Camilo Pessanha – Versos na tarde

Paisagem de Inverno
Camilo Pessanha ¹

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! o sol! Volvei, noites de paz.
Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ó meus olhos, cismai
Extintas primaveras evocai-as:
_ Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias._
Sossegai, esfriai, olhos febris.
_ E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…

Passou o outono já, já torna o frio…
_ Outono de seu riso magoado.
llgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…
_ O sol, e as águas límpidas do rio.
Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?
Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando…
Onde ides a correr, melancolias?
_ E, refratadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias…

Camilo Pessanha, in ‘Clepsidra’

¹ Camilo Almeida Pessanha
* Coimbra, Portugal – 7 de Setembro de 1867 d.C
+ Macau, China – 1 de Março de 1926 d.C


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