mário Covas tirou São Paulo do buraco, tocando a mais profunda reforma administrativa que o Brasil já conheceu, parecia reduzido a um clown. Um mero picolé de chuchu.

Poucas vezes se viu na política brasileira um fogo amigo tão letal. Alckmin passou meses sendo tratado como um pusilânime, um jeca, um pindamonhangabense pagando mico numa corrida presidencial. José Serra e Aécio Neves assistiam a esse aparente naufrágio à distância. O primeiro piscando o olho desavergonhadamente para Lula, o segundo não dando um dedo mindinho à campanha nanica do Geraldo.

Mas o Geraldo cresceu. Calou as cassandras e os ibopes, e trouxe para a disputa terrena o mito do Luiz Inácio Padinho Ciço da Silva. Nem o mais amarelo dos sorrisos de José Serra deu conta desse constrangimento.

Em seu primeiro pronunciamento como governador eleito em primeiro turno, Serra saudou paulistas e paulistanos, mas fez questão de agradecer “aos brasileiros”, citados mais de uma vez em seu discurso. A referência insistente aos brasileiros por um político que acaba de ser eleito para governar um – apenas um – estado da federação é sutil como um berro de Heloísa Helena.
Serra iniciou sua campanha presidencial para 2010 no exato momento em que seu companheiro de partido inicia a disputa decisiva pela mesma cadeira. Chocante.

Alckmin, que sempre defendeu a reeleição, já sofre pressões para pronunciar-se contra ela. Afinal, em 2010 a cadeira tem que estar vaga para Serra.
O ideal mesmo para o tucano do sorriso amarelo, o Dirceu do PSDB, é que Alckmin perca a eleição – e ele possa enfrentar o que sobrar de Lula após mais quatro anos de peripécias do PT.

Vão dizer que isso é assim mesmo, que é do jogo. Tudo bem. Mas não venham mais falar de partidos políticos como o esteio da democracia.
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