Bienal de Artes de Veneza volta a falar de política e injustiças sociais na exposição deste ano

Evento acontece na cidade italiana até 22 de novembro; mostra All the world’s future, do curador nigeriano Okwui Enwezor, se inspira no livro “O Capital”.

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De grande impacto, pinturas do japonês Tetsuya Ishida criticam o conformismo atual

As contestações e as denúncias sociais voltaram a ocupar os espaços da Bienal de Artes de Veneza, que acontece na cidade italiana até 22 de novembro.

Na contramão da ausência do engajamento político-artístico que perdurava desde 1974 – quando a exposição foi dedicada ao golpe de Estado chileno – a mostra All the world’s future, do curador nigeriano Okwui Enwezor, se inspira no livro O Capital, de Karl Marx, e aponta o dedo para as desigualdades e os conflitos no mundo.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]

Morte, guerra, fuga, exploração são temas repetidos a exaustão nessa edição, que reservou muitos espaços para denunciar o drama em que vivem hoje milhares de refugiados.

A exposição conta a participação de 89 países e de 136 artistas e se divide em duas etapas: a dos Jardins, mais conceitual, onde se encontram os pavilhões representativos dos países, e a do Arsenal, mais emocional.

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Chiharu Shiota preparou, para o pavilhão japonês, uma instalação poética:
The Key in the Hand 

Ao entrar no pavilhão central dos jardins, o visitante se depara com um sugestivo muro de quatro metros de altura feito com bolsas, sacos e malas de viagem chamado O Muro das Lamentações, do artista italiano Fabio Mauri, um dos exponentes da arte pobre.

A instalação recorda a atual diáspora dos refugiados que, em suas viagens, enfrentam muros reais, como o que a Hungria esta construindo.

Segundo Enwezor, “o capital é o grande problema da atualidade”. O nigeriano ousou e trouxe Marx para dentro da mostra.

Durante todo o período da Bienal, dois atores leem diariamente, três vezes por dia, trechos de O Capital.

Numa das paredes da sala que o curador chama de Oratório, o artista alemão Olaf Nicolai pendurou “mochilas autofalantes”, das quais é possível escutar a ópera Non consumiamo Marx, de Luigi Nono, inspirada na obra do filósofo alemão.

Já o indiano Madhusudhanan apresentou uma coleção de 30 desenhos feitos em carvão vegetal da série Logic of Disappearance. A Marx Archive, onde, por meio de caricaturas como a de Lenin e a de Stalin, conta a história do mundo.

Jardins

Nos Jardins, pinhos marítimos robotizados criados por Celeste Bousier-Mougenot ganham vida no pavilhão francês. Eles se movem lentamente no salão central enquanto o público fica deitado nos espaços laterais.

Já no pavilhão inglês, Sara Lucas apresenta uma pequena e provocante coleção de gessos decalcados em corpos femininos e cigarros em todos os orifícios.

Se a sensação de liberdade reina nos pavilhões francês e inglês, no de Israel a coisa é completamente inversa. Uma palavra basta para descrever esse pavilhão: opressão.

O artista israeliano Tsibi Geva apresentou sua Archeology of the Present, feita de pneus, grades, janelas e muros, objetos que dão a sensação de segurança, mas que limitam a liberdade: se separam em vez de unir.

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Leitura do livro “O Capital”, de Karl Marx; ela é feita três vezes ao dia

No pavilhão da Venezuela, Argelia Bravo e o artista de rua Flix apresentam I Give you my word, vídeo-projeções nas quais personagens encapuzados, de seios de fora e com crianças no colo, dividem o espaço com manifestações políticas por meio das palavras.

Por sua vez, Chiharu Shiota preparou, para o pavilhão japonês, uma instalação poética que tece os percalços da vida. The Key in the Hand foi criada com fios entrelaçados que solevam dois pequenos barcos e onde estão penduradas centenas de chaves.

Intencionalmente ou não, a instalação remete à atualidade dos refugiados: o mar vermelho lembra o sangue derramado por centenas de vitimas que morreram e continuam a morrer nas águas geladas do Mediterrâneo.

Facas e palavras no Arsenal

Na primeira sala do Arsenal, um jardim de facões e espadas criado pelo artista argelino Adel Abdessemed (e ironicamente chamado de Nymphéas) divide o espaço com os tubos de neon de Bruce Neuman, que iluminam palavras como morte, amor, guerra.

Logo em seguida, o espaço se abre para receber o trabalho do estadunidense Roberth Smithson: uma grande árvore seca, com ramos e raiz que deixam a entender o quanto difícil é a reprodução da vida.

A sul-africana Marlene Dumas apresentou uma coleção de vinte pequenos quadros de corpos mortos e brutalizados intitulada Skull.

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Liisa Roberts, da França: imagens de um velho mundo que ficou esquecido

Já a artista francesa Liisa Roberts levou à Bienal imagens de um velho mundo que ficou esquecido em qualquer ângulo de estrada, com enormes fotos de velhos russos com medalhas no peito e o vazio no olhar.

Lavar Munroe, das Bahamas, apresentou imagens feitas com recortes de jornais, fitas adesivas e sacos plásticos que chamavam a atenção para a violência.

O turco Kutlug Ataman preferiu fazer uma instalação usando minúsculas fotos retroiluminadas para falar sobre as diferenças.

De grande impacto, as pinturas do japonês Tetsuya Ishida criticam o conformismo atual. Rostos inexpressivos fixam o vazio e passam uma sensação de isolamento e crise de identidade.

O argentino Juan Carlos Distéfano levou à Bienal suas esculturas deformadas, para lembrar a violência da ditadura que governou o país de 1976 a 1983.

Já Georg Baselitz – pintor alemão e herdeiro de Francis Bacon – instalou oito enormes telas representativas de uma figura humana, nua e de ponta cabeça: ele mesmo.

As telas pareciam ter saído de um campo de guerra, com fundo preto e furadas por balas imaginárias de uma metralhadora.

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Obra “O Muro das Lamentações”, do artista italiano Fabio Mauri, está na entrada do pavilhão central dos Jardins

A crítica à Rússia e a invasão na Ucrânia também não poderiam ficar de fora.

A artista russa Gluklya colocou uma fila de paus de madeira altíssimos vestidos com roupas usadas por manifestantes anti-Putin.

Enwezor realmente trouxe a política de volta à Bienal. Usando terminologias apocalípticas, quis mostrar quais possibilidades de futuros existe para o mundo. Futuros incertos ou certos de que precisamos realmente mudar?  “A minha bienal é política porque lida com nossa relação com a história, porque precisamos confrontar o que nos separa”, diz.
Janaina Cesar/OperaMundi

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