Para passar da barulheira de Mumbai para os escritórios silenciosos da Pangea3, basta colocar o dedo indicador sobre um leitor de impressão digital. Portas de vidro se abrem sobre um “open space” climatizado, com móveis violeta e verde-maçã. Concentrados, jovens funcionários de terno ou tailleur se alinham diante de fileiras de telas planas.
São todos juristas, com salários de ? 300 a ? 500 por mês, o equivalente a três ou quatro horas de atendimento de um colega de profissão nos Estados Unidos. Eles formam o novo batalhão da terceirização na Índia: o dos serviços jurídicos.
Segundo a empresa ValueNotes, com sede na Índia, o setor deverá gerar US$ 640 milhões de faturamento e empregar 24 mil pessoas em 2010. Ao contrário de seus colegas mais velhos da informática, os terceirizadores de serviços jurídicos ganham com a crise. “Entre os processos nascidos com a crise financeira, as falências e os orçamentos diminuídos, chovem contratos”, comemora Sanjay Kamlani, um dos fundadores da Pangea3.
[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]A pioneira do setor é uma empresa americana, a General Electric, que em 2001 empregou um jurista indiano para ajudá-la a redigir seus contratos com seus clientes. Logo no primeiro ano, a empresa economizou US$ 500 mil. A Microsoft segue seus passos para tratar das questões jurídicas ligadas à proteção de suas patentes. Em 2008, a empresa economizou US$ 6,5 milhões ao transferir para Bangalore uma parte de seus juristas.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Hoje, escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos de empresas anglo-saxãs e asiáticas reduzem seus custos em 50% a 80%, terceirizando parte de suas atividades. Muitas vezes, são realizadas somente as tarefas simplificadas: a pesquisa jurídica, que envolve principalmente a revisão de centenas de contratos, indispensável antes de resgatar uma empresa, o direito de propriedade intelectual, a análise de milhares de documentos eletrônicos nos casos de litígios, e finalmente a redação de contratos. A confidencialidade é obrigatória.
Na Pangea3, os projetos mais delicados têm uma sala reservada, sem fotocopiadora ou acesso à internet. Somente os funcionários que trabalham no projeto podem entrar nela, graças a um sistema de reconhecimento de impressões digitais.
Além de seus baixos salários, a Índia fala a mesma língua que seus clientes, e utiliza o mesmo sistema jurídico, o de common law. Avantika, uma funcionária escolhida pelo serviço de comunicação da Pangea3 para ser entrevistada, sonhava em ir aos Estados Unidos antes de encontrar a sorte na Índia:
“É como se eu trabalhasse nos EUA, sem ter de me submeter à degradação de seu mercado de trabalho”. E como se manter informado sobre as novas legislações americanas, estando em Mumbai?
“Com a internet, oras”, responde Avantika. Graças à Westlaw.com, a jurista acaba de realizar uma síntese, Estado por Estado, das regulamentações que envolvem a venda de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos.
Seu trabalho é acompanhado de perto por Shelly Darlimple, que deixou Oklahoma para entrar na equipe da Pangea3, há dois anos. Essa advogada americana diz não se arrepender, apesar de ter um salário um pouco mais baixo:
“Meus colegas que se espantaram ao me ver partir, me ligam para passar trabalho. O futuro dos serviços jurídicos está na Índia”.
Os escritórios indianos tradicionais encontram dificuldade para competir com esses recém-chegados, aficionados por tecnologia, e que prometem rápido crescimento na carreira. “A maioria dos escritórios na Índia pertence a famílias. Não dá para se tornar um associado. Aqui, tenho a impressão de estar em uma empresa nova. O ambiente é mais jovem, e me tornei diretora em alguns anos”, diz Avantika.
Desde sua criação em 2004, a Pangea3 passou de 15 a 300 funcionários.
“Nós selecionamos os melhores indo diretamente aos campi das universidades”, garante Sanjay Kamlani. Mais de 100 mil formados em direito saem a cada ano das universidades. Mas, ao contrário da Europa ou dos EUA, na Índia não existe um exame da ordem dos advogados.
No país, somente 20 mil formados teriam o nível mínimo. Uma formação especializada de um ano acaba de ser lançada pela Indira Gandhi National Open University, um centro de ensinos à distância, em parceria com a empresa RainMaker. Lá, os estudantes aprenderão a gestão de banco de dados, o direito anglo-saxão, mas também os princípios básicos sobre a cultura americana. “Ficamos surpresos de ver que muitos advogados indianos, em meio de carreira, se inscreveram para se lançar nesse nicho”, diz Aju John, chefe do projeto na RainMaker.
As empresas de terceirização de serviços jurídicos não se contentam em trabalhar longe de seus clientes, com escritórios somente na Índia. “As tarefas mais complexas precisam de uma proximidade geográfica. O cliente precisa ver seu advogado para ser orientado, e depois, pouco lhe importa que o trabalho seja feito perto dele ou a milhares de quilômetros”, explica Abhi Shah, o fundador, de 29 anos, da Clutchgroup, considerada a líder do setor pela publicação americana “The Black Book of Outsourcing” (O livro negro da terceirização).
A empresa americana emprega 350 advogados divididos entre a Índia e os Estados Unidos. Duzentos e cinquenta deles foram contratados em cinco cidades americanas por salários abaixo da média, com a promessa de não fazê-los trabalhar mais de 60 horas por semana.
Na Índia, mais de 100 advogados foram recrutados em Bangalore. Por causa desse modelo, a Clutchgroup oferece um serviço de ponta a ponta em tempo recorde, graças ao fuso horário. Advogados autorizados a exercer a advocacia nos Estados Unidos também podem defender os casos de seus clientes americanos.
A Clutchgroup pretende dobrar seu número de funcionários este ano, e abrir um escritório em Londres para conquistar o mercado europeu. Seu presidente faz questão de explicar: “As multinacionais francesas estão em nossa linha de mira”.
Julien Bouissou/Enviado especial a Mumbai
Tradução: Lana Lima
Enviado por Larry Carvalho – Fortaleza