Homens, Mulheres, Crianças e Novas Mídias

Novas tecnologias, novas mídias. Novas humanidades. Como sempre, aliás.
por Daniel Pizza

Choveu. Muito. E ainda chove, pouco. Nada que consiga piorar o caos do trânsito do Rio, que saiu do caos-alegre dos cariocas para o caos-caótico que só vejo em São Paulo em seus piores dias. Túneis fechados são o mínimo. Pior é que todos os carros estavam indo para onde eu queria ir, e havia ido sempre, sem tanta companhia. Perdi o vôo das 21h, que deveria me fazer dormir em casa e estou, às 2h do dia seguinte, esperando — num Galeão vazio de serviços, onde nem água se vende a esta hora — esperando meu novo vôo das 3:25h, que já me disseram que só sairá às 6h, se sair. Mas a última consideração é minha, ninguém me disse. Nem dirá. Desinformação é a norma.

Estranhamente, estou em paz. Combinação do que Padma Samten me fez aprender em alguns poucos encontros, quando tratávamos de coisas sobre as quais não temos nenhum controle (choveu, o avião não pôde voar de X para Y antes e só vai chegar aqui às 5:20h… fazer o quê?), com o sentimento de aprendizado e gratidão por ter participado de um debate na Academia Brasileira de Letras, sobre “O Homem e as Novas Mídias”. O acadêmico Arnaldo Niskier fez a exposição inicial e os comentários foram de Marcos Troyjo, Mônica Dias Pinto e Regina Casé, além de mim mesmo.

O homem e as mulheres e as crianças sempre estiveram e viveram em eras de novas tecnologias, que habilitaram, por sua vez, novas mídias. As tecnologias da TV criam as possibilidades de uma mídia que nos acostumamos a chamar de… TV, e que Niskier, olhando para a proximidade da TV digital no Brasil, entende que vai — ou poderia, muito provavelmente — revolucionar a televisão em Pindorama. Sei não.

O que define os usos sociais de uma tecnologia qualquer não são suas possibilidades intrínsecas, mas os modelos de negócio ao seu redor. No caso do Brasil, tomamos decisões, lá atrás, quando da escolha do que vamos querer da TV digital, que visam manter os modelos de negócio praticados desde os primórdios da TV analógica. Imaginar que a tecnologia, por si só, vire o mercado de cabeça para baixo, quando ela continuará fechada e limitada nas mãos de poucos… não é exatamente um bom sinal de revoluções à vista.

A provocação de Niskier gerou um belo debate sobre centro, periferia e inclusão (digital ou não), concluído brilhantemente por Regina Casé descrevendo o que ela tem visto e ouvido mundo afora. Partindo do seu avô, entregador de rádios (os aparelhos, grandes, de outrora… a nova tecnologia da época) que originou gerações de “midiáticos” até o fantástico caso do lugar mais remoto do mundo (pelo menos para ela), nos confins de Moçambique, onde nem português se falava.

Achando que havia encontrado um lugar realmente remoto, Regina começa a filmar a rotina da tribo local, até que um celular começa a tocar e a senhora que lhe parecia mais rude e hostil do pedaço atende a chamada e desfia um rosário interminável de conversa… e estraga para sempre o barato de filmar “o lugar mais remoto do mundo”.

O mundo — quase todo — está se incluindo rapidamente nas novas tecnologias que, por sua vez, habilitam novas mídias e modos de comunicação. Que falta gente, falta. Mas o problema é muito menor do que nós, que temos muito — e tudo, às vezes — costumamos pensar.

Douglas Adams, do Guia do Mochileiro das Galáxias, costumava dizer que “tudo o que já existe no mundo quando nascemos é normal. O que acontece até completarmos trinta anos é inovador, instigante e, com sorte, é capaz de fazermos uma carreira nisso. E tudo o que rola depois dos nossos trinta anos é o fim do mundo”.

Enquanto pensamos — pelo menos os mais velhos — que as “novas mídias” possam ser um problema, o mundo, principalmente seus jovens, descobrem muito rapidamente que elas são, na verdade, solução… para problemas com os quais nem sonhamos.

Como usar Google para verificar a ortografia do português, problema que por sinal poderia ser muito melhor resolvido usando o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa , da Academia, que tem 360 mil vocábulos, referência oficial de como deveríamos, se soubéssemos, escrever a língua de Machado de Assis e Ariano Suassuna.

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