Hacker mesmo é outra coisa

Mal entrou no cenário mundial, ganhando manchetes e derrubando sites, e a turma do LulzSec já está pedindo o chapéu.

Nada como as primeiras prisões para enquadrar os meninos.

Eles por certo chamaram a atenção para a fragilidade de um bom conjunto de sites corporativos. Mas, no fim, sobra pouco de suas ações. Coisa de meninos, mesmo, que querem aparecer.

Se por vezes parece estar ali algum lustre político, é só ilusão. Hacker de verdade é muito diferente.

Ainda são muitos os programadores de boa cepa que se ressentem do uso que nós jornalistas fazemos da palavra “hacker”.

Na origem, o hacker não é bom ou mau. Ele é só excepcional, hábil como poucos na lida com o digital.

Os primeiros hackers eram acadêmicos, cientistas da computação. Não é só a habilidade que os distinguia. Seguiam também um credo que nasceu do método científico e da contracultura.

A informação quer ser livre. Deve ser livre. Dividiam informação. Trocavam macetes. E, com uma certa arrogância, invadiam os computadores onde a informação que buscavam estava protegida.

Consideravam que ninguém tinha o direito de proteger informação útil à comunidade de programadores. Mais que busca por fama ou fortuna, curiosidade os movia.

Aqueles que, ainda hoje, se identificam com aqueles hackers míticos dos anos 1970 e 80, preferem chamar a trupe do LulzSec de crackers. É um ideal romântico, mas a língua não lhes pertence e o termo já caiu no uso geral.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]

Hacker é o sujeito muito hábil com computadores mas é, também, aquele que derruba ou invade sistemas – por diversão, crime ou ideologia política. Por seus feitos, o LulzSec não se destaca em nenhum dos grupos.

Em 1981, o grupo alemão Chaos Computer Club (CCC) invadiu o sistema eletrônico de um banco e fez uma transferência eletrônica de 134.000 marcos para sua conta bancária sem que ninguém percebesse.

No dia seguinte, convocou a imprensa, devolveu o dinheiro publicamente e relatou como tudo foi feito.

É assim que os profissionais apontam falhas de segurança e ainda se divertem.

Em janeiro de 1987, um grupo hacker derrubou metade do sistema telefônico dos EUA.

Apenas um ano depois, o jovem Robert Morris, aluno da Universidade de Cornell, escreveu um vírus que tornou a internet tão lenta que o sistema ficou inviável por mais de uma semana.

Levou a internet nascente ao chão. (Morris fez tudo sem querer, mas certamente que o seu foi um ataque memorável.)

Na história dos hackers há perseguições como as de cinema.

De um lado, Kevin Mitnick. Para ele, a um tempo pareceu, não havia sistema que não fosse capaz de invadir.

Do outro, Tsutomu Shimomura, o filho de um Prêmio Nobel que rastreou o celular de Mitnick para ajudar o FBI a prendê-lo.

O grupo texano Cult of the Dead Cow é símbolo dos hackers políticos. Puxados por seu porta-voz, Oxblood Ruffin, passaram as últimas duas décadas promovendo o acesso à internet em ditaduras.

Nessa toada, escreveram muitos programas para que dissidentes políticos pudessem trocar informação sem o risco de serem localizados ou para que gente comum quebrasse as barreiras para entrar na rede sem restrições.

Não são o único exemplo. Em 2008, os senhores do CCC acessaram os bancos de dados do governo alemão, de lá tiraram as impressões digitais de um ministro e as distribuíram impressas em filmes que qualquer um poderia usar para burlar leitores eletrônicos de digitais.

Era um protesto contra o que consideravam quebra de privacidade no uso de dados biométricos nos novos passaportes. Os bons hackers políticos têm causas específicas e usam seus talentos – legal ou ilegalmente – para intervir no processo político.

No ano passado, hackers espiões de algum governo escreveram um vírus que levou ao chão os computadores da usina nuclear de Bushehr, no Irã. Talvez Israel, talvez EUA.

Ninguém sabe ao certo, mas este é talvez o vírus mais sofisticado e de uso mais específico jamais escrito. Há grandes hackers e há o resto, os aprendizes. O LulzSec, que agora se aposenta, não dá para o gasto.

Pedro Doria/O Globo

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