Por: Antônio T. Praxedes – Mestre em Direito
O pensamento analítico ocidental define força como tudo aquilo que possa mudar o estado no qual se encontra um objeto. Para isso, foram formuladas duas classificações na Física, que podem ajudar o jurista a compreender o conceito de força. A primeira, é a força de campo: uma força que age à distância, e provoca uma alteração no estado inicial de um corpo. A segunda, é a força de contato: que necessita de dois objetos em contato, para que possa haver a transferência de energia capaz de alterar o status corporis, pelo contato da matéria.
[ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Mas, por que falar de Física, para comentar acerca do Direito? Por dois motivos. Primeiro, porque precisamos recorrer a conceitos externos à nossa disciplina, que devolvam aquilo que estudamos ao mundo natural; o Direito é um fenômeno social, parte do mundo dos fatos, vez que o ser humano não está dissociado da natureza – embora isso contrarie o pensamento positivista. Segundo, porque a mente humana lida bem com metáforas; o processo cognitivo segue, dentre outros fenômenos menos nobres, algumas etapas racionais: do concreto para o abstrato, do abstrato para o abstrato pensado, e do abstrato pensado para o concreto pensado. O ser humano, portanto, ao passo em que é transformado pelo conhecimento, impregna os objetos do mundo com o seu raciocínio, com significados, modificando a sua forma de percepção do real. Assim, por utilizarmos uma linguagem transversal, podemos atingir objetivos mais amplos do que se utilizarmos apenas a habitual.
Dessa forma, podemos assumir que o Direito é um fenômeno do mundo das idéias, que se transfere à realidade por meio da ação humana: atos que são praticados por meio de forças, de razões e, também, de sentimentos ou emoções, do acaso e de contingências sócio-ambientais. Não precisamos dizer que esse fenômenos é registrado documentalmente, dispendendo o trabalho de muitos, quer para sua conservação, quer para sua transformação.
As percepções de mundo e ações humanas são traduzidas em forças de campo e forças de contato, respectivamente: aquelas que dirigem a tomada de decisões, controlando ideologicamente as atitudes, são forças de campo, como a Moral, as religiões, o Direito, a Economia, Psicologia, Matemática e tantas outras normas sociais; essas não precisam do contato: são referenciais teóricos que guiam o agir, instituídas quer através do consenso, quer através da violência. E, por falar em violência, as forças de contato são aquelas atribuições exercidas pela Sociedade, amparadas pelas forças de campo: as instituições estatais e empresariais, os agentes estatais, as pessoas incumbidas da função de punir, prender e controlar, que executam suas funções interagindo com os indivíduos, por meio das relações intersubjetivas que colocam as pessoas em contato e, caso as “leis das forças de campo” sejam descumpridas, praticarão atos para reorganizar a matéria.
Ocorre que, ao contrário das forças de campo naturais, como a gravidade, o ser humano não é capaz de criar as suas “forças de campo” de forma a que atuem de forma perfeita; por não dispor de uma visão holística do Universo, e por estar limitado aos padrões não só de análise mas por questões biológicas que o impedem de ter uma visão do todo, a humanidade produz leis e códigos de conduta baseados na sua percepção que, sedo muito alargada ou reduzida – não importa -, jamais age prevendo todas as possibilidades e certezas.
O mundo natural e o social, o universo circundante, todos os elementos que nos cercam trazem uma infinidade de informações; todas as variantes de uma determinada realidade observada só tornam possível a descoberta de pequenas probabilidades. Mesmo que possamos deduzir um evento imediato a uma determinada ação, já podemos imaginar os infinitos desdobramentos que um simples ato poderá ter no futuro, afetando vários outros atos, em cadeia, até os limites da imponderabilidade – tornando-nos incapazes de prever o futuro.
Essa nova forma de observar o mundo foi-nos trazida pela Física quântica, que colocou em causa todos os conhecimentos adquiridos pela Mecânica e, dizem alguns estudiosos, pondo em causa até a Termodinâmica. Medindo as menores partículas que compõem a matéria, os cientistas descobriram que não é possível medir, ao mesmo tempo, a velocidade e a posição de um elétron, por exemplo; isso significa que, todas as vezes que tentamos descobrir a velocidade de um elétron, alteramos a sua posição, e vice-versa. Da mesma forma, se fizermos um furo numa cartolina, e colocarmos uma fonte luminosa (uma lanterna) por detrás dessa cartolina, com os raios de luz incidindo sobre o furo, observaremos uma projeção desfocada, porque fizemos com que o fóton se comportasse, ao mesmo tempo, como onda e como partícula, alterando tanto a onda quanto a partícula.
