Enciclopédia recebeu solicitações do MEC para alterar ou retirar do ar verbete sobre ministro da Educação. Em entrevista, administrador da plataforma afirma que ela promove conhecimento e preza pela imparcialidade.
No ar desde 2001, a versão em português da Wikipédia já acumula mais de 1 milhão de verbetes. Assim como no restante do mundo, a enciclopédia online é colaborativa, escrita e editada por voluntários, a partir de regras criadas pela própria comunidade.
De vez em quando, há incompreensão sobre o funcionamento do sistema. A questão acaba sobrando para um dos administradores, como são chamados os usuários mais experientes e com mais status dentro da organização da plataforma – no Brasil, são 78.
A mais recente polêmica da Wikipédia no Brasil envolve o verbete de um representante do alto escalão do governo Jair Bolsonaro: o ministro da Educação, Abraham Weintraub.
O verbete sobre Weintraub foi criado em 8 de abril deste ano, logo que sua nomeação para o cargo de ministro da Educação foi anunciada. Aos poucos, como costuma ocorrer, o conteúdo foi sendo editado conforme notícias a seu respeito eram divulgadas pela mídia.
Segundo as regras da Wikipédia, todas as informações ali escritas precisam conter referências a fontes externas, como reportagens publicadas por veículos reconhecidos e artigos acadêmicos.
“Não existe informação nova publicada na Wikipédia. Tudo o que está ali vem de outra fonte”, afirma um dos administradores brasileiros, o gerente de projetos da Wikipédia Lusófona Rodrigo Padula. “Também exigimos que o conteúdo seja regido pela imparcialidade, pela pluralidade de fontes, principalmente se há divergência na imprensa ou na academia sobre alguma questão, assunto ou conteúdo.”
![Ministro da Educação Abraham Weintraub Ministro da Educação Abraham Weintraub](https://www.dw.com/image/48566524_404.jpg)
Aos poucos, episódios polêmicos da biografia de Weintraub foram sendo incluídos no perfil, como o fato de que ele e o irmão abriram um processo judicial, em 2011, para tentar interditar o pai, ou o anúncio dos cortes em 30% de verbas para a educação – ou contingenciamento, na versão oficial do governo.
Por um lado, isso despertou o que a comunidade da Wikipédia chama de “vandalismos”: usuários que interferem no conteúdo, de modo ofensivo, mentiroso ou satírico. Por outro, assessores do próprio ministério tentaram editar o verbete. A solução encontrada pelos administradores foi corrigir e bloquear o conteúdo.
O Ministério da Educação (MEC) solicitou a retirada do verbete e ameaçou tomar medidas judiciais. Nesta última quarta-feira (04/09), o caso chegou à Câmara dos Deputados. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) protocolou uma solicitação formal para que o ministro preste esclarecimentos.
Confira abaixo trechos da entrevista de Padula à DW Brasil, em que o administrador da Wikipédia classifica o caso como “tentativa de censura”. Procurado pela reportagem, o MEC não se posicionou até a publicação desta entrevista.
DW Brasil: Como está a situação hoje, neste caso com o MEC?
Rodrigo Padula: Respondi aos e-mails do ministério [o primeiro foi enviado em 27 de junho; o último, em 13 de agosto], oferecendo auxílio, capacitação e orientações sobre as dinâmicas da Wikipédia, mas eles nunca nos responderam. A equipe de comunicação do MEC solicitou que excluíssemos o verbete porque eles não estava conseguindo editar e, segundo eles, não estavam tendo “direito ao contraditório”. Fato é que o conteúdo foi bloqueado para proteger as informações. Todas as tentativas de edições mal feitas a um artigo são tratadas como vandalismo, independentemente do interesse – até aquele momento, nem sabíamos que havia gente do próprio ministério tentando editar o verbete. Entendemos que temos o direito de publicar informações biográficas corretas de uma pessoa pública. E se o MEC não está de acordo com tal entendimento, vemos isso como tentativa de censura.
Houve ameaça judicial?
Em 13 de agosto, mesmo sem responder a meus e-mails, eles enviaram nova mensagem dizendo que se não agíssemos conforme eles queriam em cinco dias, tomariam medidas judiciais. Nossa estranheza é pelo fato de que se tratava de uma questão puramente pessoal: a biografia do ministro. E ele estava usando o poder do Estado e funcionários públicos para tentar pressionar os editores da Wikipédia. Senti-me coagido. Foi tentativa do Ministério da Educação de censurar a Wikipédia. Se a moda pega, o projeto corre risco.
Como funciona a Wikipédia?
A Wikipédia não é uma instituição. É um site mantido por uma instituição, a Wikimedia Foundation, com sede em São Francisco, nos Estados Unidos. A versão em português não é institucionalizada, não tem um CNPJ. Somos um coletivo de pessoas que trabalham, de forma voluntária, criando e editando conteúdo. Ações como esta, portanto, coíbem pessoas de editarem conteúdo. As pessoas precisam compreender as dinâmicas da Wikipédia.
E quais são essas dinâmicas?
A tendência é que toda informação, para entrar na Wikipédia, venha de fontes fiáveis. Todo o conteúdo é produzido e publicado seguindo regras da comunidade. O site é uma enciclopédia online colaborativa. Qualquer um pode publicar e editar, mas isso não pode ser feito de qualquer jeito. Cabe aos administradores, como eu, o papel de prezar pelo cumprimento das regras, protegendo conteúdo, combatendo vandalismo e bloqueando contas que fazem trabalho negativo dentro da plataforma.
Em casos de interferência de órgãos externos, qual é a conduta padrão?
Quando algum órgão externo tenta interferir, verificamos o conteúdo. Observamos se o conteúdo está de acordo com as regras, se há alguma tentativa de calúnia e difamação, etc. Se necessário, fazemos as devidas correções no verbete e protegemos ou desprotegemos a página segundo a necessidade real.
Há casos semelhantes em outros países? A comunidade internacional da Wikipédia está acompanhando a questão brasileira?
Sempre quando ocorre um problema desse tipo nós comunicamos a comunidade internacional. Mas cada editor responde por suas ações dentro da plataforma, então não tenho como responder por outros países. A Wikimedia Foundation foi comunicada por nós, mas não cobramos nenhum tipo de posicionamento oficial nesse sentido. Basicamente, estamos tentando fazer com o que o Ministério da Educação e o próprio ministro compreendam o funcionamento e a dinâmica da Wikipédia, sem levar essa questão para a esfera judicial. É um trabalho de conscientização.
Qual o status atual do verbete dele na plataforma?
O artigo foi protegido para edição por usuários anônimos e novatos por um período, depois esse período acabou expandido. Após o e-mail do MEC, eu removi a proteção, permitindo que qualquer pessoa editasse, inclusive a equipe do ministro, desde que respeitasse as regras da Wikipédia. Houve muito vandalismo, principalmente contra a posição do ministro de censurar a Wikipédia. Corrigimos o verbete e novamente o protegemos, sempre agindo com boa-fé. Esse bloqueio protege o próprio ministro, já que a maior parte das edições, dos vandalismos, era contra ele.
A luta dele contra a Wikipédia foi incluída em seu verbete, sempre com base em referências, ou seja, informações fiáveis de terceiros. Na Wikipédia não trabalhamos nem para um viés ideológico, nem para outro – o conteúdo deve se reger pela imparcialidade, pela pluralidade de fontes, pelas referências. E, como o caso envolve o Ministério da Educação, é importante dizer que a plataforma é importante para a Educação por promover o conhecimento aberto. Conhecimento aberto não é de direita nem de esquerda.