Jonah Peretti: “No Facebook, as pessoas te leem no meio das piadas”

Fundador do BuzzFeed, aposta nos conteúdos de vídeos e nos ‘apps’

Jonah Peretti, diretor-executivo, do Buzzfeed, em L'Hospitalet de Llobregat.

Em 2011, ele deixou o The Huffington Post, que havia ajudado a criar, quando a AOL o comprou por 315 milhões de dólares (1,25 bilhão de reais), mas logo criou o BuzzFeed, que cresceu até se tornar o maior portal de conteúdos virais do mundo.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]

Jonah Peretti (Nova York, 1974) visitou o Mobile World Congress de Barcelona para apresentar o novo app de seu portal, falar da pujança do vídeo e fazer ressalvas à crescente percepção de que os jovens estão abandonando o Facebook e o Twitter.

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Pergunta. Neste Mobile tem se falado muito de realidade virtual, mas a única realidade que no momento parece estar se consolidando é a do vídeo na Internet. Concorda?

Resposta. Sim. Isso me surpreende muito porque o que sempre me interessou é o conteúdo das redes sociais, saber como fazer com que as pessoas compartilhem com seus amigos um conteúdo que tenha um impacto significativo na vida de alguém. E o vídeo sempre foi uma coisa difícil de compartilhar porque era lento. O que se passou é que os celulares já são muito rápidos para mostrá-los e o vídeo se tornou um elemento-chave para a experiência nas redes sociais.

P. Então, o único motivo para não terem triunfado até agora era somente técnico?

R. Sim, a demora para baixar. A internet para celular nunca foi grande coisa na visualização de vídeos. O que se passou é que cada vez mais o consumo de informação foi sendo deslocado para os apps, que facilitam a visualização do conteúdo de vídeos. Uma vez que o problema técnico foi solucionado, as pessoas começaram a criar conteúdos.

P. O BuzzFeed é especialista em conteúdo viral. Você enxerga uma data de validade para os eternos vídeos de gatinhos?

R. Houve uma época em que os animais fofos se conectavam facilmente com os sentimentos das pessoas, você os compartilhava e te diziam “ohhhh, que lindo”. Era suficiente uma imagem simples, de resolução muito baixa…, mas agora vemos que, embora as pessoas continuem se encantando com os animais e até assinem ‘newsletters’ especializadas, os gostos se ampliaram e as pessoas querem ver notícias e entretenimento.

P. Você tem a impressão de que nos tornamos mais seletivos com o tipo de vídeo que consumimos?

R. Bom, eu diria que sim. Por exemplo, os vídeos de receitas de comida estão crescendo porque são práticos. Estamos gravando de modo profissional vídeos virais em nossos estúdios de Los Angeles porque as pessoas não querem simplesmente um conteúdo que pareça levado da televisão para os celulares, mas que o que contemos seja mais curto, mais fácil de compartilhar e esteja vinculado com sua intimidade.

Embora as pessoas continuem se encantando com os animais e até assinem ‘newsletters’ especializadas, os gostos se ampliaram, e as pessoas querem ver notícias e entretenimento”

P. Acha que os conteúdos vinculados com a intimidade são importantes numa época de exposição pública nas redes sociais?

R. Sim, o celular é um dispositivo muito pessoal. E as redes sociais giram em torno da identidade, de quem você é. Quando você pensa em divulgar na televisão ou na mídia impressa, é diferente: você tem em mente algo que será destinado a uma infinidade de pessoas.

P. O criador e líder do Facebook, Mark Zuckerberg, demonstrou ser um grande entusiasta da realidade virtual ao longo deste MWC. Considera ser essa uma aposta segura?

R. Já experimentamos produzir material na realidade virtual [algumas reportagens sobre os incêndios da Califórnia] e usando drones. É algo muito interessante, mas está em um estágio no qual a tecnologia, embora tenha interesse, não desfruta ainda de uma boa distribuição. Por isso, para os criadores de conteúdo ainda não é uma boa plataforma. Falávamos antes dos vídeos, que há um par de anos eram algo promissor, e aí estão o Facebook e outras redes acolhendo-os. Mas isso ainda não era algo factível para os criadores de conteúdo. Comprovamos que enquanto uma tecnologia não funciona bem e se expande de verdade, não interessa realmente aos criadores de conteúdo.

