Como seria a “barganha judicial” defendida por Moro

Brasil,Justiça,Sérgio Moro,Blog do MesquitaDe um lado a acusação querendo evitar um longo processo. Do outro, o réu com o intuito de diminuir a pena. A fórmula para um acordo, em teoria, parece simples, mas gera debates em diferentes sistemas jurídicos.

Um dos pontos do pacote anticrime prevê a possibilidade de acusado ser declarar culpado para não se submeter a longo processo e ter pena mais branda. Na Alemanha e nos EUA, modelos similares estão sob escrutínio.

Previsto no pacote anticrime, bandeira do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o instrumento de negociação de pena conhecido como “plea bargain” (pedido de barganha) já existe em formatos similares nos Estados Unidos e na Alemanha, onde os resultados são questionados por juristas. No Brasil, também é inicialmente visto com cautela por especialistas consultados pela DW.

O que o projeto de Moro prevê é uma solução negociada entre acusado e acusadores. Nesta “barganha”, o réu pode se declarar culpado após ser denunciado para não se submeter a um longo processo. Ele cumpre exigências como devolução de dinheiro fruto do crime e prestação de serviço comunitário, e tem a pena reduzida até a metade, dependendo do acordo.

Nesse modelo que o ministro do presidente Jair Bolsonaro tenta impulsionar, os promotores, além disso, não precisam colher provas para acusação, e a negociação ainda permite a aplicação de pena privativa de liberdade.

Diferente da delação

Um dos objetivos da proposta de acordo, segundo Sérgio Moro, é acelerar soluções judiciais e assim diminuir despesas da Justiça com longos processos criminais. Para alguns juristas, esse tipo de solução pode estar apenas transferindo a despesa de pagador.

“O ‘plea bargain’ resulta em mais casos solucionados, mas isso não necessariamente em economia. Você vai ter casos terminando mais rápido, mas também terá pessoas sendo encarceradas mais rápido e isso provoca um custo ao sistema prisional. Basta ver o que acontece nos EUA, que têm a maior população carcerária do mundo e é onde mais de 90% são concluídos com acordo judicial”, diz Fabio Roberto D’Avila, advogado criminal e professor titular da Escola de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS.

Outro ponto abordado por D’Avila é que um modelo de negociação na Justiça brasileira possa pressionar pessoas inocentes a procurar acordos.

“O acordo é um instituto estranho à tradição jurídica brasileira e isso interfere no modo como o sistema processual é pensado. Ademais, o sistema penal brasileiro é muito instável. É difícil prever o resultado de uma ação. Nesse cenário, um acordo torna-se mais conveniente para o sujeito culpado do que para o inocente. O culpado vai fazer o acordo. O inocente, por sua vez, terá diante de si uma difícil decisão: tentar provar a sua inocência, correndo o risco de sofrer pesadas penas, em caso de insucesso, ou submeter-se ao acordo embora sem ter culpa”, diz D’Avila.

O modelo proposto por Moro é diferente da colaboração premiada, bastante usada nas investigações da operação Lava Jato. Na negociação por barganha o réu pode ser poupado de uma denúncia, algo que não ocorre na colaboração premiada, quando o réu ainda precisa delatar outras pessoas envolvidas.

“A principal diferença é que na colaboração premiada, além de confessar, o colaborador tem que ajudar na investigação, dando informações a respeito de outras pessoas envolvidas na atividade criminosa e auxiliando na recuperação do dinheiro desviado ou no resgate de uma vítima, por exemplo. No ‘plea bargain’, o que se busca é simplesmente dar celeridade e eficiência ao julgamento, de modo que basta o réu confessar seu próprio crime para receber um benefício. Em razão dessa diferença, na colaboração o acusado pode receber um ‘prêmio’ maior do que no plea bargain”, explica Felipe De-Lorenzi, doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS, com estágio de pesquisa na Universidade Humboldt, de Berlim.

Apoio de juízes

Para De-Lorenzi, não fica claro no projeto se o Brasil seguirá o modelo americano. Ele opina que ainda falta discutir mais o projeto com a sociedade.

