Ainda sem saber a causa do maior desastre ambiental do Brasil, Samarco quer voltar a operar. Moradores aguardam recontrução de vilarejos e temem desemprego. Segundo Ibama, trabalho de recuperação está atrasado.
No antigo vilarejo de Paracatu, a 35 km do centro de Mariana, o silêncio causa incômodo a quem sempre viveu ali. Os escombros das antigas casas, escola, restaurantes e igreja continuam cobertos por rejeitos da mineração, que se parecem com um lama espessa nesta manhã de chuva.
O povoado foi um dos mais atingidos pela enxurrada de rejeitos causada pelo rompimento da barragem Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Seis meses após aquele 5 de novembro de 2015, o acesso ao vilarejo foi restabelecido, o córrego que corta o lugar voltou a correr na superfície, mas ganhou um tom marrom escuro por ainda carregar restos de minérios.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
De vez em quando, o silêncio é interrompido por veículos da Samarco. Um deles transporta José Geraldo Gonçalves, 55 anos, produtor rural. Todos os dias, ele vai ao local tirar leite do gado que mantinha em sua pequena propriedade e cortar lenha para fazer carvão. Era assim que sustentava a família de dez filhos – seis ainda moram com ele e a esposa.
“Morei a vida inteira na roça, nunca pensei em morar na cidade”, conta. Desde a tragédia, a família de Gonçalves vive numa casa alugada pela empresa, recebe um salário mínimo acrescido de 20% por dependente, além de 400 reais em cesta básica. “Quero que consertem aqui pra gente voltar. Meu serviço todo é aqui, minha vida é aqui.”
Em Bento Rodrigues, distrito que ficava mais próximo à barragem e foi o mais arrasado, o acesso ainda é proibido. “Se eu pudesse, nunca mais iria lá”, desabafa José do Nascimento de Jesus, 70 anos. Mas o líder comunitário se prepara para uma visita. No próximo 15 de maio, o padre vai celebrar uma missa na única igreja do distrito que resistiu.
Seu Zezinho, como é conhecido, foi convocado como um dos organizadores. “Tenho que cuidar do transporte, da água, e já pedi uma ambulância também. Nem todos estão preparados para esse retorno.”
Sujeira escandalosa
Desde o desastre, ações de emergência para conter os rejeitos foram determinadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). A empresa também é obrigada a cumprir um plano de recuperação de longo prazo. A primeira proposta foi recusada pelo Ibama, por ter sido considerada “superficial e generalista”. A segunda versão está em análise, mas ainda não é adequada, adianta Paulo Fontes, do Ibama.
“Algumas ações estão atrasadas. A empresa tinha que ter começado em março, por exemplo, a dragagem dos rejeitos na represa da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves”, disse Fontes. Conhecida como Candonga, a represa conteve grande parte do material que vazou da barragem e impediu que o estrago no rio Doce fosse maior.
O RASTRO DA LAMA SEIS MESES DEPOIS
No período de estiagem, que se estende até outubro, a remoção dos rejeitos nas áreas afetadas tem que ser finalizado. “Estamos preocupados e vamos pressionar a empresa para completar toda a remoção nessa época. A chuva remexe a terra, e se o rejeito não for retirado, vai voltar a correr pra água”, explica Fontes.
Dentro dos limites da empresa, diques construídos tentam conter os sólidos que restaram dentro de Fundão, que ocupava 10 km2 . “A água que se verte hoje do complexo é límpida, clara, tem 20 NTU de turbidez (medida que identifica a presença de partículas em suspensão na água). Ela não tem sólido”, afirma Maury de Souza Junior, diretor de Projetos e Ecoeficiência da Samarco. Para consumo humano, por exemplo, o máximo aceito é de 5 NTU.
A magnitude da tragédia ambiental “é um escândalo”, classificou a ministra de Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Mais de 660 quilômetros de rios foram atingidos, a lama navegou pelo rio Doce até chegar ao litoral do Espírito Santo, onde pelo menos 70 quilômetros da costa foram poluídos.
O ministério estima que a recuperação das áreas degradas leve de 15 a 20 anos. “O compromisso é devolver um Rio Doce melhor do que estava. Fechamos um acordo de entrega de resultados. Não negociamos valor, um teto a ser gasto, mas o resultado de qualidade ambiental. O quanto isso vai custar é problema da empresa”, afirmou Teixeira.
Na foz do Rio Doce, análises em peixes e crustáceos indicam a presença de metais pesados, como arsênio e selênio, acima dos limites permitidos. A Samarco alega que também fez testes de bioacumulação nos animais e concluiu que os metais já estariam presentes antes do rompimento da barragem Fundão.
As várias faces do desastre
Com a paralisação da mineradora, maior empregadora e principal fonte de arrecadação da prefeitura de Mariana, o medo do desemprego é crescente. As contas da prefeitura também irão fechar no vermelho. “Vai faltar dinheiro. A previsão é fechar o ano devendo 40 milhões”, calcula Duarte Junior, prefeito e candidato à reeleição.
Duarte critica o distanciamento da empresa em relação aos problemas enfrentados pela cidade. “Acho que a BHP, Samarco e Vale deixam muito a desejar. Estão sendo omissas ao não buscarem uma real situação pra resolver o problema junto com governo federal e do estado. Há necessidade de uma intervenção pra manter a nossa receita com serviços que são essenciais”, critica. Só em uma clínica de saúde pública, por exemplo, o atendimento diário saltou de 400 para 740 pessoas desde o desastre. “É um aumento de despesa que ninguém percebe no dia o dia.”
O diretor da Samarco só vê uma solução para esse problema: voltar a operar. “É a única forma que se tem de reverter essa situação. Não tem outra. Porque você voltando a operar, você volta a gerar imposto, mantém os empregos.”
Retomada da exploração de minérios
A mineradora já enviou à Superintendência Regional de Regularização Ambiental Central Metropolitana (Supram), órgão licenciador de Minas Gerais, o pedido para retomada das atividades. As reservas estimadas no local são de cerca de 3 bilhões de toneladas de minério de ferro, o que garantiria o funcionamento da unidade até 2043.
A empresa quer utilizar uma cava de mina já explorada e preenchê-la com rejeitos que forem gerados. “Eles estão nos pedindo uma série de estudos técnicos, o que vai levar um pouco mais de tempo. E que não tem a necessidade, é só para ter uma segurança técnica 100%”, detalha Souza Junior. “O melhor prazo de retorno que a gente tem é dezembro”.
Enquanto isso, as causas do rompimento de barragem Fundão seguem desconhecidas. A estrutura foi construída em 2008, passava por obras de ampliação da capacidade e entrou em colapso total em apenas 3,5 minutos – um evento sem precedente nesse campo.
“A gente vem trabalhando com empresas dos EUA, e a melhor estimativa que a gente tem de saber as causas é agosto”, afirmou e Souza Junior. Desde a catástrofe, uma sala de monitoramento foi montada para vigiar 24 horas por dia as demais estruturas. Segundo a empresa, as barragens de Germano, construída em 1977, e de Santarém, em operação desde 1990, estão estáveis.
Seu Zezinho não quer mais se preocupar com possíveis riscos. Ele e a comunidade de Bento Rodrigues aguardam a reconstrução do vilarejo, que deve ganhar uma nova localização “mais segura, longe de barragens”, como defendem.
Antigo operador de máquinas, ele trabalhou mais de 20 anos na mineração. “Eu desmatava, abria frente, e eu sei que está tudo errado. Eu posso dizer uma coisa: não tem no mundo empresa que destrói tanto a natureza como as mineradoras.”