P. E neste caso, considera que haverá uma explosão ou será um fenômeno gradual?

R. É algo genial, e claro que as pessoas dizem “uau, isto é algo diferente e muito legal”, mas, bem, as pessoas também diziam o mesmo do Segway [andador elétrico que é comumente usado por seguranças privados no Brasil], e veja só. Enfim, parece que a [a realidade virtual] é algo maior do que se esperava. O caso do Segway dá o que pensar, de todo modo: era uma tecnologia genial, mas as pessoas se sentiam ridículas usando-a. A questão era: como você consegue criar um dispositivo de realidade virtual que as pessoas se sintam orgulhosas de usar?

P. Falávamos de formatos muito populares. Qual sua opinião sobre os listicles, os artigos que incluem uma lista de recomendações, esses títulos do tipo “10 lugares do mundo que você não pode perder”? Ainda têm caminho pela frente?

R. As listas são um fenômeno muito duradouro na mídia: você tem aí Os Dez Mandamentos (ri). A Bíblia está cheia de listas, está em nossa cultura. Recordemos a imprensa feminina e suas reportagens do tipo “ cinco conselhos para…”, muito tempo antes que a internet existisse. Acho que a lista é um meio útil de escanear informação, mas é preciso engendrá-las para renovar o formato e não cair na preguiça. Com os questionários e os testes acontece algo parecido.

P. Mas não acredita que estejam em decadência?

R. Não são tão potentes como foram em certa época, quando toda uma geração as descobria ao mesmo tempo que a Internet. É curioso porque em seguida o mesmo se passou com a primeira geração que usou pela primeira vez o Facebook. Mas é preciso que seja uma boa lista e um bom questionário porque se você faz qualquer coisa que alguém pensa que já viu antes, ufff… A novidade do formato faz com que o conteúdo importe menos.

P. Houve alguma forma de título que o tenha surpreendido de verdade, por não ter sido prevista?

Veremos como aumentará o sofrimento de algumas mídias à medida que essa mudança se firmar, mas também veremos como algumas veneráveis empresas da informação se mantêm”

R. Eu fico continuamente surpreso. Há muitos exemplos. Em nosso caso, fomos bastante surpreendidos pelo formato do Tasty (receitas de cozinha). Não esperávamos que crescessem tanto.

P. Mas não deixa de ser algo que já existia no YouTube. O que se passou para que tivessem sucesso, se não são novidade?

R. O que acontece é que no YouTube eram consumidos como vídeos soltos, e eram longos. A ideia foi encurtá-los, dar-lhes mais carga informativa e fazer com que não parecessem ter sido gravados por qualquer um em sua casa (antes quem fazia era esse seu amigo bom na cozinha). E também sem áudio.

P. O áudio é uma desvantagem para os novos vídeos?

R. Acho que o áudio não é sempre necessário. Nós não o incluímos normalmente.

P. Concorda que o Facebook e o Twitter sofrem uma crise de envelhecimento? Os jovens os estão abandonando?

R. Não estou de acordo com a ideia de que os jovens abandonam determinadas redes. O que eu acho é que há redes que são legais e outras que, embora não sejam, continuam, de todo modo, sendo usadas. Quando vou a uma escola e pergunto em uma sala de aula quem usa Facebook, todas as mãos se levantam. Se pergunto quem usa Snapchat ou Instagram, igual. Se pergunto quem usa Twitter, bem, aí só a metade levanta as mãos. Eram só 400 estudantes. Pondere o que isso representa, mas o caso é que os jovens usam todas as redes sociais, assim como empregam muitas maneiras diferentes para ver televisão. Quando você pergunta a um garoto qual é sua rede social favorita, provavelmente ele te dará os nomes do Instagram e Snapchat, mas isso não significa que não use o Facebook. Usa, mas como uma segunda opção, como algo que “está aí”.

P. O BuzzFeed não se preocupa muito com a origem de seu tráfego, mas você tem a sensação de que há redes sociais que, quando se posta um link, levam mais tráfego à página que dirige do que outras?

