Ronaldo fenômeno e a aposentadoria

Aposentadoria permite reinvenção, dizem artistas e executivos a Ronaldo

Parada forçada ou precoce pode abrir caminho para sucesso em nova área.

Planejar saída com antecedência evita maiores sofrimentos no futuro.

Não são apenas jogadores de futebol como Ronaldo que se veem obrigados a sair de cena e “pendurar a chuteira” antes do pretendido. A aposentadoria precoce ou forçada atinge também outros profissionais que acabam sendo forçados a buscar novos rumos para suas carreiras. E são vários os casos de sucesso e de reinvenção.

Da esquerda para direita, em sentido horário: João Carlos Martins, Fábio Azevedo, Armando Barcellos, Ana Paula Oliveira, Danilo Talankas e Fernando Figueiredo (Foto: Montagem sobre fotos/Divulgação)

Problemas de saúde que prejudicaram os movimentos de suas mãos fizeram com que o maestro João Carlos Martins abandonasse a carreira de pianista clássico sete anos atrás.

O amor à música, porém, fez com que ele continuasse trabalhando com melodias, mas na posição de maestro.

Atualmente, aos 70 anos, é regente da Filarmônica Bachiana Sesi/SP e vai ser o homenageado do desfile da escola de samba de São Paulo Vai-Vai no Carnaval 2011.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]

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“Quando você tem barreiras que o destino lhe impõe, tem que ter humildade para reconhecer que não dá mais”, afirma Martins. Para o maestro, Ronaldo conseguirá encontrar um novo caminho além do futebol. Martins revelou que vai convidar Ronaldo para também desfilar pela Vai-Vai.

A despedida forçada, entretanto, nunca é fácil. Para Ana Paula Oliveira, de 35 anos, falar sobre o assunto ainda é difícil. Bailarina profissional desde os 14 e integrante do Grupo Corpo, de Belo Horizonte, ela foi forçada a se separar da dança em 2010, após 20 anos de dedicação exclusiva. O motivo foi o rompimento de um ligamento entre o fêmur e a bacia na perna esquerda.

No início, não imaginou que seria algo sério, tanto que cumpriu toda a temporada da companhia de dança. Ana Paula passou por cirurgia, sessões de fisioterapia, tentou um retorno, mas percebeu que o corpo não aguentava mais a carga exigida de uma bailarina. “Fui me mexer na cama e não consegui. Senti uma dor de contratura muscular. Era um sinal do meu organismo dizendo ‘para’”, lembra.

Hoje, cerca de um ano e meio depois, Ana Paula tenta encontrar na arte novas inspirações. Não se afastou do grupo e hoje se propõe a um novo trabalho, na área de comunicação da companhia. “Fiquei de luto. São coisas da vida que acontecem sem razão nem para quê. O que me conforta é saber que fiz o que mais amei na vida”, afirma.

Osmar Santos descobriu nova paixão na pintura

Oscar Ulisses, irmão de Osmar Santos, lembra que o locutor esportivo ficou revoltado e entrou em depressão após ter a carreira interrompida. Um grave acidente de carro, em 1994, afetou a fala e parte das funções motoras de uma das vozes mais famosas do Brasil.

“Uma vez ele me falou: ‘Olha, tive um acidente sério, perdi muito do que tinha, mas muito do que tinha também ficou. Agora tenho dois caminhos. Ou reclamo ou vivo o que sobrou. Vou viver o que sobrou’”, lembra o irmão. Para superar as adversidades, Osmar Santos, hoje aos 61 anos, trocou o microfone pelo pincel e agora se dedica à pintura. “Nunca havia pintado na vida. Ele se dedica muito a essa atividade, tem aulas com caras bons de pintura. Algo que era uma terapia virou quase uma profissão”, diz o irmão, que também é locutor.

Tinha receio de sair e ficar burro, parar de exercitar, ter contato com um público diferente.”
Fábio Chiappetta, empresário

Mas nem sempre a aposentadoria precoce é por motivo de lesão ou saúde. Em 2006, Fábio Chiappetta de Azevedo, então com 34 anos, decidiu deixar o alto cargo que tinha em um banco de investimento para comandar franquias de restaurantes e também lojas próprias no ramo gastronômico, no Rio de Janeiro. “Foi difícil porque eu gostava do trabalho. Apesar de ser estressante, estudei para aquilo”, afirma o empresário, formado em economia e com duas pós-graduações na área. No caso dele, a decisão foi baseada em qualidade de vida.

“Tinha receio de sair e ficar burro, parar de exercitar, ter contato com um público diferente. Os profissionais do banco eram pessoas formadas, graduadas, na loja são pessoas sem formação, é mais difícil de lidar”, explicou Fábio, pai de duas filhas, uma de 4 anos e outra de 6 meses. Para matar a saudade do mercado financeiro, ele se encontra pelo menos a cada dois meses com os amigos economistas. O empresário elogiou a decisão de Ronaldo.“Acho que estava na hora mesmo de parar, porque é uma pessoa que já esteve super lá em cima, foi super ídolo, um fenômeno, mas não tinha mais o mesmo desempenho”, disse.

