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T.S. Eliot – Poesia – 11/06/24

Boa noite. Retrato de uma dama-III T.S. Eliot¹ Cai a noite de Outubro; regressando como outrora, Excepto por uma leve sensação de estar inquieto, Galgo os degraus e giro a maçaneta da porta E sinto como se houvesse subido de quatro as escadas. “Com que então viajas? E quando voltas? Ora, que pergunta mais tola! Dificilmente o saberias. Hás de achar muito o que aprender lá fora.” Caiu-me lento o sorriso entre objetos antigos. “Poderás talvez escrever-me?” Por um segundo subiu-me o sangue à cabeça Como se assim eu calculasse este momento. “Tenho-me surpreendido com frequência ultimamente (Mas nossos princípios ignoram sempre nossos fins!) Por jamais nos havermos tornado amigos.” Senti-me como quem sorrisse, e ao voltar percebi, De repente, sua vítrea expressão. Perdi todo o controle; e em trevas na verdade mergulhamos. “Eu disse o mesmo para todos, todos os nossos amigos, Estavam todos certos de que nossos sentimentos Poderiam conjugar-se tão intimamente! Eu mesma dificilmente o entendo. Deixemos que isto fique agora à sua sorte. Escreverás, de quando em vez. E talvez nem demores tanto a fazê-lo. Estarei sentada aqui, servindo chá aos amigos.” E devo então trocar de forma a cada instante Para dar-lhe afinal uma expressão… dançar, dançar Como faria um urso bailarino, Tagarelar como um papagaio, rilhar os dentes como um bugio. Respiremos um pouco, no torpor de uma tragada. Bem! E se ela morresse numa tarde qualquer, Numa tarde enevoada e cinzenta, num encardido e róseo crepúsculo; Se ela morresse e me deixasse aqui sentado, a caneta entre os dedos. A névoa a cair sobre os telhados; Por um momento me perco em dúvidas, Já que não sei o que sentir ou se o entendo, Se sou um sábio ou simplesmente um tolo, cedo ou tarde… Não colheria ela algum lucro, afinal? Essa melodia culmina com uma “agonia de outono” E já que aqui falamos de agonia — Algum direito a sorrir eu teria? ¹Thomas Stearns Eliot * Nuneaton, Reino Unido – 22 de novembro de 1819 + Chelsea, Londres, Reino Unido – 22 de dezembro de 1880

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Cláudio Manuel da Costa – Poesia – 05/06/24

Boa noite Daliana Cláudio Manuel da Costa ¹ Formosa é Daliana; o seu cabelo, A testa, a sobrancelha é peregrina; Mas nada tem, que ver coa bela Eulina, Que é todo o meu amor, o meu desvê-lo: Parece escura a nove em paralelo Da sua branca face; onde a bonina As cores misturou na cor mais fina, Que faz sobressair seu rosto belo. Tanto os seus lindos olhos enamoram, Que arrebatados, como em doce encanto, Os que a chegam a ver, todos a adoram. Se alguém disser, que a engrandeço tanto Veia, para desculpa dos que choram Veja a Eulina; e então suspenda o pranto. ¹ Cláudio Manuel da Costa * Mariana, MG. – 05 de Junho de 1729 d.C + Ouro Preto, MG. – 04 de Julho de 1789 d.C

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Dylan Thomas – Poesia – 03/06/24

Boa noite Este lado da verdade Para Llewly Dylan Thomas ¹ Este lado da verdade, Meu filho, tu não podes ver, Rei de teus olhos azuis No país que cega a tua juventude, Que está todo por fazer, Sob os céus indiferentes Da culpa e da inocência Antes que tentes um único gesto Com a cabeça e o coração, Tudo estará reunido e disperso Nas trevas tortuosas Como o pó dos mortos. O bom e o mau, duas maneiras De caminhar em tua morte Entre as triturantes ondas do mar, Rei de teu coração nos dias cegos, Se dissipam com a respiração, Vão chorando através de ti e de mim tradução: Ivan Junqueira ¹ Dylan Marlais Thomas * Swansea, País de Gales – 27 de Outubro de 1914 d.C + Swansea, País de Gales – 30 Maio 1953 d.C

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Mario Benedetti – Poesia – 28/05/24

Boa noite. Ontem Mario Benedetti ¹ Ontem passou o passado lentamente com sua vacilação definitiva sabendo-te infeliz à deriva com tuas dúvidas estampadas na testa. Ontem passou o passado pela ponte e levou tua liberdade prisioneira trocando seu silêncio em carne viva por teus leves alarmes de inocente. Ontem passou o passado com sua história e sua desfiada incerteza Foi fazendo da dor um costume semeando de fracassos tua memória ¹ Mario Benedetti * Paso de los Toros, Uruguai – 14 de setembro de 1920 d.C + Montevidéu, Uruguai – 17 de maio de 2009 d.C

