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Os segredos do poder de manipulação

Em geral, nós gostamos da ideia de sermos donos de nossas próprias escolhas. Mas será que somos mesmo? Jay Olson, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, acredita que não. “O que a Psicologia está descobrindo cada vez mais é que muitas decisões que tomamos são influenciadas por fatores dos quais não temos consciência”, explica. Recentemente, Olson desenvolveu um engenhoso experimento que demonstra como é fácil manipular alguém mesmo com uma persuasão quase imperceptível. Praticante de truques de mágica desde os 7 anos, Olson notou, quando começou a estudar Psicologia, que muito do que aprendia sobre a mente humana casava com aquilo que seu hobby já o tinha ensinado, principalmente no que se refere à atenção e à memória. Questão de segundos O toque e o contato visual são maneiras de fazer alguém baixar a guarda Em seu mestrado, ele realizou vários truques com voluntários, mas um em particular o ajudou a concluir fatos importantes sobre a influência e a persuasão. A mágica consiste em rapidamente manipular um baralho na frente de um voluntário e depois pedir para que ele escolha uma carta qualquer. O ilusionista, então, tira uma carta idêntica de seu bolso – para a surpresa e deleite da plateia. O segredo do mágico é já escolher ele mesmo uma carta e passar alguns milésimos de segundo a mais com ela na mão enquanto o baralho é manipulado. Isso influencia o voluntário a pegar justamente aquela carta. Olson percebeu que conseguiu direcionar 103 de 105 participantes. Mas foi a segunda parte da experiência que mais surpreendeu o psicólogo. Quando interrogou os voluntários depois, viu que 92% deles não tinham ideia de que estavam sendo manipulados e acharam que estavam no total controle de suas próprias decisões. O pesquisador também descobriu que aspectos como a personalidade do voluntário não tinham relação com o quanto ele pode ser influenciado – todos pareciam igualmente vulneráveis. Mensagens sutis Experimento mostrou que clientes compraram mais vinhos franceses ao ouvir música francesa As implicações dessa experiência vão muito além do palco e deveriam servir para reconsiderarmos nossas percepções sobre nossa vontade própria. Apesar de termos uma grande sensação de liberdade, nossa capacidade de tomar decisões deliberadas pode ser uma ilusão. “A liberdade de escolha é só um sentimento – não está ligada à decisão em si”, afirma Olson. Não acredita nele? Lembre-se quando você for a um restaurante. Segundo Olson, o cliente tem mais chances de pedir o prato que está no topo ou na parte de baixo do cardápio porque essas são as áreas que mais atraem o olhar. “Mas se alguém perguntar o porquê da sua escolha, você dirá que está com vontade de comer aquilo, sem perceber que o restaurante deu uma forcinha”, diz. A psicóloga Jennifer McKendrick, da Universidade de Leicester, na Grã-Bretanha, concluiu, em um estudo, que o simples fato de um supermercado tocar uma música ambiente francesa ou alemã fazia as pessoas comprarem vinhos desses países. Segundo membros da campanha de Al Gore à Presidência dos Estados Unidos em 2000, seus rivais republicanos faziam a palavra “RATS” (“ratazanas”) aparecer por milésimos de segundos em anúncios que traziam imagens do democrata, o que teria espantado muitos de seus eleitores. O psicólogo Drew Westen, da Emory University, em Atlanta, criou um candidato fictício e inseriu a suposta mensagem subliminar em seus anúncios, notando que voluntários o avaliavam negativamente. Outra experiência mostrou ainda que representantes de vendas por telefone registraram uma performance melhor apenas por ter visto a foto de um atleta ganhando uma corrida – mesmo sem se lembrarem dela depois. Como perceber a manipulação Fazer uma ideia sua parecer de outra pessoa também é uma maneira de influenciar Evidentemente, esse tipo de conhecimento pode ser usado para a coerção se cair nas mãos erradas. Por isso, é importante saber quando outras pessoas estão tentando convencê-lo de algo sem que você perceba. Com base em artigos científicos, aqui estão quatro atitudes manipuladoras fáceis de identificar: 1 – O poder do toque Um tapinha nas costas seguido por um contato visual pode levar uma pessoa a baixar mais a guarda. É uma técnica que Olson usa em seus truques, mas que pode funcionar no cotidiano. 2 – A velocidade da fala Olson diz que mágicos sempre tentam apressar seus voluntários para que eles escolham a primeira coisa que vem à sua mente – em geral a ideia que ele plantou. Uma vez que a pessoa fez sua opção, o performer passa a falar de maneira mais relaxada. Ao se lembrar da experiência, o voluntário tende a pensar que o tempo todo foi livre para tomar suas próprias decisões, em seu ritmo. 3 – Atenção a seu campo de visão Ao passar mais tempo manipulando uma determinada carta de baralho, Olson a torna mais “saliente”, fazendo-a se fixar na mente do voluntário sem que este perceba. Há muitas outras maneiras de fazer coisas semelhantes: colocar um objeto na linha do olhar da outra pessoa ou mover algo ligeiramente mais perto de um alvo, por exemplo. Pelos mesmos motivos, acabamos escolhendo a primeira coisa que nos é oferecida. 4 – Algumas perguntas plantam ideias Quando alguém faz uma sugestão e pergunta aos demais coisas como “Por que você acha que isso é uma boa ideia?” ou “Na sua opinião, quais as vantagens disso?”, está, na realidade, deixando os outros se convencerem a respeito de certas questões por conta própria. Pode parecer óbvio, mas fazer com que as pessoas reflitam a partir de ideias embutidas nas perguntas significa que elas ficarão mais confiantes em tomar decisões de longo prazo – mesmo não tendo sido ideia delas. BBC/David Robson