Desapego

Eu fui ver se as pessoas investiriam em mim ou no meu sobrenome corporativo e recebi muito apoio.”
Carlos Miranda, empresário

O empresário Carlos Miranda também saiu no auge de sua carreira de 21 anos na consultoria Ernst & Young, onde chegou a ser sócio, para tocar um negócio próprio. Em 2010, ele era responsável no Brasil e na América do Sul pela área de mercados em crescimento da empresa e decidiu criar um fundo de investimentos para empresas que desejavam crescer. “Podia me acomodar e continuar lá até a aposentadoria, tinha um salário superbom, mas sempre tive esse espírito mais empreendedor”, afirma. Miranda diz que a palavra de ordem para ele foi desapego. “Muita gente tem medo de perder prestígio, o glamour daquela empresa, daquele cargo. Eu fui ver se as pessoas investiriam em mim ou no meu sobrenome corporativo e recebi muito apoio.” Corintiano, ele pensa que Ronaldo ainda insistiu muito em brigar com o corpo.

Para Armando Barcellos, 45 anos, ex-triatleta que representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Sydney e abandonou o esporte no auge da carreira, em 2001, o lado psicológico também deve ter pesado na decisão de Ronaldo. “Trinta e quatro anos ainda está muito novo. Eu entrei em forma no melhor da minha vida aos 36. Acho que ele se precipitou. Mas a gente está de fora e essa opinião é superficial”, disse.

Barcellos afirma ter deixado o mundo do esporte para ter estabilidade financeira e construir uma família. “A única coisa que me levou a parar foi questão financeira, porque a gente vive de patrocínio. Então é uma insegurança emocional muito grande. Se o patrocínio não desse o dinheiro, ia fazer o quê?”, desabafa ele, que é pai de um menino de 15 e uma menina de 4 anos. Ele decidiu abrir uma loja de bicicletas e artigos para triatlo em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Agora tem três lojas, além de uma distribuidora de materiais esportivos. “Sofrido sempre é porque você está fazendo uma coisa que você tem um destaque”, confessa.

Planejamento da aposentadoria

De acordo com a consultora Ana Fraimam, que trabalha há 30 anos com preparação para a aposentadoria, a interrupção de carreira costuma ser sempre um momento muito dramático, principalmente para as pessoas com maior projeção. “A pessoa muda todo um estilo de vida. Para alguns é como mudar de planeta”, diz. Entre as mudanças, ela cita a perda de relacionamentos e grupos de referência. “Mas o maior risco é a pessoa não encontrar o que fazer, porque nunca parou e acha que não sabe fazer outra coisa”, diz. Por isso, segundo ela, o projeto de aposentadoria deve ser planejado com pelo menos cinco anos de antecedência.

A transição costuma ser mais tranquila para aqueles que conseguem planejar a mudança de rumo antes da aposentadoria repentina. O consultor e professor do INPG (Instituto Nacional de Pós-Graduação), Danilo Talankas, surpreendeu a muitos quando decidiu antecipar sua despedida do mundo corporativo, em 2008. Na época, ele era presidente da Otis do Brasil, estava no cargo há 5 anos e tinha 59 anos.

Quando você não tem mais o cartão de visitas, perde algumas coisas, alguns benefícios. Em compensação, você passa a ter uma vida muito mais autêntica.”
Danilo Talankas, consultor

“A carreira de executivo me daria mais uns 3 anos. Já a vida acadêmica me dá uma sobrevida de pelo menos mais uns 10 anos”, explica. Ele ressalta, porém, que vinha há 10 anos buscando uma aproximação com o mundo acadêmico e que o encerramento da carreira de 18 anos como CEO foi apenas uma antecipação de um projeto bem planejado ao longo da carreira.

Ele conta que a transição aconteceu de forma automática. “No meu caso foi como trocar de emprego”, afirma. De acordo com ele, o ritmo de trabalho não mudou muito. Em compensação, pode abrir mão de atividades que funcionavam apenas como obrigação do cargo que ocupava como CEO de uma multinacional. “A gente acaba descobrindo que há vida após os 60 anos”.

Ele reconhece, entretanto, que o padrão de vida acaba mudando. “É uma vida, digamos, mais difícil. Quando você não tem mais o cartão de visitas, perde algumas coisas, alguns benefícios. Em compensação, você passa a ter uma vida muito mais autêntica”, diz.

Mas como consultor em gestão e estratégia, ele avalia que a chave para a sabedoria é saber quando parar. “Cada um, seja atleta, seja um executivo, tem que saber o momento a partir do qual a extensão da carreira começa a atrapalhar”.

O ex-vice-presidente da Basf para a América do Sul, Fernando Figueiredo, de 62 anos, se desligou da empresa no ultimo mês de dezembro em um processo negociado com antecedência de 2 anos com a multinacional.

Ele conta que chegou a pensar em planejar uma carreira pós-aposentadoria, ligada à empresa e marketing esportivo criada pelo filho, mas chegou a conclusão que, por enquanto, não precisa voltar a trabalhar. Graças ao plano de previdência angariado em 32 anos de Basf.

Assim que aposentei, fiz a melhor coisa que qualquer pessoa pode fazer, fui para a Bahia e fiquei lá por 25 dias”, diz com orgulho. Segundo ele, o segredo para a fase seguinte à aposentadoria é saber viver cada fase da vida. “Valeu cada segundo que trabalhei, mas coloquei um propósito de não sentir saudade. Viver só de lembranças não dá.”

G1 – Com reportagem de Carolina Lauriano, Darlan Alvarenga, Flavia Cristini, Luciana de Oliveira, Paulo Toledo Piza

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