UE vem se concentrando no controle de suas fronteiras, sem se preparar para receber mais refugiados. Chegada de milhares de migrantes planta semente da discórdia no bloco europeu, afirma o jornalista da DW Bernd Riegert.
A Europa é uma fortaleza, e nos pontos em que os muros ainda apresentam brechas, os países da União Europeia (UE) tratam de vedá-las, com mais ou menos eficácia. A medida é duramente criticada por organizações humanitárias. No entanto, os ministros do Interior da UE argumentam, pelo menos a portas fechadas, que a grande maioria dos cidadãos dos 28 países-membros do bloco é contra um número ainda maior de imigrantes e refugiados no continente.
A quantidade de migrantes que querem atravessar o Mediterrâneo rumo à Lampedusa, na Itália, é cada vez maior, assim como a dos que chagam de trem a Rosenheim, na Baviera, ou a dos que acampam em Calais, no norte da França, esperando para cruzar o Eurotúnel. Diante disso, um dos ministros do Interior da UE, afirmou, em anonimato, que não consegue explicar a seus eleitores por que o bloco europeu não é capaz de impedir a entrada de migrantes ilegais.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Por isso, os ministros da região e a Comissão Europeia se concentram no maior controle das fronteiras, tentando evitar o afluxo ilegal por água, terra e sobretudo pelos aeroportos.
Fortaleza em expansão
A fortaleza da Europa está em expansão há quase 20 anos. Após a abolição dos controles nas fronteiras internas, como consequência lógica, a maioria os Estados da UE foi, aos poucos, fortalecendo as fronteiras externas. Em muitos casos, isso é feito com cercas de verdade, como na Espanha, Grécia, Bulgária e, recentemente, na Hungria.
Mas a fiscalização acontece principalmente através de um sistema comunitário de vigilância eletrônica das fronteiras, controle de entrada e saída, identificação de todos os viajantes com vistos e procedimentos de identificação de todos os requerentes de asilo. A UE abriu, nos últimos dez anos, dois novos órgãos com tal finalidade – a agência de fronteiras Frontex, em Varsóvia, e o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), em Malta.
Informações sobre pessoas que entram e saem da Europa são armazenadas em grandes bancos de dados. Impressões digitais e dados biométricos de portadores de visto e requerentes de asilo são alinhados com bancos de dados de criminosos e suspeitos de terrorismo. Assim, pedidos de asilo recorrentes e passaportes ou vistos falsos são mais facilmente identificados. Guardas de fronteira recebem treinamento, câmeras térmicas e acesso a satélites de reconhecimento. Tudo isso faz parte da desejada concepção da fortaleza.
Inquietação dentro das muralhas
Mas o sistema europeu não é totalmente funcional. Alguns países acabam prejudicando o modelo. Grécia, Itália e Hungria, por exemplo, não estão dispostas ou não são capazes de regularizar a situação dos migrantes ilegais ou de registrar de forma correta requerentes de asilo. Ao invés disso, os migrantes viajam do sul do continente para Alemanha, França, Reino Unido e Suécia, o que causa inquietação na fortaleza.
A reação ao fenômeno é clara. Muitos dos países que recebem a maioria dos migrantes querem mudar as regras. Ao invés de obrigar os “países de chegada” a acolherem os migrantes, um sistema de cota ou de distribuição foi criado para que todos os 28 países da UE recebam uma parte equitativa dos que buscam refúgio por motivos econômicos ou guerras.
O sistema existente, a chamada Convenção de Dublin, foi concebida há 25 anos, para transferir a segurança da fortaleza europeia às fronteiras externas do continente. A convenção também se baseia no conceito de “país terceiro seguro”, dos quais a Europa não tem obrigação de acolher refugiados.
Controle externo
O número de migrantes no Mediterrâneo é tão grande que o sistema corre o risco de entrar em colapso. Pesquisadores e o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) alertam que cercas ou muros nas fronteiras não vão reduzir os fluxos migratórios, mas provocar um desvio de rota.
A Frontex prevê um aumento do número de pessoas chegando à Europa nos próximos anos. Os motivos para as fugas devem continuar existindo por algum tempo, como a guerra civil na Síria, a ditadura na Eritreia, a pobreza em várias regiões da África e a falta de perspectiva no Kosovo.
Os ministros do Interior da UE sempre ignoraram tais prognósticos, se concentrando na expansão da fortaleza, sem se preparar para receber cada vez mais pessoas.
Pequenas fortalezas e controles internos
A discórdia entre os países deve aumentar. À medida que a pressão aumenta, a migração ganha tons cada vez mais hostis em países como Dinamarca, Reino Unido, França e Hungria. Os recentes ataques a alojamentos de refugiados na Alemanha chocam, mas não são nenhuma surpresa nesse contexto.
A fortaleza ameaçada poderia ter como efeito conflitos entre os países em seu interior. Já há sinais de que isso pode acontecer. A Dinamarca tentou por anos intensificar o controle da fronteira com a Alemanha. O Reino Unido acusa a França de não proteger o suficiente o acesso ao Eurotúnel em Calais. A Itália declarou publicamente que os países do leste da UE têm pouca solidariedade por receberem relativamente poucos migrantes.
Se a pressão aumentar ainda mais, pode acontecer de os países pensarem em restabelecer a soberania nas fronteiras e quererem criar suas próprias fortalezas. A livre circulação nos países do chamado espaço Schengen poderia estar em risco.
DW