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Yeats – Poesia – 23/05/24

Boa noite. O prazer do difícil Yeats ¹ O prazer do difícil tem secado A seiva em minhas veias. A alegria Espontânea se foi. O fogo esfria No coração. Algo mantém cerceado Meu potro, como se o divino passo Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço, Sob o chicote, trêmulo, prostrado, E carregasse pedras. Diabos levem As peças de teatro que se escrevem Com cinqüenta montagens e cenários, O mundo de patifes e de otários, E a guerra cotidiana com seu gado, Afazer de teatro, afã de gente, Juro que antes que a aurora se apresente Eu descubro a cancela e abro o cadeado. Tradução: Augusto de Campos ¹ William Butler Yeats * Dublin, Irlanda – 13 de Junho de 1865 d.C + Menton, França – 28 de Janeiro de 1939 d.C

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Louise Labé – Poesia – 22/05/24

Boa noite Soneto Louise Labé Traducão de Sergio Duarte Nem heróis como Ulisses e outros mais Por mais sagazes e por mais divinos Cheios de graça e louros peregrinos Desafios provaram aos meus iguais. Brilho desses olhos tão sensuais Tanto inflamou meus sonhos femininos Que para meus ardores repentinos Não há remédio, se vós não m’o dais. Ó dura sorte, que me faz igual A quem pede socorro ao escorpião Contra o veneno do mesmo animal. Só peço que não me venha a fenecer Esse desejo no meu coração Porque, sem ele, é bem melhor morrer. Três mulheres apaixonadas,Companhia das Letras, 1999 -SP, Brasil ¹ Louïze Charly Labé * Lyon, França – 1526 d.C + Parcieux-en-Dombes, França – 15 de Fevereiro de 1566 d.C

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Aíla Sampaio – Poesia – 14/05/24

Boa noite. Despedida Aíla Sampaio¹ Desfiz as malas e a viagem. É longe demais o teu destino para quem tem pressa Sigo outra rota, vou por outro caminho o amanhã não existe a não ser no desejo de continuar a estrada que dá no presente com suas curvas e abismos É hoje o momento. É agora o lugar. Se não vens, vou sozinha: a carne de que é feito o tempo é perecível como a armadura do corpo já não posso esperar ¹ Aíla Sampaio Poetisa e Mestra em Literatura Professora da Unifor – Universidade de Fortaleza, Ceará

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Apollinaire – Poesia – 11/05/24

Boa noite Melancolia Apollinaire ¹ Os anjos no céu Um está vestido de oficial Um está vestido de cozinheiro E os outros cantam Belo oficial cor do céu A doce primavera longo tempo após o Natal Te dará a medalha de um belo sol De um belo sol O cozinheiro depena os gansos Ah! caia neve Caia e por que não tenho Minha bem-amada entre os braços? ¹ Wilhelm Albert Vladimir Apollinaris de Kostrowitzky * Roma, Itália – 26 de Agosto 1880 d.C + Paris, França – 9 de Novembro 1918 d.C

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Georg Trakl – Poesia – 10/05/24

Boa noite Calma e Silêncio Georg Trakl Pastores enterraram o sol na floresta nua. Um pescador puxou a lua Do lago gelado em áspera rede. No cristal azul Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas; Ou curva a cabeça em sono purpúreo. Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros Ao observador, santidade de flores azuis. O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados. De novo a fronte anoitece em pedra lunar; Um rapaz irradiante Surge a irmã em outono e negra decomposição. Tradução: Cláudia Cavalcante ¹Georg Trakl * Salzburgo, Áustria, 3 de Fevereiro de 1887 d.C Georg Trakl tornou-se, através dos poemas escritos sobretudo nos seus dois últimos anos, o maior dos expressionistas e um poeta de exceção que, estabelecendo o nexo entre a loucura de Höelderlin e o desespero de Paul Celan, tem sido cultuado quase secretamente por um sem número de leitores devotos.

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Garcia Lorca – Poesia – 07/06/24

Boa noite Poema Garcia Lorca¹ Tenho muito medo das folhas mortas, medo dos prados cheios de orvalho. Eu vou dormir; se não me despertas, deixarei a teu lado meu coração frio. O que é isso que soa bem longe? Amor. O vento nas vidraças, amor meu! Pus em ti colares com gemas de aurora. Por que me abandonas neste caminho? Se vais muito longe, meu pássaro chora e a verde vinha não dará seu vinho. O que é isso que soa bem longe? Amor. O vento nas vidraças, amor meu! Nunca saberás, esfinge de neve, o muito que eu haveria de te querer essas madrugadas quando chove e no ramo seco se desfaz o ninho. O que é isso que soa bem longe? Amor. O vento nas vidraças, amor meu! ¹Federico Garcia Lorca Poeta e Dramaturgo * Granada, Espanha – 5 Junho 1898 d.C. + Granada, Espanha – 1937 d.C. Fuzilado durante a Guerra Civil espanhola a mando do General Francisco Franco, que implantou a ditadura na Espanha em 1939.

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