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Anibal Beça – Poesia – Literatura

Quinta Estação Anibal Beça Não há recomeço possível. Senão um olhar para trás. A flor que murcha cai não torna para o galho. Por cima dos ombros o outono perde a primavera e as folhas secas são tapetes grados para amaciar pegadas. Um murmúrio bate à nossa porta e o vento inexorável escarifica cicatrizes no exato arrepio. No pressentido encontro – bandido convicto – assalto o canteiro dessa noite insone e agasalho a alba na gruta do sésamo.  

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Wislawa Szymborska – Poesia

O fim e o início Wislawa Szymborska Depois de toda guerra alguém tem que fazer a faxina. As coisas não vão se ajeitar sozinhas. Alguém tem que tirar o entulho das ruas para que as carroças possam passar com os corpos. Alguém tem que abrir caminho pelo lamaçal e as cinzas, as molas dos sofás, os cacos de vidro, os trapos ensanguentados. Alguém tem que arrastar o poste para levantar a parede, alguém tem que envidraçar a janela, pôr as portas no lugar. Não é fotogênico e leva anos. Todas as câmeras já foram para outra guerra. Precisamos das pontes e das estações de trem de volta. Mangas de camisas ficarão gastas de tanto serem arregaçadas. Alguém de vassoura na mão ainda lembra como foi. Alguém escuta e concorda assentindo com a cabeça ilesa. Mas haverá outros por perto que acharão tudo isso um pouco chato. De vez em quando alguém ainda tem que desenterrar evidências enferrujadas debaixo de um arbusto e arrastá-las até o lixo. Aqueles que sabiam o que foi tudo isso, têm que ceder lugar àqueles que sabem pouco. E menos que pouco. E finalmente aos que não sabem nada. Alguém tem que deitar ali na grama que cobriu as causas e conseqüências, com um matinho entre os dentes e o olhar perdido nas nuvens. Tradução de Regina Przybycien

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Carlos Costa – Poesia

Você caracol, casca, casulo. A brisa traz o olor de humores temperados no sexo, seixo bem rolado desejo após desejo tudo de novo reinventado em tua ostra escâncara. Arte: Carlos Costa, sem título, 2005, nanquim sépia Le Franc & Bourgeois, sobre papel, 31x23cm

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Claes Andersson – Não se preocupam com os meios – Poesia

Não se preocupam com os meios Claes Andersson Tem cuidado com aquele que diz representar a voz de muitos. Talvez seja verdade. Tem cuidado com aquele que diz que fala apenas em seu nome. Talvez seja verdade. Tem cuidado com aquele que se limita a consentir com a cabeça. Amanhã o consentimento pode afetar-te a ti. Tem cuidado com aqueles que só querem viver a sua vida em paz. Não se preocupam com os meios. Fotografia,Arte,Blog do Mesquita,Giorgria Napoletano

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Henriqueta Lisboa – Poesia

Serenidade Henriqueta Lisboa Há muito tempo, Vida, prometeste trazer ao meu caminho uma doida alegria feita de espírito e de chama, uma alegria transbordante, assim como esse alvo clarão que se irradia da orla festiva das enseadas, e entre reflexos de ouro se derrama do cântaro das madrugadas. Eu, que nasci para um destino manso de coisas suaves, silenciosas, imprecisas, e que fico tão bem neste obscuro remanso onde apenas se infiltra um perfume de brisas, imagino a tremer: que seria de mim se essa alegria esplêndida, algum dia, houvesse surpreendido a minha inexperiência!…

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Alphonsus de Guimaraens Filho – Nenhum poema se faz de matéria abstrata – Poesia – Literatura

