Historiador da Paris-Sorbonne acredita que um segundo mandato petista precisa ser focado em transformação social.
FOLHA – Em quem o sr. votou?
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO – Votei em Lula, como nas eleições precedentes em que ele se candidatou. Penso que o PT e Lula são portadores de um projeto democrático de transformação social que foi parcialmente realizado no primeiro mandato e poderá ser completado num segundo mandato. Votarei novamente em Lula no dia 29 de outubro. Mas, agora, com um pé atrás. Os erros de Lula e os atos delituosos da direção do PT suscitam reflexões pessimistas. Mas o impulso para o progresso social e a confiança no processo democrático, explicitados no voto majoritário que Lula obteve entre as camadas populares e a população negra, geram o otimismo da vontade de mudança.
FOLHA – O que achou do resultado do primeiro turno?
ALENCASTRO – Consolidaram-se duas mudanças positivas: o sistema de dois turnos, garantia de resultados não sujeitos à contestação, e o instituto da reeleição. Quebrou-se um tabu: o presidente candidato à reeleição não é imbatível. Lula levou uma fubecada e foi empurrado para o segundo turno. As sondagens mostram que 66% do eleitorado acha isso bom. O eleitorado aprendeu a manejar os dois turnos e quer mais explicações. Lula deve estar preparado para explicar o mensalão e o “dossiegate”. Mas Alckmin talvez seja levado a formular os esclarecimentos que FHC não deu sobre as privatizações e a compra de votos para a emenda da reeleição.
FOLHA – O que lhe parece a candidatura Alckmin?
ALENCASTRO – Alckmin só chegou no segundo turno por causa das manobras calamitosas e suicidas do PT. No seu comportamento há a habitual arrogância tucana: não é preciso detalhar um programa de governo -procedimento essencial para todo postulante sério à Presidência-, basta repetir que a esquerda é burra e, ainda por cima, desonesta.
FOLHA – É possível explicar como um candidato constantemente apresentado como antipopular chega a angariar 40% dos votos?
ALENCASTRO – Alckmin representa um arco de alianças partidárias cujo potencial pode abarcar mais da metade do eleitorado brasileiro. Sua representatividade partidária é real. Mas foi ele próprio que forjou sua imagem de ator secundário da política brasileira. Foi ele que se projetou como um político de reserva, eterno vice-governador. Alckmin também aparece como um político provinciano que jamais se preocupou -ao contrário de Lula, FHC ou Serra- em estabelecer contato com lideranças políticas estrangeiras. Com a forte inserção do Brasil na diplomacia e no comércio internacionais, isso é uma lacuna grave. Ele é despreparado neste terreno e já deu vexame numa entrevista a um canal de TV australiano, fugindo de suas responsabilidades no governo de São Paulo. Sua propaganda eleitoral, mostrando a casinha de Pindamonhangaba, pagou o mico. Instalou uma imagem de farmacêutico do interior num filme de Mazzaropi. No debate da Bandeirantes, ele tentou consertar, falando grosso e grosseiramente. Gerou um conflito de imagens que provocou sua queda nas sondagens.
FOLHA – Lula opôs constantemente, no primeiro turno, o “povo” e a “elite”. Faz sentido o discurso?
ALENCASTRO – Faz todo o sentido. Afinal o que se está querendo neste país? Que os evangélicos e a polícia resolvam os problemas gerados pela miséria e as desigualdades? É fundamental que essas opções sejam assumidas por um partido inserido no jogo democrático, por um presidente respeitador das instituições. A idéia de conflito de interesses é fundamental no funcionamento da democracia. Por minha parte, sempre achei que os objetivos do PT e de Lula devem ser os mesmos de toda esquerda democrática: transformar a maioria social do país em maioria política.