A situação do morador de grandes cidades é tema de reportagem especial do jornal El Clarin na qual se aponta para uma tendência urbanística, não exclusiva de países de Terceiro Mundo, de polarizar as cidades entre áreas miseráveis de um lado e regiões ricas e protegidas de outro, deixando a classe média no desconfortável abandono de quem não pode ir para o lado dos endinheirados, mas também não quer decair para a pobreza dos guetos.
Entre os especialistas entrevistados pelo jornal argentino está a brasileira Teresa Caldeira, que fala em “cidades muradas”, verdadeiras cidadelas dentro das áreas urbanas, preparadas para proteger-se do exterior, da criminalidade e da marginalidade. Com isso, as cidadelas funcionam num microclima artificial de proteção e privilégios.
Segundo ela, sobre o céu de São Paulo voam diariamente entre 500 e mil helicópteros particulares que transportam industriais, empresários e comerciantes que saem desses bairros fechados para o centro da cidade. A capital paulista, com seus mais de 15 milhões de habitantes, seria o exemplo dessa tendência de “guetização” da população.
Segundo Caldeira:
O medo chega como um ingrediente que justifica uma nova maneira de segregar. Os ricos se segregam a si mesmos. No momento em que se democratiza a sociedade, as elites, que não conseguem mais dominar o centro da cidade em que viviam antes, criam outras maneiras seguras de mostrar seu prestígio. Os espaços mais antidemocráticos que existem estão sendo criados no momento de abertura democrática.
Nesse cenário, o que sobraria para a classe média? Esses seriam os habitantes que resistiriam nessa zona indefinida e sem nome, que não é nem o espaço privilegiado dos ricos nem o gueto dos pobres. “Cidade partida”, de Zuenir Ventura, escrito há 10 anos, já é uma constatação desse fenômeno que o carioca conhece na pele. A Zona Sul da cidade vem se transformando nesse espaço público abandonado, “sintoma de desurbanização”. Todos os dias as páginas de jornais publicam cartas e mais cartas de leitores queixosos de problemas de uso do espaço público, que tornou-se sinônimo de lugar sem dono, sem lei e sem ordem.
Desde que a Internet invadiu o cotidiano das nossas vidas, muito tem se escrito sobre o futuro das cidades. A idéia romântica de que a tecnologia permitiria ao trabalhador trocar os grandes centros urbanos por bucólicas cidades do interior nunca se confirmou. As coisas caminharam mais para o lado das previsões de autores como Nicholas Negroponte, há mais de 10 anos um defensor da idéia de que a rede mundial de computadores permitiria, sim, algum afastamento do centro, mas alargaria a presença em torno das metrópoles porque seria preciso estar acessível a serviços de conectividade de alta velocidade e entregas.
No Brasil, qualquer tentativa de sair dos inchados centros urbanos se valendo do acesso à Internet como ferramenta de trabalho é uma complicação. Conexões por banda larga não estão necessariamente disponíveis com a mesma facilidade e preço e muitos dos serviços oferecidos estão restritos a regiões metropolitanas ou têm tarifa de frete alta demais fora das capitais.
Por aqui, qualquer tentativa de deixar o centro urbano em direção a cidades mais próximas, como Petrópolis ou Teresópolis, ainda esbarra em obstáculos banais porque toda a oferta de serviços online se dá para os que já estão nas áreas cobertas por outros serviços. Para o morador de Ipanema, por exemplo, é possível comprar um livro pela Internet e recebê-lo em casa no mesmo dia – coisa que dificilmente ele precisará, porque basta andar até a Livraria da Travessa e realizar a compra pessoalmente. Para o morador de uma cidade vizinha, como Petrópolis, o mesmo livro demora mais a chegar e ainda custa mais caro.
Publicado por Carla Rodrigues