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Pedro Mexia – Poesia – 19/12/23

Boa noite Eu amo Pedro Mexia¹ Eu amo o teu gravador de chamadas. Ele não me abandona e repete vezes sem conta a tua voz. ¹Pedro de Magalhães Mexia Bigotte *Lisboa, Portugal – 5 de dezembro de 1972

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Affonso Romano de Sant’Anna – Poesia – 18/12/23

Boa noite Leitura natural Affonso Romano de Sant’Anna¹ Tendo lido os jornais — infectado a mente, enauseado os olhos — descubro, lá fora, o azul do mar e o verde repousante que começa nas samambaias da sala e recrudesce nas montanhas. Para que perco tantas horas do dia nessas leituras necessárias e escarninhas? Mais valeria, talvez, nas verdes folhas, ler o que a vida anuncia. Mas vivo numa época informada e pervertida. Leio a vida que me imprimem e só depois o verde texto que me exprime. in Epitáfio para o Século XX e Outros Poemas ¹ Affonso Romano de Sant’Anna * Belo Horizonte, MG. – 27 de Março de 1937

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Dante Milani – Poesia – 17/12/23

Boa noite Corpo Dante Milano¹ Adorei teu corpo, Tombei de joelhos. Encostei a fronte, O rosto, em teu ventre. Senti o gosto acre De santidade Do corpo nu. Absorvi a existência, Vi todas as coisas numa coisa só, Compreendi tudo desde o princípio do Mundo. ¹Dante Milano * Barra de S. João, RJ – 16 de Janeiro de 1899 + Petrópolis, Rio de Janeiro – 15 de Abril 1991 Primoroso tradutor de Dante e Baudelaire. Escultor. Estreou tarde em livro, com Poesias (1948). Dele disse Manuel Bandeira ser “um dos nossos poetas mais fortes e mais perfeitos”. Dante Milano nasceu no Rio de Janeiro filho do maestro Nicolino Milano e de Corina Milano. O seu irmão Atílio Milano foi também poeta. Trabalhou como conferente de textos na Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) a partir de 1913. Foi também funcionário do Juizado de Menores, no Ministério da Justiça. Publicou seu primeiro poema, “Lágrima Negra”, em 1920, na revista carioca Selecta. Na época trabalhava como empregado na contabilidade da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Nos anos de 1930 foi colaborador do suplemento “Autores e Livros”, de “A Manhã” e do “Boletim de Ariel”. Em 1935 organizou a “Antologia dos Poetas Modernos”, primeira antologia de poetas dessa fase. Casa-se com Alda em 1947. Seu primeiro livro, “Poesias”, foi publicado em 1948, e recebeu o Prêmio Felipe d’Oliveira de melhor livro de poesia do ano. Nos anos seguintes trabalhou como tradutor, lançando, em 1953, “Três Cantos do Inferno”, de Dante Alighieri. Em 1979 foi publicado seu livro “Poesia e Prosa”. Publicou em 1988 “Poemas Traduzidos de Baudelaire e Mallarmé”. No mesmo ano recebeu o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Dante Milano é um dos poetas representativos da terceira geração do Modernismo. Para o crítico David Arrigucci Jr., Milano, “como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos – lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido”.

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Thiago de Melo – Poesia – 16/12/23

Boa noite A fruta aberta Thiago de Melo ¹ Agora sei quem sou. Sou pouco, mas sei muito, porque sei o poder imenso que morava comigo, mas adormecido como um peixe grande no fundo escuro e silencioso do rio e que hoje é como uma árvore plantada bem alta no meio da minha vida. Agora sei as coisas como são. Sei porque a água escorre meiga e porque acalanto é o seu ruído na noite estrelada que se deita no chão da nova casa. Agora sei as coisas poderosas que valem dentro de um homem. Aprendi contigo, amada. Aprendi com a tua beleza, com a macia beleza de tuas mãos, teus longos dedos de pétalas de prata, a ternura oceânica do teu olhar, verde de todas as cores e sem nenhum horizonte; com a tua pele fresca e enluarada, a tua infância permanente, tua sabedoria fabulária brilhando distraída no teu rosto. Grandes coisas simples aprendi contigo, com o teu parentesco com os mitos mais terrestres, com as espigas douradas no vento, com as chuvas de verão e com as linhas da minha mão. Contigo aprendi que o amor reparte mas sobretudo acrescenta, e a cada instante mais aprendo com o teu jeito de andar pela cidade como se caminhasses de mãos dadas com o ar, com o teu gosto de erva molhada, com a luz dos teus dentes, tuas delicadezas secretas, a alegria do teu amor maravilhado, e com a tua voz radiosa que sai da tua boca inesperada como um arco-íris partindo ao meio e unindo os extremos da vida, e mostrando a verdade como uma fruta aberta.