“Acredito que deve haver uma discussão mais ampla e longa sobre o acordo, em que sejam chamados para debater acadêmicos, juízes, promotores e advogados e em que sejam analisadas as experiências internacionais e os dados empíricos. A incorporação do acordo ocasionará uma mudança estrutural grande em nosso sistema, cujas consequências são difíceis de prever. Portanto, o debate deve ser feito com muita calma e cuidado”, afirma o doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS.

Apesar das críticas de juristas, a proposta de implantação do modelo de negociação em ações penais recebe apoio de juízes no Brasil. Uma pesquisa recente feita pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) mostrou que cerca de 90% dos juízes do país apoiam a iniciativa de incorporar o “plea bargain” no Código de Processo Penal (CPP).

Um acordo de não persecução, quando não há denúncia criminal, já era citado por um projeto de lei (PL 10372/2018) que tramita na Câmara desde junho do ano passado, este apresentado por uma equipe de juristas, incluindo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Há algumas similaridades entre os dois projetos. No projeto atual é permitido o acordo sem denúncia para casos criminais em que a pena máxima não seja acima de quatro anos. O projeto de Moraes envolve casos com pena mínima até quatro anos quando, ambos os casos quando não houver violência ou grave ameaça à vítima.

Em março, no meio de uma crise entre Planalto e Câmara, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), usou a semelhança entre os projetos para criticar publicamente Moro. Ele chamou o projeto do ex-juiz de “copia e cola” da proposta do ministro Alexandre de Moraes.

O pacote já era alvo de pressões no Congresso e por isso foi apresentado sendo repartido em três projetos. Um com alterações no Código Penal, que prevê o plea bargain; o segundo tipificando crime de Caixa 2; e um terceiro determinando que o julgamento de crimes comuns conexos ao processo eleitoral seja realizado pela Justiça comum.

Os acordos nos EUA e na Alemanha

Esse modelo de negociação em processos criminais tem origem no sistema jurídico americano. Nos EUA, a maior parte dos processos criminais não chega a ir a julgamento, são resolvidos com acordos.

Já na Alemanha, por exemplo, esse tipo de acordo é aplicado de forma diferente dos EUA. Os dois países diferem sobre como o crime praticado pode ser negociado, explica o advogado alemão Uriel Möller, doutor e pesquisador de direito penal que estuda acordos na Justiça.

“Na Justiça alemã, o fato não pode ser negociado. Por exemplo, um crime de latrocínio não pode ser tratado como roubo por promotoria e acusados. Isso seria uma distorção não apenas da Justiça, mas da verdade. Nos EUA se discutem os fatos”, diz Möller, que ainda cita que na proposta brasileira não fica claro se o tipo de crime pode ou não ser negociado.

Incluído na legislação alemã desde 2009, o “plea bargain” foi confirmado quatro anos depois pelo Tribunal Constitucional. Isso não impediu que o modelo de encerramento de processos por negociação não sofresse críticas.

Em 2014 a Justiça do estado da Baviera fez um acordo com o então chefão da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, acusado de subornar o funcionário de um banco num negócio sobre a venda dos direitos comerciais da modalidade. Ele pagou multa de 100 milhões de dólares e ficou livre de acusação e qualquer outro tipo de punição.

Na época, a ex-ministra da Justiça da Alemanha Sabine Leutheusser-Schnarrenberger chegou a chamar o caso de “descaramento”. A idade avançada de Ecclestone, então com 83 anos, e a dificuldade de obter provas concretas do suborno fizeram a promotoria optar por um acordo. Para juristas e opinião pública, a multa não serviu de pena ao bilionário.

Críticas a esse modelo e também a falta de controle sobre os acordos fizeram com que o Ministério da Justiça da Alemanha iniciasse uma ampla pesquisa com juízes, promotores, advogados e sociedade sobre o “plea bargain”. Desde junho de 2018, pesquisadores de três universidades alemãs (Düsseldorf, Frankfurt e Tübingen) coletam material de entrevistas e analisam juridicamente como acordos em casos criminais são aplicados. A coordenação da pesquisa informou à DW que os primeiros resultados devem ser divulgados em junho do ano que vem.
DW

Share the Post:

Artigos relacionados