As armas do Brasil contra a crise
Um dos fatos marcantes da crise financeira de 2008 é que o Brasil não sucumbiu, ao contrário do que ocorrera em turbulências anteriores. O país foi fortemente atingido, entrou em recessão, mas se recuperou rapidamente. E agora? Está preparado para enfrentar o recrudescimento da crise mundial?
Em tese, o Brasil está mais forte. Tem um volume de reservas cambiais bem superior – US$ 349,6 bilhões, face a US$ 205,7 bilhões em 12 de setembro de 2008, véspera da quebra do banco Lehman Brothers -, e um colchão de liquidez (os depósitos compulsórios recolhidos ao Banco Central) igualmente vultoso – R$ 420 bilhões, diante de R$ 270 bilhões.
Ninguém duvida, no entanto, que o agravamento da crise na Europa e nos Estados Unidos vá nos afetar.
A forte queda da Bovespa nos últimos dias foi um sinal.
A principal consequência deverá ser a redução da atividade econômica.
Para o economista Mário Torós, sócio da Ibiúna Investimentos e um dos personagens centrais do governo no enfrentamento da crise de 2008, a melhor maneira de enfrentar a situação é por meio da redução da taxa de juros.[ad#Retangulo – Anuncios – Direita]
Torós: situação atual favorece queda dos juros
A crise de 2008 se caracterizou pelo excesso de endividamento do setor privado nas economias avançadas, fato que levou a uma crise bancária e ao travamento do crédito doméstico e internacional. Os governos reagiram com medidas de alívio monetário e fiscal. O objetivo era desafogar o crédito, promover a desalavancagem dos bancos e, assim, evitar uma grande contração global.
Na prática, o que houve foi a transferência de grande parte da dívida do setor privado para o setor público. A ideia, explica Torós, era que esse movimento estancasse de algum modo a crise, uma vez que o crédito do setor público era, naquele momento, melhor que o do setor privado. O resultado foi um crescimento brutal das dívidas soberanas, que superaram as altas históricas da Primeira Guerra Mundial e da Depressão de 1929.
No caso das nações ricas, segundo cálculo dos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, as dívidas cresceram, em média, 134% entre 2007 e 2010, face à média histórica, registrada em crises anteriores, de alta de 86%. Já a relação dívida/PIB chegou, em média, a 88%.
O problema é que a dramática deterioração fiscal não resultou na recuperação das economias. Os investidores passaram, então, a duvidar da capacidade de pagamento das dívidas dos países mais frágeis da Europa. A desconfiança aumentou depois do caso Grécia, chegando a Portugal, Espanha e Itália. A diferença de spread entre os títulos das dívidas francesa e alemã, por exemplo, superou 90 pontos básicos (quase 1 ponto percentual).
“Isso mostra que há uma aversão absoluta a risco no mercado. Os investidores estão correndo para os títulos alemães, considerados mais seguros. O normal seria os spreads estarem mais próximos”, diz Torós, um especialista em gestão de risco. “O risco da crise bancária de 2008 transferiu-se agora para o de uma crise das dívidas soberanas, o que, se se confirmar, obviamente afetará o sistema financeiro.”
Em 2008, o Brasil reagiu à crise com instrumentos fiscais e monetários. A posição fiscal era mais favorável que a atual e, por essa razão, o governo teve espaço para reduzir impostos e estimular a oferta de crédito via bancos oficiais. Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixou claro que o governo não pretende enfraquecer o resultado fiscal. É uma decisão acertada porque fortalece as defesas do país frente a um provável cenário de estresse.
No caso da política monetária, o momento atual é distinto. No terceiro trimestre de 2008, quando a crise atingiu o Brasil, a economia crescia acima de 7% ao ano, com a inflação ameaçando estourar o teto de 6,5% do regime de metas.
Com a quebra do Lehman Brothers, o pânico se espalhou rapidamente, provocando forte desvalorização do real. Além disso, grandes empresas exportadoras estavam expostas a contratos de derivativo cambial, estimados em US$ 38 bilhões, e sofreram, por causa da abrupta perda de valor do real, prejuízo de pelo menos US$ 10 bilhões.
Naquele ambiente, o BC optou por tornar funcionais os mercados de dólar e reais e, apenas num segundo momento, reduzir os juros. A decisão foi muito criticada dentro e fora do governo. A alegação do BC é que, num cenário de inflação alta, era impossível prever o impacto da depreciação do real sobre os preços.
Agora, a economia está rodando a 4% ao ano, com perspectiva de queda abaixo desse patamar, e a inflação está começando a desacelerar. O real, à medida que uma recessão mundial afete os preços das commodities, tende a se desvalorizar, mas possivelmente não na mesma intensidade de 2008, uma vez que empresas brasileiras estão menos expostas a câmbio.
Torós acredita que, no pior cenário, a principal consequência da crise pode vir a ser o travamento do crédito doméstico. E desta vez as fontes oficiais não terão como suprir o mercado.
“Nesse contexto, parece que a resposta a um agravamento da crise parece ser, de fato, mais monetária que fiscal. O Brasil ainda possui os instrumentos [juros e liquidez via compulsórios] que os outros países já não têm”, observa o ex-diretor do BC.
Cristiano Romero é é editor-executivo/Valor
E-mail cristiano.romero@valor.com.br