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Sylvia Plath – Poesia – 13/12/23

Boa noite Canção de Amor da Jovem Louca Sylvia Plath¹ Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer (Acho que te criei no interior da minha mente) Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis, Entra a galope a arbitrária escuridão: Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro. Enfeitiçaste-me, em sonhos, para a cama, Cantaste-me para a loucura; beijaste-me para a insanidade. (Acho que te criei no interior de minha mente) Tomba Deus das alturas; abranda-se o fogo do inferno: Retiram-se os serafins e os homens de Satã: Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro. Imaginei que voltarias como prometeste Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome. (Acho que te criei no interior de minha mente) Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão Pelo menos, com a primavera, retornam com estrondo Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro: (Acho que te criei no interior de minha mente.) Tradução de Maria Luíza Nogueira ¹Sylvia Plath * Jamaica Plain, Massachusetts – 27 de outubro de 1932 + Primrose Hill, Londres – 11 de fevereiro de 1963

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Walter Benjamin – Poesia – 12/12/23

Boa noite. Como é que a Solidão Hei-de Ir Medindo? Walter Benjamin ¹ Como é que a solidão hei-de ir medindo? desse-me os golpes de uso inda esta dor um a um sua nudez a sobrepor que o ritmo sem nome a foi vestindo mas sofro agora o tempo nu saindo numa levada sem nenhum teor gasto caudal do meu rio interior nem chora o peito por mais gritos vindo Quando é que é novo ano na amargura quando volto a chegar-me à desventura que me faz falta em ocos dias vis. ah quando é que arde escura em cores febris à testa do ano como a vi na altura do agosto em chamas funda cicatriz? Walter Benjamin, in “Sonetos” Tradução de Vasco Graça Moura ¹ Walter Benedix Schönflies Benjamin + Berlim, Alemanha – 15 de julho de 1892 + Portbou, Espanha – 27 de setembro de 1940

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Yeats – Poesia – 10/12/23

Boa noite A canção do delirante Aengus Yeats¹ Eu fui para uma floresta de nogueiras, Porque minha mente estava inquieta, Eu colhi e limpei algumas nozes, E apanhei uma cereja, curvando o seu fino ramo; E, quando as claras mariposas estavam voando, Parecendo pequenas estrelas, flutuando erráticas, Eu lancei framboesas, como gotas, em um riacho E capturei uma pequena truta prateada. Quando eu a coloquei no chão E fui soprar para reativar as chamas, Alguma coisa moveu-se e eu pude ouvir, E, alguém me chamou pelo meu nome: Apareceu-me uma jovem, brilhando suavemente Com flores de maçãs nos cabelos Ela me chamou pelo meu nome e correu E desapareceu no ar, como um brilho mais forte. Talvez eu esteja cansado de vagar em meus caminhos Por tantas terras cheias de cavernas e colinas, Eu vou encontrar o lugar para onde ela se foi, E beijar seus lábios e segurar suas mãos; Caminharemos entre coloridas folhagens, E ficaremos juntos até o tempo do fim do tempo, colhendo As prateadas maçãs da lua, As douradas maçãs do sol. ¹William Butler Yeats * Dublin Irlanda – 13 de Junho de 1865 d.C + Boston, Usa – 28 de Janeiro de 1939 d.C Prêmio Nobel de Literatura em 1932

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Octavio Paz – Poesia – 09/12/23

Boa noite. Destino de poeta Octavio Paz¹ Palavras? Sim. De ar e perdidas no ar. Deixa que eu me perca entre palavras, deixa que eu seja o ar entre esses lábios, um sopro erramundo sem contornos, breve aroma que no ar se desvanece. Também a luz em si mesma se perde. (Trad. Haroldo de Campos) ¹Octavio Paz * Cidade do México, México – 31 de Março de 1914 d.C + Cidade do México, México – 20 de Abril de 1998 d.C

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Murilo Mendes – Poesia – 07/12/23

Boa noite O fósforo Murilo Mendes ¹ Acendendo um fósforo acendeu Prometeu, o futuro, a liquidação dos falsos deuses, o trabalho do homem. O fósforo: tão radioso quanto secreto. Furioso, deli- cado. Encolhe-se no seu casulo marrom; mas quando chamado e provocado, polêmico estoura, esclarecendo tudo. O século é polêmico. O gás não funciona hoje. Temos greve dos gasistas. A Itália tornou-se a Grevelândia. Mas preferimos essa semi-anarquia à “ordem” fascista. O fósforo, hoje em férias, espera paciente no seu casulo o dia de amanhã desprovido de greves. O dia racional, o dia do entendimento universal, o dia do mundo sem classes, o dia de Prometeu totalizado. O fósforo é o portador mais antigo da tradição viva. Eu sou pela tradição viva, capaz de acompanhar a correnteza da modernidade. Que riquezas poderosas extraio dela! Subscrevo a grande palavra de Jaures: “De l’autel des ancêtres on doit garder non les cendres mais le feu.” ¹ Murilo Monteiro Mendes * Juiz de Fora, MG – 13 de maio de 1901 + Lisboa, Portugal – 13 de agosto de 1975 Poeta brasileiro, expoente do modernismo brasileiro.

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Bernardo Atxaga – Poesia – 08/12/23

Boa noite. A vida é a vida Bernardo Atxaga¹ A vida é a vida, não as suas consequências. Não a casa sólida construída no topo de uma montanha, ou as taças e as medalhas banhadas a ouro amontoadas nas suas prateleiras. A vida não é isso. A vida é a vida. Não as viagens até cidades longínquas ou as crianças, homens e mulheres nelas mal ou esplendidamente fotografadas. A vida não é isso. A vida é a vida. Não a chuva no telhado, ou o granizo nas janelas, ou a neve, ou a lua silenciosa, ou a luz, tão magnífica, dourada no Verão e prateada no Inverno. A vida não é isso. A vida é a vida. Não a mulher ou o homem que te sussurram ao ouvido, não os nossos pais, ou filhos, não os nossos irmãos A vida não é nada disso. A vida é a vida. ¹ Joseba Irazu Garmendia * Asteasu, Espanha – 27 de julho de 1951

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