Celular e biometria devem substituir cédulas e moedas, dizem especialistas. Um quarto da população do Quênia já usa celular como ‘minibanco’. Uso da impressão digital incluiria analfabetos no sistema financeiro.
Homem envia dinheiro usando o serviço M-Pesa, em Nairóbi, no Quênia.
(Foto: Tony Karumba/AFP)
O brasileiro compra cada vez mais com cartão de crédito ou débito, faz transações bancárias e compras na internet e anda com menos dinheiro no bolso. Especialistas dizem acreditar que, com a evolução da tecnologia e a expansão dos pagamentos para o celular e até a biometria, o “dinheiro vivo”, em papel ou moeda, pode estar com os dias contados.
A população já se acostumou a andar com pouco dinheiro na carteira, segundo o Banco Central. Em 2007, 61% dos brasileiros diziam andar com até R$ 20 no bolso em notas, número idêntico ao verificado em 2005, quando o BC fez a mesma pesquisa.
O uso de cartões de débito e crédito, porém, disparou no país. De 2003 a 2014, a quantidade de transações com cartões de débito cresceu 217%, enquanto as com cartão de crédito subiram 129%, mostram dados do BC. Já as transações bancárias pela internet subiram 42% entre 2006 e 2014, enquanto as transações nos caixas eletrônicos subiram 11%. Nas agências, o movimento subiu 3%.
Biometria e celular
[ad name=”Retangulo – Anuncios – Esquerda”]Especialistas dizem que tecnologias como o celular e a biometria podem fazer com que seja possível fazer pagamentos eletrônicos em todos os lugares, tornando o dinheiro vivo cada vez menos importante. E isso pode ocorrer mesmo em países pobres, que podem “pular” a fase dos cartões de crédito, por exemplo.
Dave Birch, diretor da consultoria britânica Hyperion, prevê a expansão do uso do celular para pagamentos. “Para não precisarmos mais de dinheiro ou cartões, precisamos que os pagamentos eletrônicos estejam disponíveis em todo lugar, e não só nas lojas”, diz.
A Hyperion é especializada em estudar meios eletrônicos de pagamento e organiza anualmente o Digital Money Forum (Fórum do Dinheiro Digital), no Reino Unido. “Os celulares significam que ninguém precisa de dinheiro vivo. Os telefones vão se tornar um terminal pessoal de pagamentos, com o qual todos podem pagar e receber pagamentos de todos”, diz Birch.
Homem fala ao celular em loja do serviço M-Pesa em Nairóbi, no Quênia
Foto: Tony Karumba/AFP
Sucesso no Quênia
Para demonstrar que a ideia pode dar certo, o especialista cita o caso do Quênia, nação africana onde existe o sistema M-Pesa. Quem tem celular da operadora Safaricom pode abrir uma “conta” M-Pesa, fazendo depósitos em dinheiro em um dos 12 mil agentes autorizados do sistema, como lojas da operadora, postos de combustível e supermercados.
Depois, o dinheiro pode ser sacado nesses mesmos locais, transferido a outros usuários de celular ou usado para pagar contas e comprar produtos. Não é preciso ter conta no banco nem ter o crédito aprovado; para se cadastrar é só apresentar um documento de identidade. Todas as transações são feitas no menu do aparelho celular ou por SMS.
Segundo a Safaricom, o M-Pesa tem 7,5 milhões de usuários (em um país de cerca de 31 milhões de pessoas) e já foram transferidos 230 bilhões de shillings quenianos (R$ 5,3 bilhões) pelo sistema desde seu lançamento, em 2007.
Recentemente, o serviço se expandiu para permitir envio de dinheiro de imigrantes quenianos do Reino Unido para parentes que ficaram na África. Com o sucesso, o M-Pesa “migrou” para a vizinha Tanzânia em 2008, onde já contabiliza 1 milhão de usuários.
Experiência no Brasil
No Brasil, o pagamento por celular também já existe: várias operadoras já têm programas para pagamento de compras usando o próprio aparelho, que só precisa ser aproximado de um terminal para completar a transação.
O aparelho pode ser associado a um cartão de crédito, débito ou cartão pré-pago. “Apostamos que haverá uma nova geração que vai preferir fazer compras por meio do celular, assim como há uma geração que prefere comprar pela internet”, diz Percival Jatobá, diretor-executivo de produtos da Visa.
Outro exemplo do uso do celular como meio de pagamento é o serviço Paggo, da operadora Oi. Trata-se de um sistema que permite compras em lojas físicas e pela internet com confirmação por SMS.
Inclusão
Martinho Isnard Ribeiro de Almeida, professor da FEA-USP (Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo), acha que a solução para expandir os pagamentos eletrônicos é criar contas bancárias mais simples.
“Os maiores custos para os bancos são a manipulação do dinheiro e o crédito. Portanto, para reduzir o custo, os bancos poderiam oferecer contas com um cartão com chip só com função de débito, sem saque ou crédito”, diz ele.
E para incluir até mesmo os analfabetos, a verificação, hoje feita normalmente por senha, poderia usar a biometria, como a leitura da palma da mão, por exemplo, diz o professor da FEA-USP.
Birch diz que a inclusão dos mais pobres é muito importante, já que o dinheiro vivo “discrimina contra os pobres”, segundo ele. “Os ricos podem pesquisar na internet para comprar coisas mais baratas e pagar suas contas eletronicamente. Já os pobres têm que pegar um ônibus para ir pagar suas contas”, diz o especialista.
Mesmo para valores pequenos, os especialistas dizem que é vantajoso economicamente eliminar as cédulas e moedas. No Brasil, o Banco Central já gastou R$ 762 milhões em 2009 para produzir cédulas e moedas. No início de novembro, havia R$ 112,12 bilhões em circulação em cédulas e moedas no país.
Paulo Leite/G1