Prosa na tarde – Sêneca – 13/05/2013

A Loucura do Dinheiro
Sêneca¹

O dinheiro suscita a maior parte das vociferações que ouvimos: é o dinheiro que fatiga os tribunais, é ele que coloca pais e filhos em desavença, é ele que derrama venenos, é ele que põe a espada nas mãos dos assassinos e das legiões; ele está manchado de sangue nosso; é por causa dele que as discussões de marido e mulher ressoam na noite, é por causa dele que a turba aflui aos tribunais; por causa dele, os reis massacram, saqueiam e arrasam cidades que demoraram séculos a construir, para procurarem ouro e prata entre as cinzas. Vês os cofres arrumados a um canto? É por causa deles que se grita até os olhos saírem das suas órbitas e que os brados ressoam nos tribunais; é por causa deles que juízes vindo de regiões longínquas se reúnem para decidir qual é a avidez mais justa.

E quando, não por um cofre, mas por um punhado de ouro ou por um denário que se dispensaria a um escravo, se perfura o estômago de um velho que ia morrer sem herdeiros? E quando, possuindo vários milhares, um usurário de pés e mãos deformados, incapaz sequer de mexer no dinheiro, reclama, furioso, os juros dos seus asses? Se me apresentasses todas as minas e todo o dinheiro que delas retiramos, se pusesses aos meus pés todos os tesouros escondidos (pois a avareza devolve ao interior da terra aquilo que dela fora retirado com maldade). não creio que todas estas riquezas conseguissem impressionar um homem virtuoso. Quão risíveis são todas as coisas que nos provocam lágrimas!

¹Lucius Aneu Sêneca – Filósofo
* Córdoba, Espanha 4 a.C | + Roma, Itália – 65 d.C

A obra literária e filosófica de Sêneca, tido como modelo do pensador estóico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na Europa.
Oriundo de família ilustre, era filho de Lucius Aneu Sêneca o Velho, célebre orador.
Ainda criança, foi enviado a Roma para estudar oratória e filosofia.

Com a saúde abalada pelo rigor dos estudos, passou uma temporada no Egito para se recuperar e regressou a Roma por volta do ano 31 da era cristã.

Nessa ocasião, iniciou carreira como orador e advogado e logo chegou ao Senado.Em 41 envolveu-se num processo por causa de uma ligação com Julia Livila, sobrinha do imperador Claudius I, que o desterrou.

Claudius II
No exílio, Seneca dedicou-se aos estudos e redigiu vários de seus principais tratados filosóficos, entre os três intitulados Consolationes (Consolos), em que expõe os ideais estóicos clássicos de renúncia aos bens materiais e busca da tranqüilidade da alma mediante o conhecimento e a contemplação.

Agrippina II
Por influência de Agrippina II, sobrinha do imperador e uma das mulheres com quem este se casou, Sêneca retornou a Roma em 49.Agripina tornou-o preceptor de seu filho, o jovem Nero, e elevou-o a pretor em 50.Seneca contraiu matrimônio com Pompeia Paulina e organizou um poderoso grupo de amigos.

Logo após a morte de Claudius I, ocorrida em 54, o escritor vingou-se com um escrito que foi considerado obra-prima das sátiras romanas, Apocolocyntosis divi Claudii (Transformação em abóbora do divino Claudius).Nessa obra, Seneca critica o autoritarismo do imperador e narra como ele é recusado pelos deuses.

Quando Nero foi nomeado imperador, Seneca converteu-se em seu principal conselheiro e tentou orientá-lo para uma política justa e humanitária.
Durante algum tempo, exerceu influência benéfica sobre o jovem, mas aos poucos foi forçado a adotar atitudes de complacência.

Chegou mesmo a redigir uma carta ao Senado na qual justificava a execução de Agrippina II em 59. Foi então muito criticado pela fraca oposição a tirania e a acumulação de riquezas de Nero, incompatíveis com as concepções estóicas. O escritor e filósofo destacou-se como estilista.

Numa prosa coloquial, seus trabalhos exemplificam a maneira de escrever retórica, declamatória, com frases curtas, conclusões epigramáticas e emprego de metáforas.
A ironia é a arma da qual se utiliza com mestria, principalmente nas tragédias que escreveu, as únicas do gênero na literatura da antiga Roma.

Versões retóricas de peças gregas, elas substituem o elemento dramático por efeitos brutais, como assassinatos em cena, espectros vingativos e discursos violentos, numa visão trágica e mais individualista da existência.

Seneca retirou-se da vida pública em 62.
Entre seus últimos textos estão a compilação científica Naturales quaestiones (Problemas naturais), os tratados De Tranquillitate Animi (Sobre a tranqüilidade da alma), De vita beata (Sobre a vida beata) e, talvez sua obra mais profunda, as Epistolae morales dirigidas a Lucilius, em que reúne conselhos estóicos e elementos epicuristas na pregação de uma fraternidade universal mais tarde considerada próxima ao cristianismo.

Acusado de participar na conjuração de Pisão, em 65, Seneca recebeu de Nero a ordem de suicidar-se, que executou em Roma, no mesmo ano, com o ânimo sereno que defendia em sua filosofia.

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