Devolucionista
Daniel Bristol
Dantes eu era um oceano cheio de vida. Podia dar conta
de tudo, pois era com isso que se contava. Alargava-me
por milhas e costumava abarcar toda a terra. Costumava ser tudo
para toda a gente; terás só de acreditar na minha palavra.
Costumava ser um grande lago. Costumava ser o maior de todos.
Era o ventre de onde nascia a lua logo que o sol se punha.
Estava sempre a brilhar, chovesse ou fizesse sol, fosse dia ou noite.
Fui o lugar aonde trouxeste a tua namorada para a pedir em casamento.
Costumavas meditar sobre os teus dias à beira das minhas águas.
Depois transformei-me num pequeno lago perfeito para velejar. Os melhores
amigos passavam muito tempo a pescar e a rir até que o dia
terminava. Eu costumava ser o local de onde assistias ao fogo
de artifício do 4 de Julho. E gelei em Dezembro quando fiquei a saber que
o teu melhor amigo tinha morrido. Costumava até abraçar o chão
onde jaz agora o cão da tua família.
E depois fui um rio, correndo rapidamente, saltando o tempo. Costumava
transformar rochas aguçadas em pedras perfeitas para lançar sobre a água.
Costumava respirar de um modo constante. Costumava seguir o meu próprio
ritmo. Tu costumavas chegar-te a mim apenas para lavares os pés sujos.
Juntos observávamos as estrelas; costumávamos verter a mesma quantidade
de lágrimas. Vi-te florir e crescer; juntos partilhámos os melhores anos.
Mas agora sou um afluente debaixo de uma ponte desconhecida, algures. O tempo
encolheu-me, e aqui estou na minha solidão. Alguns dias são
melhores do que outros; a minha água flui e depois seca. Ter-me-ia
ajudado ter alguma companhia, ter junto de mim a minha amiga.
Mas na verdade não sei quando voltarei a vê-la.
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