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Venezuela, esgoto e lixo

Os garimpeiros do esgoto de Caracas Triste espetáculo: busca por joias no Guaire, onde deságua o arcaico sistema de esgoto de Caracas Desesperados, dezenas de venezuelanos passam o dia em meio ao lixo de riachos fétidos da capital, em busca de algo de valor que possa lhes ajudar a sobreviver à grave crise econômica que o país atravessa. Jorge segue um meticuloso sistema de mineração. Acompanhado pelo irmão e outros dois amigos, inicia o processo de busca pelos metais preciosos recolhendo resíduos do leito do rio. Conhecidos como “garimpeiros dos esgotos”, esse caraquenhos, em geral homens, passam o dia a buscar restos de metais preciosos das joias que se perdem nos banheiros das áreas mais ricas da cidade. “Aqui há de tudo, ouro, prata, cobre, às vezes achamos até joias inteiras”, conta Jorge Muñoz, de 22 anos, um jovem da periferia de Caracas que passa boa parte de seu tempo no rio Guaire, a poucos quilômetros do Palácio Miraflores, sede do governo venezuelano e de onde o presidente Nicolás Maduro despacha diariamente. São quilos e quilos de um material escuro, que reúne desde simples pedaços de garrafas plásticas, borracha, pedras e até elementos orgânicos que ele prefere não saber exatamente do que se trata. “Na época de poucas chuvas podemos ter companhias mal cheirosas aqui, é nojento, mas faz parte desse trabalho”, conta. O triste espetáculo de dezenas, às vezes centenas, de pessoas tateando o fundo dos riachos que recebem o esgoto em natura da cidade em busca de algo de valor soma-se agora às cenas de famílias inteiras buscando comida em lixeiras ou amontoados de dejetos nas ruas de Caracas. Desesperados diante de uma crise econômica sem precedentes, os venezuelanos estão buscando no lixo e no esgoto saídas para sobreviver a uma escassez crescente de alimentos e a uma hiperinflação que rompeu a barreia dos 2000% no último ano. Um saco de batatas serve como peneira para o material coletado no leito do rio O Guaire é o principal rio de Caracas e corta a cidade de ponta a ponta. Nele deságua não só estrutura de captação das águas fluviais, assim como o arcaico sistema de esgoto da cidade, em sua maior parte sem tratamento. Praticamente tudo que desce pelos ralos, pias e, o pior, vasos sanitários desta cidade de quase dois milhões de pessoas vai dar no Guaire. Sujo e fétido na maior parte do tempo, o riacho mais se parece com um canal de esgoto ao ar livre cortando a capital da Venezuela. Promessas de sua revitalização e da implantação de um sistema de captação e tratamento dos dejetos vêm se repetindo governo a governo. É exatamente por conta da filtragem quase nula do esgoto que tanta gente passa os dias a buscar algo de valor em seu leito. Javier Muñoz, de 17 anos, que acompanha o irmão Jorge no garimpo, diz que ali, perto do Miraflores, é possível encontrar de tudo. O mais comum são pedaços de joias que se partiram na longa viagem entre o banheiro de uma casa de classe média até o leito do riacho. Mas, às vezes, diz ele, vem a sorte grande. “Esse ano mesmo nós encontramos pelo menos umas três alianças de ouro maciço. Ganhamos um dinheirão”, conta o jovem, que não concluiu o segundo grau e não pensa em largar a vida de garimpeiro do esgoto tão cedo. “Olha, o soldo mínimo nesse país está 750 mil bolívares (algo como US$ 3 no câmbio de 29 de janeiro). Em uma semana normal eu faço sozinho três vezes isso ou mais”, diz ele, explicando a razão porque tanta gente se arrisca nas águas sujas do riacho todos os dias. O que restou na peneira é examinado meticulosamente pelos “mineiros do esgoto” em busca de algum metal precioso A moeda nacional venezuelana, o Bolívar, passa por um processo de desvalorização absolutamente sem controle. Só neste ano já perdeu 56% de seu valor diante do dólar. No acumulado dos últimos 12 meses, desvalorizou quase 99%. Com tamanha fragilidade, a única maneira de não perder dinheiro é investindo em ativos menos voláteis, como dólar e ouro. Como o comércio de moeda americana no país é monopólio do Estado, há escassez de dólar no mercado. Com isso, o mercado de ouro se mantém continuamente aquecido. Nem Javier, nem Jorge ou qualquer outro garimpeiro do esgoto tem dificuldades em vender qualquer mínima peça que encontre. “Nós compramos até um décimo de grama, tanto de ouro quanto de prata”, diz Pedro Ortega, sócio de uma das centenas de casas de compra e venda de ouro em Caracas. “O mercado está aquecido porque muita gente está se desfazendo de suas joias, a situação está muito difícil para todos”, conta ele. “Por outro lado, quem consegue dinheiro quer se desfazer o mais rápido do possível dos bolívares, ninguém quer ficar com eles com uma inflação como essa”. Além do cheiro e da sujeira, o Guaire também é um depósito de bactérias, parasitas e outros potenciais riscos à saúde humana. De acordo com infectologistas venezuelanos da Universidade Central de Caracas, autora de um estudo sobre as condições do rio, há grandes chances de contaminação por leptospirose, hepatite e outras enfermidades graves. Jorge e Javier garantem jamais terem ficado doentes por passar o dia enfiados no Guaire. O único problema, dizem eles, é quando se machucam com algum pedaço de vidro ou metal. “Aí realmente demora a fica bom, fica infeccionado, mas nosso corpo já está acostumado, somos fortes”, diz Jorge, pouco antes de enfiar a cabeça dentro das águas fedorentas do Guaire em busca de algum pedaço de metal vindo do banheiro de algum vizinho do presidente Maduro. WD

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O melhor texto sobre democracia publicado ns últimos tempos

