Leitura e capacidade de interpretação

Há uma relação direta entre a habilidade de ler e interpretar um texto e a capacidade de pensar, julgar e agir com verdadeira autonomia.

A estrutura da linguagem é a estrutura do pensamento – e a estrutura do pensamento é a estrutura da linguagem. A linguagem não é simplesmente um meio ou uma ferramenta do pensamento: ela é a própria condição para que se possa pensar.

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A raiz da catástrofe civilizacional brasileira está aí: a cada ano tornam-se mais raros os brasileiros capazes de ler e interpretar adequadamente um texto um pouco mais complexo. A nossa competência hermenêutica decai geração a geração – até o ponto em que muitos jovens de nosso tempo revelam-se simplesmente incapazes de perceber o domínio do discurso indireto, simbólico, plurívoco.

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A perda da competência hermenêutica é desastrosa: quem não lê bem não consegue raciocinar logicamente, não percebe os pressupostos ocultos dos argumentos, não se protege intelectualmente contra os chavões. Isto é: o mau leitor tem os seus afetos seqüestrados pela propaganda, as suas opiniões direcionadas pela mídia, as suas emoções incendiadas por palavras de ordem.

A pessoa alfabetizada, porém iletrada, acredita ser livre: ela compreende o discurso direto contido em frases e parágrafos simples; todavia, dificilmente percebe os campos de sentido nos quais o discurso se assenta – e toma por algo intuitivamente evidente o que não passa de propaganda cuidadosamente elaborada. Assim, a pessoa iletrada age em função de gatilhos lingüísticos sob a forma de chavões, slogans, palavras de ordem, frases de efeito, lacrações, sinalizações de virtude. Esses gatilhos condicionam-lhe a vontade, envenenam-lhe o pensamento e estabelecem limites restritos para o seu julgamento crítico.

O problema é que não podemos perceber a nossa própria insuficiência hermenêutica: no campo da interpretação não somos capazes de perceber onde estão as nossas próprias deficiências – porque somente as enxergamos quando por fim as superamos.

Sim, é inacreditável, amigos: conheço quem repita palavras de ordem e frases feitas – e de acordo com elas paute as suas ações – sem suspeitar, por um único instante, da sua transmutação num autômato falante, num boneco de ventríloquo cujo discurso, seqüestrado por ideologias, determina o seu juízo e as suas decisões.

Quem não sabe ler bem não sabe pensar bem; o seu pensamento acaba por ser estabelecido e orientado por outrem. Um povo iletrado é um povo condenado à servidão – a uma servidão que não se reconhece como tal, a uma servidão tomada como a mais completa liberdade, a uma servidão que se apresenta como uma obrigação da consciência ética.

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A tarefa mais urgente da civilização brasileira, a meta fundamental de toda a nossa organização educacional, o assunto das mais importantes discussões políticas de nosso tempo, deveria ser o pleno letramento dos brasileiros.

Mas a quem intessa que superemos a nossa crise civilizacional? Ou: se cada um de nós não tomar a responsabilidade pela sua própria formação literária, jamais seremos capazes de ler e interpretar os livros e o mundo, de ler e interpretar a História e as nossas circunstâncias – e jamais escaparemos do papel de bobos-alegres do mundo, para sempre jogando futebol sobre as terras mais ricas do planeta.

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