Necrológio dos desiludidos do amor
Carlos Drummond de Andrade ¹
Os desiludidos do amor
Estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
Escreveram cartas explicativas,
Tomaram todas as providências
Para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
Seja no claro céu ou no turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
Dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
E um estômago cheio de poesia…
Agora vamos para o cemitério
Levar os corpos dos desiludidos
Encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).
Os desiludidos seguem iludidos,
Sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
Não servirão de lastro financeiro
E cobertos de terra perderão o brilho
Enquanto as amadas dançarão um samba
Bravo, violento, sobre a tumba deles.
¹ Carlos Drummond de Andrade
* Itabira do Mato Dentro, MG, – 31 de Outubro de 1902 d.C
+ Rio de Janeiro RJ, – 17 de Agosto de 1987 d.C
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