Reflexão terrestre sobre a democracia por Augusto de Franco/Dagobah Na reflexão terrestre sobre a democracia vimos que “alguns acham que a democracia é assim como um tipo de construção ideológica, que depende de um corpo de crenças teoricamente articulado e do qual se possa inferir consequências. Eles têm uma apreensão cognitivista – e não interativista – da democracia. Superavit de Platão ou deficit de Protágoras”. Isso precisa ser desenvolvido e melhor explicado. A opção pela democracia não exige a adesão a um corpo de crenças como filtro para transformar caos em ordem, mas em uma ordem estabelecida pregressamente ou antes da interação propriamente política – transcendente, natural ou imanente: seja porque estaria de acordo com desígnios extra-humanos já estabelecidos (supra-humanos ou sobre-naturais) por uma ordem pré-existente, seja porque derivaria da natureza, seja porque se sintonizaria com a marcha da história ou com suas leis. Este parágrafo é muito sintético, mas provavelmente contém tudo (ou quase). Ou seja, nada de transcendente, natural ou imanente. Em outras palavras: 1) nada de visão esotérica ou religiosa; 2) nada de visão liberal-econômica (segundo a qual existiria algo como uma natureza humana: e. g., a hipótese de que o ser humano – tomado como indivíduo – seria inerentemente ou por natureza (?) competitivo e faria escolhas racionais buscando sempre maximizar a satisfação dos seus interesses ou preferências, ao fim e ao cabo egotistas); e 3) nada de visão determinística (baseada em alguma imanência: a história grávida que vomitaria – por meio das ações humanas – um sentido já existente antes que os seres humanos escolhessem um caminho ou simplesmente fossem para onde querem ir ou não. DEUS, NATUREZA E HISTÓRIA Se essas noções – Deus, Natureza e História – forem reificadas para fornecer à política alguma razão, não estamos mais no terreno da política propriamente dita, quer dizer, da democracia (tal como a conceberam ou experimentaram – no caso é a mesma coisa – os democratas atenienses). É por isso que o único sentido compatível com a democracia que se pode atribuir à política é a liberdade. Do ponto de vista da democracia, liberdade significa que Deus não é capaz de dar nenhum sentido à política, a Natureza (seja o que for) também não é capaz de dar nenhum sentido à política e, ainda, que a História também não é capaz de dar nenhum sentido à política. Deus A adesão confessional ou teologal à uma potência extra-humana (como fazem as filosofias religiosas ou teosóficas) capaz de intervir nos assuntos coletivos humanos (ou, mais exatamente, sociais) não pode fornecer uma razão para a política e é por isso que povos como os hebreus (a turba dos hapirus, quer dizer, dos sem-reino que invadiram ou se insurgiram em Canaã na primeira metade do primeiro milênio AEC), que acreditavam num plano divino para a humanidade (ou para o seu próprio povo, tomado como povo de um deus: o seu deus IHVH), mesmo tendo todas as condições objetivas para inventar a democracia (basta ler os relatos da Assembléia de Siquém e Samuel 8), não o fizeram. Isso não tem a ver propriamente com acreditar em deuses (ou em um deus) e sim com contar com esses deuses (ou deus) para intervir nos conflitos humanos, para regular esses conflitos ou para resolver os dilemas da ação coletiva. Os democratas atenienses não aboliram os deuses (da cidade), pelo contrário: conviveram com eles, mas sem deles esperar nada além da proteção ao funcionamento das suas instituições democráticas nascentes (como o Zeus Agoraios, nume tutelar das conversações na praça do mercado) e de inspiração para as práticas (e procedimentos) democráticos que experimentavam (como a deusa Peitho, a persuasão deificada). Mas eles não substituíram essas instituições e práticas pela intervenção sobre-humana ou sobre-natural (dos seus deuses). Se há deuses (ou um deus) que intervem nos assuntos propriamente humanos (quer dizer, na rede social), então para nada serve a política como modo de auto-regulação ou de comum-regulação (e nem ela teria surgido no entre-os-humanos, já que o Zoon Politikon – o animal político – é uma invenção de Aristóteles incompatível com a democracia), como uma forma específica de interação (a política). Onde há deuses (ou um deus) intervindo, não pode haver lugar para a liberdade, que é sempre a liberdade de ser infiel a um desígnio, de não seguir um plano (já traçado por qualquer potência humana ou extra-humana), de não se conformar a uma ordem (preexistente, ex ante à interação). Deuses (ou um deus) podem existir, desde que não nos obriguem a ser fiéis a eles (ou a ele) ou aos seus desideratos. A democracia é coisa de kafirs (e por isso lhe é tão avessa a cultura islâmica), é uma desobediência ao que já está disposto, à obrigação de seguir um rumo: porque a liberdade é, fundamentalmente, poder sempre escolher um novo rumo e mudar de rumo, ou melhor, poder não ter rumo, como disse o poeta – Manoel de Barros (2010), em Menino do Mato – “Livre, livre é quem não tem rumo”. Se há uma ordem, uma hierarquia, uma fraternidade ou sociedade encarregada de conduzir ou orientar coletividades humanas (grupos, cidades, nações, povos) em uma determinada direção, para cumprir algum plano cósmico (engendrado ou não por um deus que apenas quer se reconhecer no espelho da existência ou por vários deuses ou, ainda, por seres superiores não-humanos, autóctones ou alienígenas, do passado, do presente ou vindos do futuro), é a mesma coisa. Todas essas visões esotéricas levam à autocracia, não à democracia. Pois como alguém, na condição humana, poderia ser infiel à vontade ou às leis estabelecidas por esses seres superiores sem violar algum tipo de moral? E como os direitos humanos poderiam se equiparar (ou se contrastar) aos direitos desses seres mais evoluídos ou melhores, mais puros ou mais perfeitos? Quando Ésquilo (472 AEC), em Os Persas, escreveu que os atenienses (democráticos) “não são escravos nem súditos de ninguém”, ele estava dizendo que eles (como povo, quer dizer, coletivamente) não eram escravos nem súditos de ninguém mesmo: nem de humanos, nem de deuses. E, poderíamos acrescentar, nem de leis naturais. Isso nos leva ao próximo ponto.