O Poeta e o Poema Alphonsus de Guimaraens Filho Nenhum poema se faz de matéria abstrata. É a carne, e seus suplícios, ternuras, alegrias, é a carne, é o que ilumina a carne, a essência, o luminoso e o opaco do poema. Nenhum poema. Nenhum pode nascer do inexistente. A vida é mais real que a realidade. E em seus contrastes e seqüelas, funda um reino onde pervagam não a agonia de um, não o alvoroço de outro, mas o assombro de todos num caminho estranho como infinito corredor que ecoa passos idos (de agora, e de ontem e de sempre), passos, risos e choros — num reino que nada tem de utópico, antes mais duro do que rocha, mais duro do que rocha da esperança (do desespero?), mais duro do que a nossa frágil carne, nossa atônita alma, — duros pesar de seu destino, duros pesar de serem só a hora do sonho, do sofrimento, de indizível espanto, e por fim um silêncio que arrepia a epiderme do acaso: E por fim um silêncio… Nenhum poema se tece de irreais tormentos. Sempre o que o verso contém é um fluir de sangue no coração da vida, no pobre coração da vida, aqui paralisado, além nascente no seu ímpeto de febre, no coração da vida, no coração da vida, (da morte?) e um frio antigo, e as bocas cerradas, olhos cegos, canto urdido de cantos sufocados, e uma avenida longa, longa, longa, e a noite, e a noite, e, talvez, um sublime amanhecer.

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Florbela Espanca – Poesia – Literatura

Os versos que te fiz Florbela Espanca Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer. Têm dolência de veludos caros, São como sedas pálidas a arder… Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer! Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda… Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz ! Amo-te tanto ! E nunca te beijei … E nesse beijo, Amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz! Pintura de Marc Chagall

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Maria Helena Verdugo – Poesia – Literatura

Anseio Helena Verdugo Afonso Amor, vivo tão só, nesta tristeza, onde minha alma se desfaz em pranto, longe do teu olhar cheio de encanto. em que fiquei eternamente presa. Tão longe ando de ti, numa incerteza de ter-te, minha vida! No entretanto, vai crescendo este amor, mas, tanto e tanto, em místico fervor, como quem reza! Ando faminta, cheia de desejo dessas carícias tão de mim ausentes, que me enlouquecem, e que em ti prevejo… E morro na paixão que mal pressentes, e perdem-se pelo ar, cheios de pejo, os beijos que te dou e tu não sentes… Foto Flickr  

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Flora Figueiredo – Poesia – Na dúvida, faça. O risco faz parte.

Poema Flora Figueiredo Na dúvida, faça. O risco faz parte. A graça está em tentar, em vez de sentar e assistir; O mundo está em esticar-se todo para atingir; O mundo está no desafio da interrogação: E porque não? Entre na festa, Arranque a capa, Morda a maçã. Desate o cinto para voar livre pelo amanhã, ainda que ele seja um labirinto. Deixe o ID rolar, Nesta arte viva de arriscar, cônscio e devoto. Pois que viver não é entrar no mar onde dá pé, Mas mergulhar com fé no maremoto. Ilustração de Jaclyn Alderete  

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Walt Whitman – Poesia – Literatura

A Base de Toda Metafísica Walt Whitman E agora, senhores, Uma palavra eu lhes dou para permanecer em suas memórias e mentes, Como base, e fim também, de toda metafísica. (Também, para os alunos, o velho professor, No final de seu curso apinhado.) Tendo estudado o novo e o antigo, os sistemas grego e alemão, Kant tendo estudado e exposto – Fichte e Schelling e Hegel, Exposto o saber de Platão – e Sócrates, maior que Platão, E maior que Sócrates buscado e exposto – Cristo divino tenho muito estudado, Eu vejo reminiscentes hoje aqueles sistemas grego e alemão, Vejo as filosofias todas – igrejas cristãs e princípios, vejo, Sob Sócrates claramente vejo – e sob Cristo o divino eu vejo, O caro amor do homem pelo seu camarada – a atração de amigo por amigo, Do marido bem-casado e a esposa mãe de crianças e os pais, De cidade por cidade, e terra por terra.

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