O outro lado
Mariana Ianelli¹
Aqui se fica para sempre,
Tem-se os pés gelados.
Dorme-se à vontade,
As unhas crescem como garras.
Deixa-se um rastro para trás,
Mas a memória não supõe
A estrada percorrida
E o rastro se dissolve.
Não se canta mais, já não se evoca.
A poesia está muda,
Nobremente sepultada no dilúvio
Que purifica e destrói o brasão dos fatos.
A felicidade brota do cansaço,
Desmancha uma aliança íntima,
Desbota cartas, retratos e viagens.
O temporal lava a carne gasta.
Nada se sabe a respeito do passado,
Ninguém se lembra,
Melhor não se lembrar,
Não revolver os despojos.
Abandona-se toda a bagagem.
Nenhum espólio, nenhuma saudade.
Abre-se uma vala estreita
Onde antes se podia pisar.
Acontece, enfim,
Tira-se a máscara.
E os olhos (cerrados) compreendem :
Aqui é leve a eternidade.
¹Mariana Ianelli
* São Paulo, SP – 1979
Jornalista e mestre em Literatura e Crítica Literária.
Obras: Trajetória de antes (1999), Duas Chagas (2001), Passagens (2003), Fazer Silêncio (2005) e Almádena (2007).
Como resenhista, colabora atualmente para os Jornais O Globo – Prosa&Verso (RJ) e Rascunho (PR).
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