O potencial revolucionário da cidadania digital

A forma como interagimos com nossos governos está mudando de forma extremamente rápida, graças às possibilidades abertas pelas novas tecnologias. A cada dia aparecem mais aplicativos e plataformas que oferecem novos canais de acesso a informação e de debate sobre políticas públicas.

Marisa von Bülow
Marisa von Bülow ¹
Doutora em ciência política e professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. 
Estuda as relações entre Internet e ativismo político e movimentos sociais nas Américas.

Entre esses canais (muitos dos quais já foram objeto de discussão nesta coluna), estão aqueles que dão a oportunidade de votar em propostas de políticas públicas e em projetos de lei. Por exemplo, o aplicativo DemocraciaOS criou uma maneira fácil de votar e de comparar os resultados das votações online, feitas pelos internautas, com os resultados das votações realizadas pelos nossos representantes.

Inspirados na experiência do DemocraciaOS, a página Euvoto.org transformou-se em um canal para que moradores de São Paulo registrem virtualmente sua opinião sobre alguns projetos em tramitação na Câmara Municipal. Os próprios vereadores apresentam um curto vídeo com a justificativa do projeto de sua autoria, que então é submetido a uma votação dos internautas.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]

Há duas semanas, o governo federal lançou uma nova plataforma, a “Dialoga Brasil”, na qual os internautas são convidados a apresentar propostas para melhorar o funcionamento de alguns programas em áreas tão diversas como saúde, segurança pública, educação e redução da pobreza. Nessa mesma plataforma também é possível votar em propostas feitas por outros usuários, criando assim uma espécie de banco de propostas de políticas públicas.

A facilidade para participar é a marca dessas iniciativas. Basta preencher um cadastro e, em poucos cliques, acessar a informação e votar. Por exemplo, uma das propostas mais bem votadas na plataforma Dialoga Brasil é a que sugere que dados de programas federais como o Bolsa Família sejam disponibilizados. É o acesso à participação gerando mais demanda de transparência.

Todas essas iniciativas são muito positivas, especialmente se vistas como complemento de um conjunto amplo de possibilidades de participação que incluem fóruns presenciais como Conselhos de políticas públicas e Conferências de políticas públicas.

No entanto, a realização plena do potencial da cidadania digital esbarra em alguns obstáculos importantes.

Em primeiro lugar, o mais óbvio: o problema do acesso ao mundo digital, tema já tratado anteriormente nesta coluna. Metade das residências brasileiras ainda não tem acesso à Internet. Isso significa que existe o risco dessas plataformas digitais reproduzirem a assimetria que já existe offline, ou seja, que continuem participando os que na verdade já participam. Ou que participem tão poucos que, na prática, tornam-se canais inócuos.

Mas outros obstáculos também existem e talvez possam ser mais facilmente contornáveis. Por exemplo, as plataformas de votação em geral são muito limitadas em termos do que os internautas podem propor. São dadas a eles opções previamente definidas. Seria interessante, por exemplo, que a plataforma Dialoga Brasil abrisse espaço para a sugestão de outros programas e políticas públicas, indo além dos que são listados pelos administradores do site. Assim, os internautas teriam maior poder para colocar temas na agenda.

Outra sugestão é incluir um espaço de apresentação de opiniões e comentários. Por exemplo, que a autora das propostas possa apresentar uma breve justificativa. Isso permitiria que os demais participantes tomassem uma decisão favorável ou contrária de forma mais consciente. Em resumo, a ideia é incluir maneiras de dar maior poder aos usuários das plataformas na decisão sobre o que é discutido e como a discussão é feita.

Mas talvez o obstáculo mais importante para que se alcance o potencial dessas plataformas tenha a ver com o que acontece após a participação. Esses canais criam a expectativa de que o diálogo político está sendo ampliado, de que os cidadãos passam a ter um poder que não tinham antes. No entanto, não há nenhuma garantia de que a participação terá qualquer tipo de impacto, e o entusiasmo inicial pode rapidamente transformar-se em frustração e em apatia.

Para diminuir esse risco, os administradores de plataformas de votação devem ser muito explícitos quanto ao que é possível esperar da participação. No caso de canais oficiais (como o Dialoga Brasil), talvez fosse possível adicionar alguns compromissos que sirvam de incentivo para a participação. Por exemplo, que as propostas mais votadas terão uma resposta por escrito dos gestores da área.

O Partido de la Red, criado na Argentina em 2012, tem feito campanha prometendo que os representantes que eventualmente sejam eleitos seguirão o que for decidido nas votações virtuais, por meio do DemocraciaOS. Outras iniciativas similares estão sendo implementadas em vários lugares do mundo. Mas para que estas realmente representem uma transição para um tipo diferente de representação é preciso que todos os cidadãos tenham acesso (de qualidade) à Internet.

Enquanto isso não acontecer, ainda estaremos longe de aproveitar o potencial revolucionário da cidadania digital.
¹ Marisa von Bülow escreve às quartas-feiras no blog do Noblat

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