Propércio – Versos na tarde – 22/02/2016

Elegia 1.1
Propércio ¹

Cíntia, com seu olhar, foi a primeira que me enfeitiçou
(infeliz, não tocado anteriormente por nenhuma forma de paixão).
O Amor, então, abateu-me a usual altivez dos olhos,
dominou minha cabeça, calcando os pés sobre ela,
e ao mesmo tempo me ensinou, falso que é,
a ter ódio das moças honestas e a viver sem pensar.
Tal loucura não me abandonou ainda, durante todo este ano,
e, no entanto, sou forçado a ter os Deuses como contrários a mim.
Milanião, Tulo, por não se esquivar a nenhum esforço,
pôde enfrentar a dureza da cruel filha de Iásio.
Quando vagueava, desatinado, nas grutas do monte Partênio,
e se defrontava com animais ferozes, de pêlo hirsuto,
foi atingido pelo golpe da clava de Hileu
e gemeu, cheio de dores, nos rochedos de Arcádia.
Mas conseguiu, dessa forma, dominar a donzela veloz:
só têm valia, no amor, as súplicas e os favores.
Em relação a mim, o Amor é vagaroso, não pensa em artifícios conhecidos
nem se lembra, ao menos, de percorrer os caminhos costumeiros.
Vós, porém, que conheceis as bruxarias para dominar a lua
e a arte de fazer sacrifícios em altares mágicos,
eia, vamos, transformai o coração da minha amada
e fazei que ela se torne mais pálida ainda que meu próprio rosto.
Aí, então, eu poderia crer que vos é possível dominar
os astros e os rios com os encantamentos da mulher de Citas.
Vós, meus amigos, que procurais levantar tardiamente o que caiu,
buscai auxílio para um peito doente.
Com intrepidez saberei sofrer o ferro e o ardor do fogo
para que haja liberdade de dizer o que a ira desejar.
Levai-me por entre os povos mais distantes, levai-me por entre as ondas,
para que mulher alguma possa conhecer meu caminho.
Quanto a vós, a quem um Deus de ouvido benevolente se mostrou propício,
permanecei aqui, e que estejais sempre juntos, na segurança do amor.
Vênus me atormenta nas noites amargas
e o Amor desocupado não me abandona em momento algum.
Por isso aconselho-vos: evitai este mal. Que cada um permaneça
junto ao objeto de seu cuidado e não mude o lugar do amor usual.
Se alguém fizer ouvidos moucos aos meus conselhos,
ai dele! com que dor relembrará as palavras que eu disse.

Tradução: Zélia de Almeida Cardoso

¹ Sextus Aurelius Propertius
* Umbria, Itália – 43 a.C.
+ Umbria, Itália – 17 d.C.

Poeta elegíaco e mitógrafo, representante da antiga escola de Calímaco e o mais característico da poesia elegíaca latina.

Filho de pais ricos, porém órfão paterno quando ainda era menino, recebeu da mãe uma boa educação. Mudou-se para Roma com a mãe (34 a. C.) e sem interesse pela vida administrativa ou a política, escolheu dedicar-se à poesia. Escreveu quatro livros de Elegias. O primeiro deles a ser publicado foi Cíntia, também conhecido como Monobiblos (28 a.C.). Essencialmente uma temática amorosa, teve tamanho sucesso que lhe possibilitou ingressar no círculo de Mecenas, do qual faziam parte Virgílio e Horácio. Esses dois poetas constituíram a principal influência da sua arte. No livro IV, publicação póstuma (16 a. C.), descrevia sobre lendas das fundações das cidades e a instituição dos ritos romanos. Pela riqueza estilística e hábil síntese de motivos estéticos, psicológicos e filosóficos, as elegias do livro quarto, são consideradas o ápice do gênero na poesia romana. Seus versos, muito traduzidos no Renascimento, inspiraram as Römische Elegien (Elegias romanas) de Goethe. Morreu em Roma e, apesar de sua linguagem vaga e obscura, poucos autores romanos são comparados a ele pelo seu poder de imaginação, força e calor erótico.


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