O Poeta e o Poema Alphonsus de Guimaraens Filho Nenhum poema se faz de matéria abstrata. É a carne, e seus suplícios, ternuras, alegrias, é a carne, é o que ilumina a carne, a essência, o luminoso e o opaco do poema. Nenhum poema. Nenhum pode nascer do inexistente. A vida é mais real que a realidade. E em seus contrastes e seqüelas, funda um reino onde pervagam não a agonia de um, não o alvoroço de outro, mas o assombro de todos num caminho estranho como infinito corredor que ecoa passos idos (de agora, e de ontem e de sempre), passos, risos e choros — num reino que nada tem de utópico, antes mais duro do que rocha, mais duro do que rocha da esperança (do desespero?), mais duro do que a nossa frágil carne, nossa atônita alma, — duros pesar de seu destino, duros pesar de serem só a hora do sonho, do sofrimento, de indizível espanto, e por fim um silêncio que arrepia a epiderme do acaso: E por fim um silêncio… Nenhum poema se tece de irreais tormentos. Sempre o que o verso contém é um fluir de sangue no coração da vida, no pobre coração da vida, aqui paralisado, além nascente no seu ímpeto de febre, no coração da vida, no coração da vida, (da morte?) e um frio antigo, e as bocas cerradas, olhos cegos, canto urdido de cantos sufocados, e uma avenida longa, longa, longa, e a noite, e a noite, e, talvez, um sublime amanhecer.