Infidelidade e danos morais

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O Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, apreciará caso se não inédito, pelo menos muito peculiar.

O requerente é um marido, do interior de Minas Gerais, que depois de dezena de anos de casado, vem a saber que o filho que sua esposa terá, ou já teve, não é seu.

É do vizinho do lado. Com quem por anos a esposa mantinha relações. O marido, devidamente abandonado, pede indenização não à mulher, pela infidelidade cometida.

Mas, ao vizinho pela infidelidade provocada. Curiosa decisão. Optou por processar o vizinho e não a ex esposa. A raiva dele, era maior do que a raiva dela.

O adultério nao é mais crime, a mulher não é mais condenada em nome da moral pública. Hoje, o marido pode ser beneficiado em seu patrimônio privado.

A idéia permanece a mesma: fidelidade conjugal é obrigação legal. Será?

“Quem pode ser responsabilizado pelo fim do amor?”, pergunta a juíza Andrea Pachá, da 1ª Vara de Família de Petrópolis, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Não são poucos os que respondem como o juiz Werson Franco Pereira Rego: deve ser responsabilizado aquele que causou o dano moral. E o que é dano moral?

Para autores ilustres como Savatier, dano moral é qualquer sofrimento humano que causa dano à reputação da vitima, ao seu amor próprio, a suas afeiçoes e por aí vai. Seria, pois justamente o caso.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]

Mais ainda, a Constituição brasileira no seu artigo 5°, X diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Donde, o vizinho do lado teria violado o direito a honra. Tem, pois que pagar.

No Código de Hamurabi, de 1700 antes de Cristo, a pena seria provavelmente ter metade de seu cabelo raspado. Hoje tanto, pouco importa. Raspar cabelo não é pena, é moda. Importa é o dinheiro.

É contabilizar no patrimônio do traído, o custo da traição. Há males que vem para o bem, diz o ditado popular.

Este caso revela duas tendências que crescem na sociedade de hoje. A primeira é a judicialização do afeto, ou do desafeto no caso.

A judicialização dos problemas familiares não resolvidos. Não apenas entre marido e mulher, mas também entre pai e filho. A juíza Andrea Pachá alerta sobre o crescente número de casos em que pais sem meios de se auto sustentarem vão à justiça pedir que os filhos sejam obrigados a fazê-lo.

Quase um pedido de justiça: olho por olho. É como se os deveres da paternidade como a educação, o abrigo e a alimentação, tivessem sido apenas um empréstimo ao filho, de longo prazo e exigível. Uma nota promissória assinada pelo mesmo sangue.

Nem têm sido poucos os casos em que os pais pedem que a justiça puna, prenda e tente reeducar os filhos envolvidos com drogas.

Transferindo ao estado responsabilidade que exaustos, desorientados, não podem mais assumir. O esgarçamento das relações familiares estimula a demanda pelo Judiciário.

Mas, até que ponto, pergunta, Andrea Pachá, ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça, os tribunais devem se transformar na arena dos ressentimentos e das mágoas e das ingratidões?

Não seria levar longe demais a ação do Poder Judiciário? Mais ainda, acrescentamos. É o juiz o profissional treinado e competente para dirimir estes problemas de inconvivência familiar?

Não estaria o Judiciário mais uma vez atuando no vácuo deixado pelo Poder Executivo em sua obrigação de prestar assistência social, educacional, de abrigo a idosos, e psicológica? Preventivos da judicialização?

A segunda tendência que este caso revela é que ao lado da judicialização vem sempre uma patrimonialização. Vem sempre a latente tendência de mercantilização das disputas familiares.

A patrimonialização dos mútuos danos afetivos. Dinheiro por laços desfeitos, pelo fim do amor. Conjugal, filial, ou familiar. Perdas, danos e compensações.

Antigamente apenas nos inventários, a judicialização do patrimônio ocorria. Briga de herdeiros. Onde a razão, sucumbe às frustrações contidas. Muita vez, diria Freud, inventários se prolongam indefinidamente como maneira errada e transversa de herdeiros continuarem juntos.

Brigando na justiça, mas continuando juntos. Hoje a judicialização começa antes do fim da família. Vivemos a época das múltiplas judicializações.

Esta patrimonialização do afeto está presente nos pactos nupciais e nos contratos privados também. No mercado conjugal e familiar regulado pela vontade prévia das partes cônjuges ou herdeiros.

É famoso o contrato de casamento entre os atores Michael Douglas e a Catherine Zeta-Jones. Lá havia uma cláusula que estabelecia se uma das partes traísse a outra no primeiro ano de casamento, teria que pagar indenização de milhões de dólares.

Seja através da regulação privada contratual, seja através da judicialização, o fato é que a patrimonialização do desamor e da insolidariedade futura é crescente.

Tudo vira mercadoria judicializável neste modelo de sociedade. Inclusive a traição.

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