Mas, qual a influência dessa imponderabilidade no Direito e em outras áreas do conhecimento humano? Profunda. Devemos tomar consciência de que todas as tomadas de decisão são tão limitadas quanto nossas percepções; mesmo que dispuséssemos de todas as informações, não teríamos como prever eventos que se encontram adiante da nossa capacidade ante o imponderável. As análises simplistas que juristas, economistas e todos os “istas” disponíveis e de plantão fazem sobre a realidade serão sempre limitadas pelo acaso. Foi por isso que desenvolvemos uma ferramenta bastante útil: o diálogo, no qual cada uma das partes envolvidas por um problema pode apresentar o seu ponto de vista desse mesmo problema, aumentando, assim, o leque de possibilidades de solução.
Daí a importância de termos forças de campo que sejam bastante cuidadosas na operacionalização das forças de contato: o mau emprego dos recursos naturais, o mau uso da violência (essa temível e necessária característica bio-antropológica), o mau uso dos recursos econômico-financeiros (…), todos os riscos inerentes às nossas ações devem ser exaustiva e finamente calculados porque, mesmo que ainda nos arvoremos como únicos intérpretes do mundo natural, temos que nos lembrar não só das análises limitadas que fazemos, mas, também, temos que levar em conta o imponderável, o imprevisível. Nesse contexto, nós elegemos o Direito como uma força de campo no controle e prevenção de riscos: embora não seja uma ferramenta útil para repará-los ou remediá-los, impõe limites e previne-os, diante das experiências passadas.
Por falar em imprevisível, olhemos para o ser humano e a infinidade de condições na qual se encontra. Uma análise objetiva do sujeito poderá ser útil a alguns interesses imediatos, localizáveis no tempo presente, como o de ter acesso às riquezas naturais e sociais, como os minérios e o dinheiro. Mas essa análise objetiva do sujeito é, além de egoísta, quer dizer, além de desconsiderar a alteridade, aliena o observador ou a observadora, tornando-o insensível quanto a posição do outro que, porventura, esteja submetido à dificuldade ou à opressão, ou seja, em condição objetiva diferente em relação àquele que analisa. Uma análise subjetiva do sujeito também apresenta riscos: pode induzir à massificação e à perda de identidades, diante de um súbito desejo que brota no observador ou na observadora, da padronização, generalização e igualitarização, por meio de um desejo de que os fenômenos e pessoas sejam vistas à sua maneira.
Isso nos indica que o Direito, como uma força de campo, é um instrumento à nossa disposição para substituir a violência, como força de contato. Mas, como todo instrumento, não é bom, nem mau, e muito menos, um bem ou mal (do ponto de vista moral). Embora seja um bem ontológico, no sentido patrimonial, pois fruto da cultura, alerta-nos para o fato de que existe a violência, e que ela poderá ser utilizada, como último recurso.
Por isso, por ser um objeto do mundo cultural, o Direito é útil ou inútil. Ele também pode ser o fruto de uma violência anterior, que moldou um organismo social, fazendo-o aceitá-lo, e que pôs fim a um outro regime anterior. Mas, devemos nos lembrar que as sociedades humanas sempre tiveram modelos de normas de conduta, e que são elas que nos orientam à compreensão da realidade circundante. Por meio de erros e acertos, construímos e registramos a História, deixando de contar esse ou aquele detalhe que, na altura do registro, parecia irrelevante – por isso, não temos uma única e verdadeira compreensão do real, pois houveram várias narrativas silenciadas nesse processo.
Para mudar tudo isso, seria necessário reinventar tudo: do ser à coisa, atribuindo novas interpretações a tudo, por meio de análises, sínteses, lógicas e dialéticas reinventadas.
Portanto, se quisermos admitir que o Direito é uma força – diante da precariedade e das limitações das linguagens -, temos que perceber que é uma força bem distinta da violência. A sua composição, como tudo, depende da cognição humana. E essa cognição é o nosso autêntico problema. Que mundo? Que Direito? Quo vadis?