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Carol Ann Duffy – Poesia – 05/04/24

Boa noite. Namorada Carol Ann Duffy ¹ Não uma rosa vermelha ou um coração de cetim. Ofereço-te uma cebola. É uma lua embrulhada em papel castanho. Promete luz tal como o cuidadoso desnudamento do amor. Aqui. Vai cegar-te com lágrimas tal como um amante. Vai fazer do teu reflexo uma fotografia tremida de dor. Tento ser verdadeira. Não uma carta engraçada ou uma quantidade de beijos. Ofereço-te uma cebola. Os seus beijos violentos permanecerão nos teus lábios, possessivos e fiéis como nós somos, enquanto continuarmos a ser. Aceita-a. Se o desejares os seus anéis de platina servem de alianças. Letais. O seu cheiro vai agarrar-se aos teus dedos, agarrar-se à tua faca. ¹ Carol Ann Duffy * Glasgow, Escócia – 23 de dezembro de 1955 d.C

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Octavio Paz – Poesia – 03/04/24

Boa noite Escrito com tinta verde Octavio Paz¹ A tinta verde cria jardins, selvas, prados, folhagens onde gorjeiam letras, palavras que são árvores, frases de verdes constelações. Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram como uma chuva de folhas a um campo de neve, como a hera à estátua, como a tinta a esta página. Braços, cintura, colo, seios, fronte pura como o mar, nuca de bosque no outono, dentes que mordem um talo de grama. Teu corpo se constela de signos verdes, renovos num corpo de árvore. Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa: olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas. (Trad. Haroldo de Campos) ¹Octavio Paz * Cidade do México, México – 31 de Março de 1914 d.C + Cidade do México, México – 20 de Abril de 1998 d.C

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Alfonsina Storni – Poesia – 30/03/24

Boa noite A carícia perdida Alfonsina Storni¹ Sai-me dos dedos a carícia sem causa, Sai-me dos dedos… No vento, ao passar, A carícia que vaga sem destino nem fim, A carícia perdida, quem a recolherá? Posso amar esta noite com piedade infinita, Posso amar ao primeiro que conseguir chegar. Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos. A carícia perdida, andará… andará… Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante, Se estremece os ramos um doce suspirar, Se te aperta os dedos uma mão pequena Que te toma e te deixa, que te engana e se vai. Se não vês essa mão, nem essa boca que beija, Se é o ar quem tece a ilusão de beijar, Ah, viajante, que tens como o céu os olhos, No vento fundida, me reconhecerás. Tradução de Carlos Seabra ¹Alfonsina Storni * Sala Capriasca, Suíça 29 de maio de 1892 d.C + Mar del Plata, Argentina; 25 de outubro de 1938 d.C

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Gito Minore – Poesia – 29/03/24

Boa noite. Mar Abierto¹ Gito Minore² Sobre tu piel naufragan restos mortales de antiguos dolores. El mérito de este pirata recaerá en la habilidad de reciclar los viejos trastos para navegarte con incierta elegancia, o bien, en empeñar las últimas balas derrivando los arcaicos vestigios y, una vez, sin horizontes nadar a la deriva tu mar abierto. ¹Não ousei traduzir. ²Gito Minore * Buenos Aires, Argentina – 24 de Abril de 1974 Publicou seu primeiro livro de poesias “Emociones Alternas” em 1995, depois disso publicou outros livros de poesias todos de forma independente. Participa desde 1994 de diversas publicações culturais com poemas, contos e artigos. Em 2002 lançou seu primeiro CD, uma obra musical que inclui 12 dos poemas de seu livro “Fuego en el Pecho”.

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Brecht – Poesia – 26/03/24

Boa noite Na morte de um combatente da paz Brecht¹ Aquele que não cedeu Foi abatido O que foi abatido Não cedeu. A boca do que preveniu Está cheia de terra. A aventura sangrenta Começa. O túmulo do amigo da paz É pisoteado por batalhões. Então a luta foi em vão? Quando é abatido o que não lutou só O inimigo Ainda não venceu. ¹Eugen Berthold Friedrich Brecht * Augsburg, Alemanha – 10 de Fevereiro de 1898 + Berlim, Alemanha – 14 de Agosto de 1955

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Omar Khayyam – Poesia – 18/03/24

Boa noite Rubaiyat (extrato) Omar Khayyam¹ Noite, silêncio, folhas imóveis; imóvel o meu pensamento. Onde estás, tu que me ofereceste a taça? Hoje caiu a primeira pétala. Eu sei, uma rosa não murcha perto de quem tu agora sacias a sede; mas sentes a falta do prazer que eu soube te dar, e que te fez desfalecer. Acorda… e olha como o sol em seu regresso vai apagando as estrelas do campo da noite; do mesmo modo ele vai desvanecer as grandes luzes da soberba torre do Sultão. ¹Ghiyath Al Din Abul Fateh Omar Ibn Ibrahim Al Khayyam * Nishapur, Pérsia – 18 de maio de 1048 d.C + 4 de dezembro de 1131 d.C

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Masao Kato – Poesia – 17/03/24

Boa noite Para Mônica em quimono, no seu quinto aniversário Masao Kato¹ Como cantar beleza assim tão rara? Vendo-te – a mais formosa entre as formosas – adivinho-te o corpo, a carne clara, no quimono de curvas caprichosas. Com suas cores suaves, harmoniosas, listrado em tons que alguém jamais sonhara: ofusca, em Maio, as cores mais verdosas, com seu frescor que a nada se compara. Nele, teu porte sempre calmo e nobre dá-te ao gesto e às feições toda a expressão: é um símbolo da graça que te cobre com o fascínio da velha tradição! Desejo-te hoje: o sonho já colhido, e o canto da beleza em teu ouvido! Trad. do inglês, de Luís Antônio Pimentel ¹Masao Kato Nota do editor Tomei conhecimento da nova poesia contemporânea do Japão, através de uma coletânea feita por J.G de Araújo Jorge, no livro ” Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”. Não disponho de dados biográficos desse poeta japonês.

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Manuel Alegre – Poesia – 14/03/24

Boa noite. Gostava de morar na tua pele Manuel Alegre¹ Gostava de morar na tua pele desintegrar-me em ti e reintegrar-me não este exílio escrito no papel por não poder ser carne em tua carne. Gostava de fazer o que tu queres ser alma em tua alma em um só corpo não o perto e o distante entre dois seres não este haver sempre um e sempre o outro. Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém seremos sempre dois sendo só um. Por isso esta ferida que faz bem este prazer que dói como outro algum e este estar-se tão dentro e sempre aquém. ¹Manuel Alegre de Melo Duarte *Águeda, Portugal – 12 de maio de 1936

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Severo Sarduy – Poesia – /03/24

Boa noite Poema Severo Sarduy Uma lâmpada Um copo. Uma garrafa. Sem outra utilidade ou pertinência que estar ali, que dar à consciência um casual pretexto, mas não grafa o traço humano que ora inflama, abafa a luz ou que ali beba. Em tudo a ausência: paredes que, caiadas, dão ciência que ali ninguém repousa ou se estafa. Somente é familiar a luz acesa que põe sobre a toalhaposta à mesa a sombra que se alarga: o dia que do tempo o passo segue em sua vaga irrealidade. A tarde já se apaga. Abraçam-se os objetos: sentem medo.

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