Bangladesh, Roupas e operários descartáveis

Xuxa já foi rainha do varejo em Nova York. No começo dos anos 90, ela ia à rua 14 numa limusine com suas paquitas. Compravam roupas para meses de programas.

Era o inicio da grande invasão chinesa na moda barata que arrebentaria as industrias americanas e de outros países pelos acordos comerciais.

Até a década de 70, 100% das roupas americanas eram fabricadas nos Estados Unidos. Nos 90 caíram para 50%, hoje são apenas 2%.

[ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]A martelada definitiva da globalização na moda foi em 2005, quando as cotas de importação foram eliminadas. Desde então, as confecções fugiram em massa para China e, depois, Bangladesh.

Nova York já foi uma das maiores produtoras de roupas nos Estados Unidos e cenário de um dos incêndios mais trágicos do país, o da fábrica Triangle Waist, em 1911.

Morreram 147 pessoas, quase todas mulheres que saltaram do oitavo e nono andares porque todas as portas estavam trancadas.

Os dois donos escaparam por uma das poucas portas abertas, foram processados por homicídio e absolvidos.

As decisões no tribunal foram pífias e devastadoras para as famílias, mas tiveram um impacto revolucionário nas leis trabalhistas.

Entre as várias consequências das duas tragédias de Bangladesh, o incêndio que matou 112 numa confecção em dezembro e a morte de mais de 700 quando um prédio desmoronou, em abril, pode estar a ressurreição da indústria de roupas nos Estados Unidos.

Elizabeth Cleine é escritora e repórter. Passou três anos na investigação da indústria, entre eles um ano disfarçada de compradora de roupas americanas nas fábricas da China e de Bangladesh. O resultado foi o livro Overdressed – The Shockingly High Cost of Cheap Fashion.

A China tem 40 mil fábricas com 15 milhões de empregados, equipamentos modernos com computadores da Apple. Pagam salários de US$ 200 por mês. As fábricas poluem e consomem uma quantidade criminosa de água, mas por dentro são limpas e eficientes.

As 4 mil fábricas de Bangladesh são pavorosas até para o século 19. No livro, Elizabeth Cline descreve, profeticamente, prédios decadentes, perigosos, cheios de rachaduras.

Muito antes das duas tragédias ela culpou o insaciável consumidor americano e as máquinas de vendas e promoções das grandes redes de roupas – H&M, Zara, Gap, Uniqlo, Joe Fresh e dezenas de outras que mudaram o conceito da moda moderna.

Antigamente havia os lançamentos de outono/inverno e primavera/verão. Hoje as lojas ganham na venda por volume e os inventários mudam em menos de um mês.

Uma americana tem, em média, 350 peças de roupas nos armários, gavetas, caixas debaixo das camas e nos porões. Compram em média 68 vestidos e 7 sapados por ano, o dobro do que consumiam em 1950, e gastam apenas 3% do salário anual. Nos antigamentes dos anos 50, guarda-roupa representava 17% da renda familiar.

Este furor de consumo de roupas baratas gerou as expressões “roupas descartáveis” e “indústria fast fashion”. A escritora acha que existe uma relação social e cronológica entre “fast food” e “fast fashion” . As duas explodiram quase ao mesmo tempo.

Elizabeth conta o exemplo da mulher que chega na loja e, no impulso, pelo preço, compra uma blusa bonita por US$ 10. Em casa, acha a blusa jeca, mas o preço é tão baixo que não vale a pena perder tempo com a devolução. Leva para as agências de caridade com outras que estavam na pilha das descartáveis.

A Salvation Army e a Goodwill, duas das maiores, recebem todos os dias carradas dessas roupas quase sem uso. Ficam no máximo três semanas à venda por um terço do preço.

O encalhe, monumental, tem três destinos: as vendedoras de farrapos; as fábricas de automóveis onde servem para revestimento dos carros contra calor e frio; ou são empacotadas em caixas gigantes e exportadas para países emergentes, a maior parte para a Africa, onde as peças mais valiosas são as calcinhas da Victoria Secret. Aquela blusa de US$ 10 vale alguns centavos na Africa.

As grandes cadeias de roupa estão numa cintura justíssima. Algumas anunciaram que vão parar de fabricar em Bangladesh, outras prometeram indenizar as vítimas e exigir melhores condições de trabalho.

Entre as propostas está a criação de um selo de garantia que o produto foi fabricado em condições decentes. Os preços vão subir. Quanto o consumidor, acostumado a comprar muito por pouco, está disposto a pagar para proteger emergentes explorados?

A Universidade de Michigan fez a pesquisa num subúrbio de Detroit. Meias idênticas foram empilhadas lado a lado.

À esquerda, as supostamente fabricadas em más condições de trabalho. à direita, em boas. Metade dos consumidores optaram pelas boas condições, a outra metade ignorou a diferença.

Quando subiram os preços em 5%, só um terço se dispôs a pagar mais pelas meias do bem. Quando os preços subiram até 50%, a grande maioria, 75%, optou pelas meias do mal.

Na indústria da fast moda, o trabalhador de Bangladesh é um bem tão descartável quanto as roupas que ele fabrica.
Lucas Mendes/De Nova York para a BBC Brasil

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