Nas últimas décadas a América Latina presenciou uma grande ascensão de governos com tendências políticas à esquerda.
Embora em escalas diferentes, estes mandatários romperam com alguns paradigmas neoliberais, incrementaram políticas sociais, fomentaram uma maior participação estatal em setores estratégicos da economia e colocaram em prática medidas que visavam a minimizar a histórica concentração dos meios de comunicação de massa no subcontinente.
Em 2007, Hugo Chávez não renovou a concessão da RCTV alegando que a emissora, ao privilegiar negócios privados em detrimento de prestar informações de interesse público, não cumpria as funções destinadas aos canais de televisão, conforme o previsto na constituição venezuelana. Durante seu mandato também houve grande incentivo para a criação de rádios comunitárias.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
No primeiro governo de Lula, a maioria das outorgas radiofônicas (63,68%) foi concedida para rádios comunitárias. O ex-presidente também ampliou de 499 para 8.094 o número de veículos que recebem publicidade estatal, diminuindo assim os lucros dos grandes empresários da mídia.
Por sua vez, Cristina Kirchner promulgou a chamada Ley de Medios, medida que pregava o fim do monopólio de grandes grupos de comunicação argentinos ao restringir a porcentagem de mercado que poderiam dominar e quantos canais poderiam deter, além de incentivar veículos independentes. Seguindo essa tendência, países como Equador e Uruguai também reformaram suas legislações de comunicação nos últimos anos. Tais mudanças coincidiram com os mandatos de Rafael Correa e Pepe Mujica.
No âmbito internacional, esses governos de esquerda privilegiaram as relações diplomáticas e econômicas com seus vizinhos continentais ou com outros países subdesenvolvidos em detrimento das históricas alianças com as nações desenvolvidas, sobretudo os Estados Unidos.
Entretanto, conforme o colocado pela professora Margareth Steinberger, a América Latina ainda constrói práticas sócio-informativas a partir de um imaginário colonialista. As informações que as nações do subcontinente recebem sobre os países vizinhos não são geradas diretamente por eles, mas por agências de notícias sediadas nos países desenvolvidos. Diante dessa realidade, governos latino-americanos que tenham posturas contrárias aos interesses das grandes potências mundiais ou representem obstáculos para a expansão capitalista tendem a ser representados de maneira negativa na mídia.
No documentário Ao Sul da Fronteira, o cineasta Oliver Stone demonstra como a grande imprensa dos Estados Unidos retrata os governantes de esquerda latino-americanos a partir de visões desrespeitosas e levianas, representando Hugo Chávez e Evo Morales como tiranos que perseguem opositores, apoiam narcotraficantes e concedem abrigo a células de organizações terroristas internacionais.
Além do mais, estes veículos de comunicação recorrem constantemente a práticas cômicas para difundir clichês e generalizações que ridicularizam hábitos e costumes das populações da América Latina. De maneira geral, conclui Stone, as maiores redes de notícia estadunidenses seguem as orientações da política externa da Casa Branca e dividem o mundo em “amigos” (líderes que fazem o que os Estados Unidos querem que eles façam) e “inimigos” (líderes que tendem a discordar de Washington).
Um espaço público privatizado pela mídia
Seguindo essa linha noticiosa, os discursos da imprensa brasileira sobre os governos de esquerda latino-americanos são marcados por palavras de forte carga semântica negativa como “populismo”, “caudilhismo”, “ditadura”, “demagogia” e “assistencialismo”. Desde a primeira eleição de Hugo Chávez para a presidência da Venezuela, em 1998, há uma ostensiva campanha midiática com o objetivo de deturpar a imagem do líder bolivariano.
Conforme constatou Angelo Adami em um trabalho de graduação em Comunicação Social, mesmo Chávez sendo eleito e reeleito em eleições democráticas, avalizadas por observadores internacionais, dentro das normas constitucionais e com a garantia de direito a voto para todos os cidadãos maiores de idade indistintamente, a revista Veja construiu a imagem do ex-presidente venezuelano como um ditador que representava grande ameaça para a estabilidade política da América do Sul.
Após a deposição parlamentar do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em junho de 2012, Arnaldo Jabor teceu um comentário extremamente preconceituoso sobre os presidentes latino-americanos com tendências políticas à esquerda. Na fala do articulista da Rede Globo, a Bolívia de Evo Morales é uma “república cocalera”, Lula dava dinheiro para o Paraguai, Cristina Kirchner se destaca por usar botox e o próprio Lugo foi “acusado” de “proteger os sem-terra paraguaios”.
Não obstante, a concentração dos meios de comunicação de massa latino-americanos em propriedade de poucos grupos não representa apenas a reprodução de ideologias colonialistas, mas, conforme a história recente tem demonstrado, também consiste em grande ameaça aos preceitos democráticos, pois, em ocasiões pontuais, influentes grupos midiáticos contribuíram ativamente para a deposição de governos com tendências políticas à esquerda.
Lembrando as palavras da blogueira Cynara Menezes: “A mídia tem sido o braço pseudo-democrático dos golpes brancos que vêm ocorrendo na América do Sul ao longo da última década. Como não consegue ganhar eleições, a direita se alia aos principais jornais e emissoras de TV e apela a soluções jurídicas, quando não diretamente para a força bruta, para chegar ao poder.”
Portanto, como nosso imaginário social latino-americano tornou-se um espaço público privatizado pela mídia, articulado a partir das categorias da linguagem jornalística, um novo espaço de resistência subcontinental depende, intrinsecamente, de um esforço coletivo para “desmidiatizar o pensamento”.
Para isso, torna-se necessário solapar qualquer forma de “coronelismo midiático” e promover uma completa democratização dos meios de comunicação de massa para permitir que os diferentes setores sociais da América Latina construam representações sociais próprias e tenham voz para divulgar suas demandas e reivindicações. Uma democracia verdadeira requer, sobretudo, uma mídia que não seja mera reprodutora do status quo, mas que contemple a grande pluralidade de espectros ideológicos.
¹Francisco Fernandes Ladeira é mestrando em Geografia