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Adolescentes e redes sociais

Caso de condenado por estuprar garotas em Porto Alegre serve de alerta. Róger da Silva Pires, 20 anos, preso e condenado por estupros, extorsões e ameaças que envolveu meninas entre 12 e 15 anosReprodução / Agencia RBS Ministério Público (MP) divulga resultados de apuração para chamar atenção ao Dia Mundial da Internet Segura Ocultado pela naturalidade e inocência típicas de crianças e adolescentes que buscam fazer o máximo de amigos em grupos nas redes sociais está um risco sorrateiro que não para de fazer vítimas: o do abuso sexual. Na véspera do Dia Mundial da Internet Segura (6 de fevereiro), o Ministério Público Estadual divulga os resultados da apuração de uma série de estupros, extorsões e ameaças que envolveu garotas entre 12 e 15 anos em Porto Alegre. O autor, Róger da Silva Pires, 20 anos, foi preso e condenado e, nos últimos meses, teve as condenações confirmadas pelo Tribunal de Justiça em um total de 42 anos de prisão — a Defensoria Pública, que representou o réu nos processos, avalia a possibilidade de recorrer. — É uma pena exemplar, não só para fins de punição, mas para que a sociedade saiba que esse tipo de crime (com uso da internet) tem, sim, punição. É muito alto o risco que os adolescentes têm. Há pesquisa que mostra o Brasil como o país com maior vulnerabilidade de crianças e adolescentes online. No Brasil, ainda estamos começando a responsabilizar os crimes que ocorrem via internet. Esse caso foi um divisor — diz a promotora Denise Villela, coordenadora do Centro de Apoio da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do MP. O terror imposto por Pires a suas vítimas adolescentes começou em meio a brincadeiras de amigos, passeios em shopping e parques e muita, muita conversa em aplicativos do celular e por meio do Facebook. Enturmado com jovens de classe média e média alta por dar aulas de tênis e treinar no Parque Germânia, Pires conseguia se inserir em grupos de WhatsApp e, então, passava a escolher suas vítimas. Ele foi preso em ação da Polícia Civil e do Ministério Público em 2016 e condenado por crimes contra cinco adolescentes cometidos entre 2015 e 2016. O MP acredita que pode ter havido mais casos. Usando pelo menos três aparelhos de telefone e 18 diferentes chips (apreendidos na operação), Pires, então com 18 anos, criava falsos perfis nas redes para conversar, seduzir, extorquir e ameaçar as jovens. Depois de obter fotos com cenas de nudez das vítimas (ou de alegar ter as fotos), ele usava nomes diferentes para enviar mensagens com pedidos de dinheiro ou exigências de encontros, prometendo que só assim apagaria as imagens sem divulgar na internet. Os encontros acabavam resultando em estupros. E o terror seguia com intimidações. As autoridades extraíram cerca de 5 mil imagens dos telefones dele, a maior parte com cenas de pornografia e, algumas delas, das vítimas identificadas. Em seu rol de ameaças, Pires dizia ser filho de um desembargador (inclusive, enviava para o telefone das vítimas a foto do magistrado), que poderia mandar prender familiares da vítima ou fazê-los perder o emprego, alegava ser de facções criminosas e, caso a vítima não cedesse, teria parentes executados. Nos perfis falsos, o homem também fazia se passar por supostas vítimas dele. Em um caso, uma das adolescentes recebeu mensagem de uma pessoa que se identificava como mulher e contava que Pires havia matado sua avó e sequestrado uma amiga por ela ter se negado a ter encontros com ele. A suposta interlocutora enviou ainda uma foto mostrando pulsos ensanguentados e dizendo que cometeria o suicídio por não suportar mais a pressão de Pires. Tudo mentira. Perfil falso Pires chegou a criar um perfil falso usando nome e foto de um jovem de classe média alta que era conhecido (e popular) entre as adolescentes que ele tinha como alvos. Com a falsa identidade, simulava namoros virtuais. Usando outras identidades, conseguia que vítimas enviassem fotos com cenas de nudez. O rapaz soube do uso de seu nome quando foi procurado por adolescentes que queriam entender o motivo de ele não conversar mais com elas no Facebook. Ele sequer as conhecia. Assustado, avisou a mãe, que fez registro na polícia. O jovem que teve o nome usado conhecia Pires de encontros casuais no shopping em grupos de amigos. Dedicado a falsear uma realidade que não vivia, Pires costumava fazer selfies ao lado desses garotos e publicá-las em seu Facebook como se fosse amigo próximo deles.  As ameaças protagonizadas por Pires eram tão contundentes que mesmo vítimas que não haviam enviado fotos suas para ele ficavam apavoradas e cediam, aceitando encontrá-lo. Ele costumava captar imagens de mulheres nuas na internet e enviar às vítimas como forma de pressioná-las. Segundo consta nos processos, os estupros teriam ocorrido numa espécie de porão de uma casa na Vila Jardim, onde Pires morava com a avó e outros familiares. Com 28 anos de atuação no MP, a promotora Denise Villela disse que poucos criminosos a impressionaram tanto quanto Pires em seu depoimento à polícia: — Falava do que tinha feito desprovido de constrangimento. Não conseguia compreender o quão perverso foi com as meninas, pois foi uma extorsão sexual brutal. Não era estuprador de colocar revólver na cabeça e estuprar. Era dissimulado. Essas vítimas de crimes cibernéticos são exploradas dentro da confiança que têm nas pessoas com quem se relacionam virtualmente, é uma quebra de confiança semelhante ao abuso sexual paterno, que ocorre dentro de casa. Elas perdem a confiança nas pessoas, passam a desconfiar de forma exacerbada, é um prejuízo para o resto da vida. Para o promotor da Infância e da Juventude Júlio Almeida, que fez as denúncias contra Pires, o caso é um paradigma para o MP por ter revelado a facilidade com que o criminoso se infiltrou em grupos de conversa de adolescentes: — O caso nos mostrou que não precisa ser um hacker ou um expert para conseguir isso. É tudo muito novo, o WhatsApp é novo. Os pais têm de saber onde os filhos estão transitando. Crianças

