O jornalismo enfrenta mais um desafio na era digital: como assegurar a sustentabilidade de iniciativas jornalísticas em ambiente informativo onde o modelo convencional de publicidade e patrocínios já não funciona mais como antes?
Durante décadas, talvez até mais de um século, os jornalistas viveram em perfeita harmonia com o que poderíamos chamar de cultura trabalhista.
Assumimos que o exercício da profissão exigia alguém que pagasse um salário e que nossa maior preocupação era apenas a qualidade e o prazo de entrega de reportagens, artigos ou entrevistas.
A cultura gerada pela relação trabalhista começa agora a enfrentar alguns percalços na vida de quem se dedica à comunicação social porque ganha corpo o que alguns especialistas chamam de nova economia politica da informação, um conceito ainda vago mas que procura explorar as relações entre a informação, economia e política num contexto digital. Parece coisa de acadêmicos ultraespecializados, mas as implicações desta nova economia política da informação já começam a mexer com o dia a dia da produção jornalística.
A primeira e mais brutal constatação é a de que as fontes tradicionais de financiamento do jornalismo estão virando fumaça de forma cada vez mais rápida e clara. As grandes conglomerados jornalísticos tentam lidar com o problema adiando soluções drásticas, mas as pequenas e médias empresas, e principalmente os profissionais independentes, as chamadasstartups e os projetos sem fins lucrativos são os que enfrentam os desafios mais graves e imediatos.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Os anunciantes tradicionais e financiadores de projetos jornalísticos entraram em hibernação. Suas receitas caíram, na maioria dos casos, e eles se mostram inseguros em investir na publicidade ou iniciativas de comunicação no terreno digital porque não têm certeza do retorno da aplicação. A penúria é generalizada e angustiante até porque é todo um modelo que está em xeque. As dúvidas dos anunciantes e financiadores de projetos geraram incertezas ainda maiores entre profissionais autônomos como, por exemplo, os responsáveis por blogs jornalísticas e projetos de jornalismo local ou hiperlocal.
O desafio da sobrevivência ocorre justamente no momento em que as pessoas mais necessitam de insumos noticiosos capazes de ajudá-las a sobreviver num ambiente de caos informativo provocado por uma avalancha de opiniões, percepções, dados e informações na internet. Estamos a ponto de nos afogar num mar de notícias contraditórias caso haja uma queda significativa na produção de informações diversificadas, pertinentes, atuais, confiáveis e exatas.
O aumento da dependência de recomendações sobre onde encontrar dados e informações que nos permitam tomar decisões, de acordo com nossas necessidades e desejos, faz com que a sobrevivência da maioria dos veículos de comunicação passe a ser também um dilema do público, o que o torna parte integrante da busca de soluções. Quase todas as alternativas que estão sendo testadas em várias partes do mundo e nos mais diferentes contextos têm em comum o foco na transformação do leitor, ouvinte, telespectador ou internauta num protagonista proativo no processo de captação, edição e disseminação de dados e informações.
O público passa a ser a peça-chave da nova economia política da informação na era digital porque o jornalismo já não tem mais condições de processar sozinho toda a massa de notícias que circulam diariamente pelas redes sociais, páginas web e correio eletrônico, em equipamentos tanto fixos como móveis. A chamada economia do compartilhamento que já está causando estragos em segmentos como a indústria dos táxis contaminará inevitavelmente as relações econômicas na imprensa. São novas rotinas, comportamentos e valores surgindo num ambiente onde as regras e modelos analógicos já não conseguem mais produzir os mesmos resultados de antes.
A relação trabalhista na mídia está sendo substituída pelo compartilhamento de recursos e pela colaboração informativa. O problema é que esta mudança passa por um conflito entre a sedução das novas perspectivas e a dura realidade da economia monetária; entre o fascínio de um futuro jornalismo compartilhado e a falta presente de recursos para remunerar profissionais e financiar equipamentos e serviços.
É neste ponto que o público passa a ser uma peça essencial na sustentabilidade dos novos projetos jornalísticos em ambiente digital. É um campo ainda pouco explorado onde as dúvidas são maiores que as certezas, mas que parte de uma constatação: o exercício do jornalismo está se transformando numa atividade de mão dupla, tanto na produção e distribuição de conteúdos como no financiamento do processo. A nova economia política da informação inclui o público como parceiro obrigatório.
Softwares como os produção colaborativa de conteúdos jornalísticos (crowdsourcing) são alternativas de participação do público na produção de notícias e reportagens, mas o mesmo ainda não acontece na questão do financiamento. Além da escassez de programas existe também a ausência de uma cultura de participação financeira do público no orçamento de projetos jornalísticos online. É uma questão complexa porque na internet a fronteira entre a gratuidade e o pagamento por notícias ainda é muito difusa.
Cabe agora a nós, profissionais, mostrar ao público que ele é parte indispensável na sobrevivência de iniciativas jornalísticas. O jornalismo acumulou ao longo dos anos uma grande experiência sobre como produzir conteúdos capazes de conquistar a confiança do público.
O novo desafio colocado diante dos profissionais é como conquistar também a confiança para uma relação de mão dupla, em que os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas deixam de ser apenas pagantes para ser financiadores. É uma responsabilidade adicional, na qual os jornalistas passam a incorporar a questão da sustentabilidade como uma das condições para o exercício da profissão fora do ambiente corporativo e industrial.
Por Carlos Castilho/Observatório da Imprensa