O ex-presidente Fernando Collor, agora senador pelo PTB (AL), esteve ontem com o presidente Lula, um dia depois de protagonizar aquele espetáculo no Senado, quando voltou a encarnar a figura do homem “com aquilo roxo”, olhar viperino, dentes cerrados, respiração ofegante, como quem está prestes a dar um daqueles golpes definitivos do judô — ele é judoca, não? Isto mesmo: Collor de Mello, agora me lembro, havia nos prometido dar a o “ippon” na inflação e só deu Zélia Cardoso de Mello com aquela saia que Bernardo Cabral achava “deliciosa”.,, E outros espetáculos de vulgaridade, arrivismo, maus-bofes e falta de educação.
Collor, o valentão, olhava, prestes a explodir, com olhar ameaçador, um homem de 80 anos. A idade, por si, não dava razão a Pedro Simon — eu mesmo já discordei dele aqui muitas vezes. Velhos também dizem tolices. Mas Collor não tinha argumentos contra o senador gaúcho. Ele só tinha aquela fúria publicitária que o tornou tão notável. E foi recebido pelo presidente da República. Como se vê, não há disfarce na operação.
O que dizer. Acima, postei o vídeo de Animal Farm, primeiro desenho animado inglês, lançado em 1954, dirigido por Joy Batchelor e John Halas, baseado na obra homônima de George Orwell. No Brasil, o livro ganhou o título de A Revolução dos Bichos. Os portugueses já foram mais diretos: A Vitória dos Porcos. Ah, sim: Animal Farm foi uma das obras financiadas pela CIA, por meio de uma entidade chamada Congresso pela Liberdade Cultural. Bons tempos aqueles em que a CIA fazia algo mais do que trapalhadas e em que os EUA estavam preocupados em defender os valores ocidentais, hehe. Hoje em dia… Deixemos isso pra lá agora.
Todos conhecem mais ou menos a história de A Revolução dos Bichos, não? Homens tiranos, bêbados e indolentes maltratam os animais a valer na “Granja do Solar”, o que leva a bicharada à rebelião. Os porcos lideram a revolução e se tornam os, digamos assim, dirigentes da nova ordem. Feita a revolução, sete mandamentos orientam o novo regime:
1 – Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo;
2 – Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asa, é amigo;
3 – Nenhum animal usará roupas;
4 – Nenhuma animal dormirá em cama;
5 – Nenhum animal beberá álcool;
6 – Nenhum animal matará outro animal:
7 – Todos os animais são iguais.
Se, sob o comando dos homens maus, os bichos conheciam a, vá lá, ditadura, sob o comando dos porcos, conheceram a tirania. Evidentemente, era uma das distopias orwellianas (a outra é 1984) sobre o socialismo — ou aquilo em que ele havia se transformado. Vejam o desenho animado, de uma hora e onze minutos. Está inteiro no YouTube. E leiam o livro os que não leram. E sugiro que façam como fiz: usem-no para educar os filhos. Eles precisam aprender a repudiar a ditadura de homens e a tirania de porcos desde muito cedo. Adiante.
Por que me lembrei de Animal Farm? Porque, sei lá, decidi me desviar um tanto desse universo grotesco em que se enlaçam Lula, Collor e Sarney para me fixar na fábula. É preferível, nesse caso, ficar com a metáfora do que com a realidade malcheirosa.
Postei o desenho animado aqui, que tem um fim otimista. Os animais fazem uma segunda revolução e põem fim ao comunismo. Afinal, a CIA houve por bem alimentar a esperança de que o modelo, um dia, chegaria ao fim. No livro, Orwell é bem mais pessimista. Os porcos do poder vão ficando cada vez mais parecidos com os humanos, entendem?
Nas páginas finais, Napoleão, o porco chefe, faz um discurso em que celebra a paz com aqueles que, antes, eram seus inimigos. Neste trecho, ele está fazendo um de seus muitos discursos a uma pequena audiência de homens e porcos.
Também ele — disse — alegrava-se de que o período do desentendimento tivesse chegado ao fim. Por longo tempo houvera rumores — inventados, acreditava, e tinha motivos para isso, por algum inimigo mal-intencionado — de que havia algo de subversivo e mesmo de revolucionário nos pontos de vista seus e de seus companheiros. (…) Seu único desejo, agora como no passado, era viver em paz e gozar das relações normais com seus vizinhos. Aquela granja que ele tinha a honra de governar — acrescentou — era um empreendimento cooperativo.
Alguns bichos espiam da janela aquela convivência entre antigos adversários — mais ou menos o que poderíamos ter feito ontem, espiando Lula e Collor, hoje aliados (mais Sarney), a trocar amabilidades. Vamos às palavras finais de Animal Farm, o livro:
Não havia dúvida agora quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.
É isso aí.