Quando você começa a procurar lixo, passa a vê-lo em todo lugar. Ele passa por você todos os dias, um fluxo infinito de sacolas, embalagens de delivery e garfos descartáveis, plásticos e papéis-alumínio que vêm enrolados em todo tubo de pasta de dente, brinquedo ou carregador que você compra e, posteriormente, os próprios tubos, brinquedos e carregadores. Até mesmo as roupas que você está vestindo e os sapatos que está calçando. O lixo está ao nosso redor o tempo todo, por um momento, antes de desaparecer em um lixão distante – o que não é visto, não é lembrado.
Na Guatemala, essas correntes movem-se pelo rio Motagua. O maior rio do país cobre dois terços do caminho até o istmo do Panamá, 483 quilômetros de sua nascente nos remotos planaltos centrais da Guatemala até sua foz no Recife Mesoamericano, no Caribe, a segunda maior barreira de corais do mundo. Ao longo do caminho, passa pela Cidade da Guatemala, a movimentada capital do país, apinhada com 3 milhões de pessoas e marcada por ravinas profundas que, na época das chuvas, conduzem as águas de enchentes repletas de lixos e detritos até o rio.
Durante anos as ondas de lixo chegavam até as praias da Guatemala e da vizinha Honduras, enterrando as pequenas comunidades de peixes em montes de isopor e outros plásticos: pentes, escovas de dente, tubos de rímel, Crocs, chinelos, serpentes coloridas de cordas plásticas, tapetes moldados de espuma, bolas de borracha, bonequinhos, garrafas de refrigerante, seringas, bolsas intravenosas, garrafas de desinfetante pela metade. Ao largo da costa, recifes de bolsas plásticas flutuam nas ondas, como icebergs com a ponta projetada acima da superfície e ocultando muito mais embaixo d’água.
Na pequena comunidade de El Quetzalito, os habitantes locais limpam as praias com ancinhos e carrinhos de mão. A maioria deles ganhava a vida com a pesca ou a agricultura de subsistência anteriormente, porém agora eles trabalham para o governo, mais especificamente para o Ministério do Meio Ambiente, que vem lutando para enfrentar o problema da poluição ao longo do Montagua.
Apesar de as vítimas dessa poluição serem locais, o problema é verdadeiramente global: estima-se que 80% do plástico nos oceanos é resultado da “má gestão dos lixos”, assim como os que transbordam do lixão da Cidade da Guatemala todos os anos. Enquanto as cidades americanas proíbem sacolas e canudos plásticos, nenhuma medida é tomada para combater essa grande fonte de poluição.
Ao fim das três semanas que passamos na América Central, tentamos calcular todo o lixo que deixamos para trás: 15 garrafas plásticas de água, de tamanhos variados, 15 tampas de garrafas plásticas, de cores variadas, 8 garrafas de vidro, 22 latas de alumínio, 12 copos plásticos incolores, 5 copinhos de isopor para café, 3 tampas de plástico para café, 7 canudos de plástico, 1 par de chinelos de microfibra e espuma do hotel, usado duas vezes, 4 lenços umedecidos de limpeza facial, 1 porta remédios de plástico, que armazenou anteriormente um suprimento de um antimalárico para seis dias, 1 garrafinha com solução para lentes de contato, 3 mini frascos de xampu, condicionador e sabonete líquido, parcialmente vazios. Quanto às sacolas plásticas, oferecidas em todos os lugares apesar de fazermos de tudo para evitá-las, perdemos as contas.
Começamos a perceber o plástico não como algo que é irresponsavelmente descartado, mas como algo que é, antes de mais nada, irresponsavelmente criado. O plástico, em especial, é onipresente e inevitável, produzido tão casualmente quanto é descartado: um canudo cortado ao meio e servido com nossos cafés matinais, um par barato de sapatos que não dura muito tempo, uma sacola plástica para armazenar a fruta que compramos no mercado. A “nascente” do plástico fica em algum lugar muito distante, invisível, mas sua corrente é interminável.