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USA – México e Imigrantes

O martírio dos deportados mexicanos Mexicanos deportados chegam ao aeroporto internacional Benito Juárez, na Cidade do México Mexicanos que emigraram para os EUA e retornam ao país natal não recebem qualquer apoio do governo. Se programa de proteção dos “dreamers” acabar, situação poderá se tornar caótica. De operária de fábrica ilegal nos Estados Unidos a fundadora de uma startup na Cidade do México: à primeira vista, a carreira profissional de Ana Laura López, de 42 anos, parece ser uma história de sucesso bastante comum. Todas as semanas, ela recebe repatriados mexicanos vindos do norte no café que acaba de inaugurar, bem próximo ao aeroporto Benito Juárez. López é gestora da organização de autoajuda Deportados unidos en la lucha (Deportados unidos na luta) e, com outros repatriados, opera a gráfica Deportados Brand, na qual são produzidas camisetas – muito procuradas – com estampas anti-Trump. Só que López não retornou de livre vontade. Ela foi deportada depois de 15 anos nos Estados Unidos e teve que recomeçar do nada a vida em seu país de origem. A empresária foi bem-sucedida, mas histórias de sucesso como a dela poderão se tornar exceção num futuro próximo, pois o México está completamente sobrecarregado com a reintegração dos repatriados. A loja de serigrafia “Deportados Brand” produz camisetas com estampas anti-Trump Deportados e recusados A situação poderá se tornar caótica se o programa para a proteção dos chamados dreamers (jovens imigrantes ilegais levados para os EUA quando crianças) realmente expirar em 5 de março, pois não há um programa nacional de reintegração na sociedade mexicana para centenas de milhares de repatriados. “Não dá para perdoar o governo mexicano por fazer tão pouco por aqueles que retornam ao país”, afirma Luicy Pedrosa, pesquisadora sobre imigração no Instituto Giga para a América Latina, com sede em Hamburgo. Segundo ela, o assunto não é novo, já que, desde 2008, cerca de 300 mil mexicanos são deportados anualmente. Pobreza no próprio país “Um motivo pelo qual o Estado faz tão pouco pelos repatriados é a pobreza”, suspeita Pedrosa. “Não se pode dizer aos 40 milhões de mexicanos que vivem abaixo da linha da pobreza que ‘agora vamos fazer mais por aqueles que voltam ao país e nada mais por vocês’”, explica. A empresária Ana Laura López: muito pouco apoio para os repatriados O apoio aos repatriados mexicanos se restringe a estandes adicionais de informação em aeroportos e terminais rodoviários, onde aqueles que chegam podem esclarecer as primeiras dúvidas organizacionais. Além disso, há programas que preveem apoio financeiro para continuar a viagem para a cidade de origem, bem como um primeiro aprovisionamento com comida e bebida. “Isso não é reintegração”, diz Pedrosa. Ela afirma que especialmente os dreamers sofrem com a discriminação no seu novo lar – que, apesar da origem, lhes é distante. “Eles falam inglês perfeitamente, mas não falam espanhol tão bem. Como não possuem contatos sociais, de amizade ou familiares no México, não se sentem em casa”, descreve. Mão de obra especializada Há um ano, o Senado mexicano aprovou a chamada “Iniciativa Monarca”, voltada especialmente aos dreamers. O nome foi inspirado numa borboleta ameaçada de extinção no México e que, anualmente, voa de volta ao país a partir do Canadá. Um objetivo da iniciativa: reforçar o atendimento a migrantes de formação profissional sólida nos consulados mexicanos nos Estados Unidos, avaliando assim as chances que eles têm no mercado de trabalho mexicano. Mas, durante um evento de informação do consulado mexicano de Los Angeles, ficou claro que o que falta, na realidade, é apoio de base: os migrantes mexicanos pediram menos burocracia, taxas consulares mais baixas para a emissão dos documentos necessários, apoio jurídico e mais facilidade na viagem e no transporte de retorno ao México. “Realmente, há muito pouco apoio para os repatriados”, confirma López, que foi deportada no dia 30 de setembro de 2016. “Os que voltam precisam de um plano de saúde, um abrigo e ajuda para criar uma empresa, por exemplo”, relata. Deportado mexicano (d) recebe orientação no aeroporto da Cidade do México O exemplo da Cidade do México López teve suas necessidades atendidas porque procurou a ajuda de Amalia García Medina. A Secretária do Trabalho do governo regional da Cidade do México é uma das políticas de esquerda mais conhecidas do país e apoia os deportados com contatos, programas de treinamento e pequenas ajudas financeiras. Mas apenas 500 repatriados participam do programa de Medina – um número ínfimo se comparado aos 300 mil mexicanos que voltam ao país anualmente. A secretaria tem 16 escritórios na capital mexicana, com um orçamento que, segundo a imprensa local, totaliza cerca cerca de 550 milhões de pesos mexicanos (86 milhões de reais). “É muito difícil voltar e encontrar um país que, infelizmente, pouco mudou”, disse López à rede de TV Bloomberg do México. “De uma hora para outra, pequenas coisas que se acreditava serem óbvias desaparecem: uma cama, uma xícara de café, uma geladeira ou um travesseiro.” Mas o que mais a faz sofrer é a distância dos filhos. “É cruel como as famílias são dilaceradas”, constata. Para ela, o único consolo é que os deportados ao México se unem e tentam tomar as rédeas do próprio destino. “Lutamos para que o México se torne um país do qual as pessoas não tenham mais que emigrar”, diz López.  

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A abominável arte de impedir pessoas sem-teto de dormir na rua e pedir esmolas