R. Bem, acho que se o Facebook consegue mais visitas é porque é maior. O Twitter tem usuários muito obsessivos com temas específicos como tecnologia ou em seguir a vida de uma celebridade. O Twitter é uma plataforma que gera fidelidade em seus usuários, mas no que se refere a tráfego bruto, não, nunca vai ser capaz de atrair muito.

P. Qual sua opinião sobre o Instant Articles, os artigos de jornais e outras mídias que aparecem incrustados diretamente, como conteúdo próprio, do Facebook?

R. Boa pergunta. De fato, nós no BuzzFeed os fazemos e colocamos nesse formato tantos artigos quanto podemos. Há uma tendência geral que consiste em que os conteúdos sejam vistos dentro de apps nativos. A experiência da página da Internet no celular não vai bem, e o formato dos anúncios não funciona de todo, até mesmo obstrui a própria publicidade. A melhoria do formato do site para celulares pode facilitar isso, mas acho que o conteúdo nativo é a grande tendência.

P. Por isso vocês apresentam um novo app?

Há pessoas que continuam vivendo uma ilusão que consiste em pensar que são lidas na capa de sua mídia”

R. Começamos com um site, mas não tínhamos muito vídeo nele ou no aplicativo. E ao mesmo tempo o fenômeno do vídeo estava tendo um sucesso enorme no Facebook, Snapchat, YouTube…A princípio esperávamos que a maioria de nossos leitores o visse em sites que não nos pertenciam, como esses, mas logo nos demos conta de que um app próprio fazia sentido.

P. Como se ganha dinheiro com algo que se dá grátis?

R. Há muitas maneiras. Uma delas é com o conteúdo patrocinado, que também é compartilhado. Outra consiste no acesso à compra de produtos mencionados no artigo. E uma terceira é vender os conteúdos a outras plataformas. No nosso caso, essas três fórmulas funcionam.

Jornalismo e entretenimento

P. Acha que as mídias que só informam têm futuro ou precisam incorporar entretenimento, como o BuzzFeed faz?

R. Isso depende de cada caso em particular. O maior desafio é enfrentado pelas pequenas publicações impressas: é o de criar websites e tirar lucro. Mas nos Estados Unidos vê-se que alguns meios têm marca suficiente para que as pessoas queiram continuar assinando-os. Veremos como aumentará a dificuldade de algumas mídias à medida que essa mudança se consolidar, mas também veremos como algumas empresas veneráveis da informação se mantêm. O modelo do BuzzFeed não é aplicável a todos. Muita gente de 50 e 60 anos não nos entende.

P. Os mais jovens são menos leais a uma mídia específica? Isso não prejudicará no longo prazo a força que você atribui às marcas?

R. Se forem oferecidos bons conteúdos, mantém-se a lealdade do leitor ano após ano.

P. Não teme que parte de seus leitores considerem o BuzzFeed é um saco de gatos que mescla informação com entretenimento? Necessitamos criar uma visão crítica que distinga um do outro?

R. Vamos ver desta maneira: embora você seja uma mídia séria e só publique temas sérios, o lugar onde você é lido é na timeline do Facebook ou do Twitter das pessoas, no meio das piadas e histórias divertidas. Isso é o que acontece, embora haja também pessoas que continuem vivendo uma ilusão que consiste em pensar que são lidas na capa de sua mídia. Isso é como estar em uma cafeteria: você está lendo as notícias, possivelmente embarca em uma conversa sobre filosofia, mas também pode interromper isso para paquerar, e essa mescla é mais divertida do que você ir sozinho a uma biblioteca ler livros sérios

P. Pode citar quem é o principal concorrente do BuzzFeed?

R. É que temos tantos! Às vezes, The Washington Post compete conosco porque conseguiu uma exclusiva impressionante ou porque contratou um repórter fantástico. Outras vezes o concorrente é um canal do YouTube ou um vídeo de uma receita de cozinha colocado no Facebook. Ou uma TV que lança um conteúdo que faz com que um de nossos anunciantes queira ir para ela. No momento não temos uma nêmesis clara.
El País/JOSÉ MANUEL ABAD LIÑÁN

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