Platão e a Caverna Digital
por Eugênio Mira ¹
A tecnologia nos liberta? Ou a tecnologia nos escraviza? Traçando um paralelo entre um antigo diálogo filosófico e um filme contemporâneo, podemos tentar uma visão mais realista da imersão contínua em informações que sofremos e das suas conseqüências.
“Imagine-se em uma caverna. Você tem seus braços e sua cabeça acorrentados e tudo que vê são as sombras do mundo real projetadas no fundo da caverna…”.
Assim começa um dos mais famosos diálogos filosóficos da história. Platão tenta demonstrar para seus interlocutores como o mundo em que vivemos pode ser um contorno abstrato da realidade.
Através da metáfora da caverna, ele mostra como a nossa noção de realidade pode ser limitada por nossos sentidos, e dá início a uma das discussões mais fecundas do pensamento filosófico.
Mas e hoje? É possível confiar nos sentidos? Vamos transpor o mito da caverna para nossos dias. Imagine um homem em um equipamento que controlasse todas suas funções sensoriais. Espaciais, visuais, táteis, etc…
Este homem está ligado a uma máquina, a qual cria em sua mente todas as sensações de uma vida. Em sua mente ele se vê indo trabalhar, jantando um bom prato e sorrindo com amigos.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]
Seu cérebro pensa que realmente usa suas pernas, que sua língua saboreia e que seus olhos vêem. Mas não é essa a realidade. Se ele fosse desligado da máquina, o que acreditaria ser mais real? E se tentasse despertar os outros? Como reagiriam?
Essa é a premissa do filme “Matrix” (1999). Em um mundo apocalíptico, máquinas controlam seres humanos, fazendo com que eles pensem que vivem a realidade, quando na verdade estão em casulos. Apesar do exercício exagerado de criatividade, nesse caso, ele ilustra bem a imersão do homem moderno na teia tecnológica.
Com o ouvido colado ao celular e os olhos na tela do computador, passamos a desprezar de certa forma a realidade externa, e nos afastamos do convívio pessoal.
Hoje se aprende através de vídeos e ensina-se através da internet. Nesse cenário, perde-se cada vez mais a capacidade de apartar o que é induzido da realidade palpável, uma vez que se tem cada vez menos contato com a realidade e se é cada vez mais induzido.
Hoje se consome informação como nunca, a todo o momento, mas muito pouco dessa informação é transformada em conhecimento legítimo. O excesso de informação tornou-a item de pouco interesse, pouco valor.
O “aprender” perdeu espaço para o “informar”, e cada vez mais a mídia está entupida com informação que não vale de nada, exceto entreter. Os celulares enviam e-mails e os automóveis mostram a previsão do tempo, mas não se sabe mais como escrever um cabeçalho de carta, ou como se formam as nuvens.
Não se vê mais a informação, mas através dela.
Em uma metonímia cultural, trocou-se o fim pelo meio, e cada vez mais o homem emburrece enquanto pensa que aprende. Sentado em frente ao computador, conectado à internet, falando ao celular, o homem caminha com a tecnologia atando sua cabeça e o capitalismo acorrentando suas mãos, descendo cada vez mais fundo em sua caverna digital, enquanto a vida passa, em altíssima definição, em suas costas.
¹ Eugênio Mira é tecnólogo, professor e escritor. Sonha com um mundo onde as pessoas tenham valor pelo que pensam, e não pelo que possuem.