Quarta-Feira de Cinzas V
T.S. Eliot¹
V
Se a palavra perdida se perdeu, se a palavra usada se gastou
Se a palavra inaudita e inexpressa
Inexpressa e inaudita permanece, então
Inexpressa a palavra ainda perdura, o inaudito Verbo,
O Verbo sem palavra, o Verbo
Nas entranhas do mundo e ao mundo oferto;
E a luz nas trevas fulgurou
E contra o Verbo o mundo inquieto ainda arremete
Rodopiando em torno do silente Verbo.
Ó meu povo, que te fiz eu.
Onde encontrar a palavra, onde a palavra
Ressoará? Não aqui, onde o silêncio foi-lhe escasso
Não sobre o mar ou sobre as ilhas,
Ou sobre o continente, não no deserto ou na úmida planície.
Para aqueles que nas trevas caminham noite e dia
Tempo justo e justo espaço aqui não existem
Nenhum sítio abençoado para os que a face evitam
Nenhum tempo de júbilo para os que caminham
A renegar a voz em meio aos uivos do alarido
Rezará a irmã velada por aqueles
Que nas trevas caminham, que escolhem e depois te desafiam,
Dilacerados entre estação e estação, entre tempo e tempo, entre
Hora e hora, palavra e palavra, poder e poder, por aqueles
Que esperam na escuridão? Rezará a irmã velada
Pelas crianças no portão
Por aqueles que se querem imóveis e orar não podem:
Orai por aqueles que escolhem e desafiam
Ó meu povo, que te fiz eu.
Rezará a irmã velada, entre os esguios
Teixos, por aqueles que a ofendem
E sem poder arrepender-se ao pânico se rendem
E o mundo afrontam e entre as rochas negam?
No derradeiro deserto entre as últimas rochas azuis
O deserto no jardim o jardim no deserto
Da secura, cuspindo a murcha semente da maçã.
Ó meu povo
¹Thomas Stearns Eliot
* Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819
+ Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880
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