Direitos Humanos SEM-TETO DORMINDO SOBRE UMA CORDA EM PARIS. HONORÉ DAUMIER, 1840 E as novidades mais quentes no setor de criminalização da pobreza pelos governantes de direita no Brasil e no mundo Por: Cynara Menezes A perseguição aos sem-teto é tão antiga quanto a pobreza em si. Leis assinadas pelos poderosos para punir pessoas que vivem nas ruas existem pelo menos desde o século 14. Na Inglaterra, por exemplo, ao longo da história os sem-teto já foram condenados a serem escravizados, presos e até executados por “vagabundagem”. As principais “acusações” contra eles permanecem as mesmas: dormir na rua e pedir esmolas. No final dos anos 1920, George Orwell, o célebre autor de 1984, escreveu o que é considerado a primeira obra de jornalismo “gonzo” da história: Na Pior em Paris e Londres. No livro, seguidamente rejeitado pelas editoras e publicado apenas em 1933, o jovem Orwell se coloca na pele de um trabalhador do mais baixo escalão em um restaurante da capital francesa e vive literalmente como mendigo entre seus conterrâneos britânicos. Em um dos trechos, o escritor conta como as leis londrinas eram duras em relação aos moradores de rua. Sentar nos bancos das praças até era permitido, mas ai do pobre sem-teto que fosse flagrado pela polícia dormindo neles… Os governantes de direita em todo o mundo continuam a se esmerar na criatividade para fazer o que parecia impossível: tornar a vida dos sem-teto ainda mais dura para driblar a proibição de dormir na rua, os mendigos tinham que recorrer a lugares como o Caixão e suas “coffin beds”, ou “camas-caixão”, que eram, como diz o nome, caixões onde as pessoas sem-teto podiam, pagando alguns centavos, deitar e, quem sabe, aproveitar para morrer logo. “No Caixão você dorme numa caixa de madeira, com uma lona como cobertor. É frio, e a pior parte são os percevejos. Estando preso numa caixa, você não tem como escapar deles”, conta Orwell. AS “CAMAS-CAIXÃO” LONDRINAS. FOTO: THE GEFFRYE, MUSEUM OF THE HOME O escritor descreve o “Twopenny Hangover”, que consiste num banco com uma corda, onde os mendigos, pagando, podiam dormir dependurados durante a noite. “Há uma corda na frente, e eles se inclinam sobre ela como se estivessem debruçados numa cerca. Um homem, graciosamente chamado de camareiro, corta a corda às 5 da manhã. Eu nunca fui, mas Bozo dormia lá com frequência. Perguntei a ele como alguém podia dormir nessa posição, e ele disse que era mais confortável do que parecia —melhor, sem dúvida, do que dormir no chão duro. Há lugares parecidos em Paris, mas eles cobram só 25 cêntimos (meio penny) em vez de dois pence.” REPRODUÇÃO INTERNET 90 anos depois, em vez de tratar com compaixão as pessoas que vivem nas ruas, os governantes de direita em todo o mundo continuam a se esmerar na criatividade para fazer o que parecia impossível: tornar a vida dos sem-teto ainda mais dura. O objetivo número um é tirá-los da vista —se você não pode acabar com os pobres, desapareça com eles. Em vez de “combater” a miséria”, o conservadorismo investe na gentrificaçãode vizinhanças inteiras, como acontece em São Paulo desde que João Doria, do PSDB, assumiu. Na chamada “cracolândia”, o prefeito mandou derrubar casas e expulsou moradores para que a especulação imobiliária traga gente “melhor” para a região. Os tucanos, aliás, são especialistas na arte de inventar “soluções” para tirar a pobreza da vista da burguesia incomodada. Quando era prefeito, o atual senador José Serra incrementou o combate aos sem-teto colocando “rampas antimendigos” sob os viadutos da avenida Paulista, em 2005. O piso era chapiscado, tornando-o mais áspero e incômodo para quem tentasse dormir no local. Sucessor e aliado de Serra, Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Temer, inovou lançando os “bancos antimendigos” da praça da República, dividido por barras de ferro para que ninguém pudesse deitar neles. FOTO: SITE VERMELHO Os bancos antimendigos são um “must” na arte de infernizar a vida do sem-teto das grandes cidades. Designers quebram a cabeça para engendrar o banco mais desconfortável do mundo utilizando pedras pontiagudas ou simplesmente tornando-o roliço, capaz de acomodar bumbuns, porém “indeitáveis”. BANCO ANTIMENDIGO EM BOSTON, EUA. FOTO: DEIRDRE OAKLEY BANCO “ROLIÇO” NA CALIFÓRNIA, EUA. FOTO: PROVIDENCE CHRISTIAN COLLEGE Em Belo Horizonte, o ex-prefeito Marcio Lacerda, do PSB, primeiro pediu à população que não desse esmolas ou comida aos pedintes da cidade. Depois, mandou colocar pedronas sob viadutos para impedir que os sem-teto dormissem ali. AS PEDRAS DE LACERDA EM BH. FOTO: REPRODUÇÃO No Rio, o emedebista Eduardo Paes não só copiou os “jardins de pedra” do colega mineiro, como sua administração passou a fazer uma ronda especializada durante a madrugada para arrancar os mendigos das calçadas da Zona Sul, bêbados de sono, e enfiá-los em albergues, privando-os de seus pertences. Pela lei, um morador de rua só pode ir para um abrigo se concordar com isso. E não é só o poder público que faz essas coisas. No ano passado, chegou às redes sociais a denúncia de que um prédio em Copacabana instalou uma espécie de “chuveirinho” na marquise para ensopar os mendigos que tentassem dormir no local. Entre os governantes, ninguém foi mais arrojado na arte de impedir mendigos de dormir na rua do que Antonio Carlos Magalhães Neto, do DEM, que plantou cactos sob os viadutos de Salvador para espantar os sem-teto. Criticado, disse que era só “paisagismo”. A nova onda no segmento “impedir os sem-teto de existir” no Brasil é multar os mendigos que se atrevam a pedir dinheiro aos transeuntes. Em dezembro, mostrando todo seu espírito natalino, a Câmara de Vereadores de Balneário Camboriuú (SC) aprovou um projeto para multar sem-teto que estejam pedindo dinheiro nos semáforos, sob a desculpa de “melhorar o trânsito”. Dias depois, o Ministério Público de Santa Catarina denunciou que moradores de rua da cidade estavam sendo abordados pela guarda municipal e forçados a embarcar para outras cidades, principalmente Florianópolis. A Câmara de Balneário Camboriú nem sequer foi precursora em multar mendigos. Como é comum em se tratando da direita, trata-se de uma cópia do que acontece em outros países. Em Frankfurt, na

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De faxineira à advogada: um exemplo

‘Fico pensando em leis enquanto limpo privadas’: a advogada que virou faxineira em São Paulo Rosana da Silva exibe um pedido de emprego todos os dias na Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo | Foto: Leandro Machado/BBC Brasil Todos os dias, a advogada Rosana da Silva, de 54 anos, senta-se em um banquinho de plástico em um cruzamento da zona sul de São Paulo e levanta uma placa de papelão com um anúncio: “Faxina. Sete horas. R$ 60.” Há quem pare e olhe, curioso. Há quem tire fotos e publique nas redes sociais ou anote o número dela para um serviço futuro. Mas a trajetória de Rosana é mais complexa do que o pedido público de emprego: ela era secretária, trabalhou para pagar a faculdade de Direito e formou-se advogada, mas entrou em uma derrocada que a levou às ruas e à faxina. “Quando conto minha história às pessoas que me contratam, a frase que mais ouço é ‘não acredito’”, diz ela, sentada na esquina. “Ou acham que sou doida, e não existe nada pior do que ser considerada doida”, acrescenta. Fracasso profissional Ela se formou em Direito em 1995 na Unifieo, uma universidade particular em Osasco, na Grande São Paulo. Pagou o curso com seu salário de secretária, com a “dureza de gente pobre”, nas palavras dela. Em seguida, conseguiu seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com a inscrição 139416, número que ela cita de cor dez anos depois de ter abandonado a carreira. Os primeiros passos como advogada foram em um pequeno escritório que montou com amigos da faculdade. Depois, conseguiu entrar em uma banca de colegas renomados da área de Direito bancário, no centro da cidade. Rosana conta que foi esse trabalho que fez girar a espiral que a levou ao fracasso profissional. “Nesse escritório, eu sofri assédio moral por parte dos dois donos. Me humilhavam: imagina você ser chamada de burra o tempo todo, de incompetente, de drogada. Foram três anos”, afirma. Ela diz que nunca usou entorpecentes. Rosana da Silva está há dez anos sem pagar a anuidade da OAB, o que a impede de retomar a carreira | Foto: Reprodução/OAB-SP Rosana prefere que os nomes dos dois advogados não sejam citados nesta reportagem. Diz que processou os antigos patrões e que fez representações contra eles na comissão de ética da OAB-SP, mas nunca conseguiu vencer os processos. Ela costuma carregar a papelada de algumas ações em sua mochila – tem medo de que eles desapareçam. Procurada pela reportagem, a OAB-SP afirmou que não comenta casos que correm em sigilo. Depois da publicação da reportagem, a instituição procurou a BBC Brasil informando que irá incluir Rosana em um programa de assistência financeira e médica a advogados que passam por dificuldades. ‘Todas as portas fechadas’ Rosana nasceu em Itanhaém, no litoral paulista, mas foi criada por parentes, longe dos pais. Sempre viveu praticamente sozinha e só retomou contato com um dos irmãos depois que ele viu uma foto sua na internet, há pouco mais de um ano. Ela nunca mais conseguiu um trabalho como advogada depois que saiu de seu último escritório. Hoje, acredita que foi perseguida pela OAB, onde seus patrões tinham influência, diz. Nada que Rosana fazia dava certo – tentou dar aulas, mas também foi demitida. “Em São Paulo, o mundo do Direito é muito pequeno. Você fica conhecida como a pessoa que processou os patrões, suas chances diminuem”, conta. Ela resolveu se mudar para Florianópolis, pois não encontrou emprego nem apoio em sua família adotiva. “Pensei: será que não estou tornando um problema pequeno em algo muito grande?”, conta a advogada, que chegou a passar em psicólogos para entender porque sua carreira não deslanchava. “Achei que, se eu saísse de São Paulo, talvez conseguisse me reerguer.” Mas ela não conseguiu. O dinheiro acabou, o aluguel acumulou e Rosana foi viver nas ruas, onde ficou por sete anos. Começou as faxinas para conseguir comer. “Não sobrou mais nada para mim porque a sociedade fechou todas as portas”, diz. ‘Morro de fome, mas pago o aluguel’ Rosana precisa fazer dez faxinas de R$ 60 para conseguir pagar o aluguel do quarto onde mora, na zona sul de São Paulo | Foto: Leandro Machado/BBC Brasil Viver nas ruas não é algo de que Rosana se orgulha – ela costuma dizer perdeu sua cidadania quando deixou de ter um endereço fixo. “Como conseguir um emprego se você diz que tem 54 anos e não mora em lugar nenhum? As empresas têm uma cartilha de desculpas para não te contratar.” Foi por isso que ela criou a placa com o anúncio. Com ela, elimina-se qualquer questionamento sobre seu histórico – Rosana torna-se apenas mais uma pessoa em busca de trabalho. Ela cobra R$ 60 por sete horas de limpeza – um preço baixo no centro expandido de São Paulo. O piso mensal dos trabalhadores domésticos na cidade é de R$ 1.140 por três dias de trabalho semanais, segundo o sindicato da categoria. Segundo os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao trimestre que compreende os meses de setembro, outubro e novembro de 2017, o índice de desemprego no Brasil está em 12% – o que equivale a 12,6 milhões de pessoas. Rosana precisa fazer ao menos dez faxinas por mês para conseguir pagar o aluguel de um quartinho com cama, fogão e geladeira. Tem meses que não consegue – seu irmão costuma ajudá-la. “Eu morro de fome, mas pago o aluguel. Não volto para a rua de jeito nenhum”, diz. Esse medo se justifica: ela conta já ter enfrentado episódios de assédio e tentativas de estupro – uma vez, por exemplo, um homem invadiu a barraca onde dormia com uma arma, conta. “Na rua, o homem te enxerga como propriedade”, afirma. “Ele diz: ‘como assim você está nessa situação e não quer nada comigo?’ Cara, porque ninguém entende quando uma mulher decide viver sozinha?” Outra dificuldade é escapar de uma rotina de violências e

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Inglaterra e o Ministério da Solidão

Por que os britânicos tiveram que criar um Ministério da Solidão DMITRY BERKUT VIA GETTY IMAGES Theresa May quer solucionar a “triste realidade moderna”. Os ingleses criaram um ministério para combater a solidão.  O Reino Unido acaba de criar um ministério para lidar com o que a primeira-ministra Theresa May categorizou como “a triste realidade moderna”. O Estado agora terá um ministério para combater a solidão.  No ano passado, uma comissão britânica descobriu que quase nove milhões de pessoas no país, muitas vezes, ou sempre, se sentem sozinhas – uma condição que pode ter sérias repercussões para a população.  Os médicos alertam que o isolamento social é uma epidemia crescente que pode ter consequências físicas, mentais e emocionais. A solidão também foi associada com o maior risco de doença cardíaca, diabetes e câncer, de acordo com pesquisadores.  Além de anunciar o nome de Tracey Crouch para o ministério, May também defendeu que o governo, em parceria com a população e as empresas, crie uma estratégia para impedir que as pessoas se sintam solitárias. O plano deve ser divulgado até o fim deste ano.  Crouch afirmou estar honrada com a nomeação. Para ela, será um desafio lidar com o “problema geracional”. “Tenho certeza de que, com o apoio de voluntários, ativistas, empresas e meus colegas deputados de todos os lados da Câmara, podemos fazer progressos significativos no combate à solidão”, disse. Afinal, como o governo pode ajudar a combater a solidão? O HuffPost UK listou algumas iniciativas que podem ajudar a população a lidar com esse problema 1. Acessibilidade De acordo com a organização Sense, pessoas com alguma deficiência lutam para fazer amizades e construir relações. Isso porque muitos lugares ainda não têm acessibilidade ou sequer são pensados para que pessoas com deficiência possam frequentar. Mais da metade (53%) dos ingleses com alguma deficiência experimentam a solidão. Esse índice sobe para três quartos (77%) quando se trata de jovens. “Muitas das barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam para fazer amigos e conhecer pessoas são coisas práticas, como a necessidade de transporte e edifícios acessíveis, apoio financeiro e assistência social adequada”, disse o vice-presidente da Sense, Richard Kramer, ao HuffPost UK. “Nós queremos que o governo forneça financiamento adequado para assistência social e que as autoridades locais ofereçam serviços melhores e mais acessíveis. Isso inclui serviços específicos que abordam a solidão, bem como oportunidades sociais mais amplas que permitam que as pessoas saiam e se encontrem em sua comunidade.” 2. Transporte De acordo com a Campanha contra a Solidão, o governo deverá pensar em políticas públicas mais eficientes. Por exemplo, se uma rota de um ônibus deixa de existir, um idoso que mora naquela região ficará impossibilitado de se desolocar para acessar à cidade. Além disso, a campanha pede que o governo incentive os negócios locais indispensáveis, sobreturo, para a socialização dos mais velhos. “Os idosos precisam saber que podem frequentar aquele café da esquina, por exemplo, e que ele não vai deixar de existir”, defende a porta-voz da campanha, Alice Stride, ao HuffPost UK. 3. Tecnologia A organização No Isolation quer reduzir o isolamento social involuntário através da tecnologia. As crianças que sofrem de doenças crônicas e se esforçam para se comunicar estão entre as que a empresa ajuda. “O governo já está fazendo um ótimo trabalho ao relacionar problemas de saúde mental e saúde física com a solidão. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer em termos de comunicação dos dados. Todos nós precisamos trabalhar colaborativamente nesse enorme problema. Convidamos o governo a trabalhar com startups que são apaixonados e criativos no combate à solidão”, afirmou a fundadora da No Isolation, Karen Dolva. 4. Comunidade Um relatório em 2017 descobriu que mais de 90% das mães se sentem solitárias após o parto. A maioria (80%) das mães quer mais amigos, no entanto, 30% nunca começaram uma conversa com outra mãe que pudesse desencadear uma nova amizade. Mais de 10% de mães, ainda, disseram sofrer com a depressão pós-parto. Channel Mum é uma comunidade on-line e grupo de apoio para novas mães. “As mães são um dos grupos mais solitários, já que a sociedade perdeu o sentimento de comunidade”, defende o fundador, Siobhan Freegard. “Para enfrentar a solidão, precisamos enfrentar o custo proibitivo da habitação, garantir que as mães possam ter um trabalho flexível para se encaixar em suas famílias, usar as mídias sociais de forma positiva e proporcionar um melhor suporte para problemas de saúde mental causados ​​pela solidão e também enfrentar o tabu que torna tão difícil para muitas mães admitir que são solitárias.” Ana Betariz Rose/HuffPost

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Dia da Não Violência: O que aprendemos com Mahatma Gandhi

As suas ideias continuam poderosas. OMIKRON OMIKRON Gandhi morreu há 70 anos, mas suas ideias permanecem poderosas.  O dia 30 de janeiro é conhecido como o Dia da Não Violência. Criada pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2007, a data é uma homenagem ao líder pacifista Mahatma Gandhi. Ele foi assassinado neste mesmo dia, em 1948. Mohandas K. Gandhi nasceu em Porbandar, no interior da Índia, em 1869. Ainda em vida, ele recebeu o título de Mahatma de seus seguidores, que significa “grande alma”. Gandhi foi o responsável pelo movimento de emancipação do país e da luta em defesa dos direitos humanos. A sua estratégia era conhecida pela resistência pacífica e a não cooperação com as autoridades. Por meio da desobediência civil das leis consideradas injustas, Gandhi ficou conhecido ao redor do mundo na defesa da não violência em lutas sociais. Ele também era adepto do jejum como forma de protesto e a sua figura influenciou as comunidades muçulmanas e hindus da Índia. Porém, foi justamente por tentar atenuar a tensão entre as comunidades religiosas que Gandhi foi assassinado por um hindu radical em Nova Déli. As disputas entre os dois grupos persistem e resultaram no Estado do Paquistão. Em homenagem aos 70 anos da morte do pacifista, listamos dez ideias de Gandhi que continuam extremamente poderosas: BEAWIHARTA BEAWIHARTA / REUTERS Violência é criada por desigualdade, a não violência pela igualdade. ANDREW KELLY / REUTERS A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência. HINDUSTAN TIMES VIA GETTY IMAGES Não há caminho para a paz. A paz é o caminho. GETTY IMAGES/ISTOCKPHOTO Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição. BIJENDRA Assim como uma gota de veneno compromete um balde inteiro, também a mentira, por menor que seja, estraga toda a nossa vida.​​​​ GETTY IMAGES/EYEEM Você não deve perder a fé na humanidade. A humanidade é um oceano. Se algumas gotas do oceano estão sujas, o oceano não se torna sujo. GETTY IMAGES Temos de nos tornar a mudança que queremos ver. GETTY IMAGES/ISTOCKPHOTO O amor nos ensina a ter, para a fé dos demais, o mesmo respeito que se tem pela própria. GETTY IMAGES O fraco nunca perdoa. O perdão é a característica do forte. GETTY IMAGES A felicidade existe quando o que você diz, pensa e faz estão em completa harmonia. By Ana Beatriz Rosa

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