“Nas democracias, governantes não são ungidos por Deus, mas eleitos pela vontade popular”.
O Brasil atravessa uma grave crise que, segundo analistas, que não são poucos, é mais política do que econômica.
E por isso é mais difícil de resolver apesar da riqueza do país em recursos naturais, matérias primas e capacidade criativa.
A economia brasileira, além disso, não enfrenta um risco de quebra como o caso da Grécia ou Venezuela.
É o que diz o correspondente Juan Arias, do jornal espanhol El País, em artigo publicado nessa quarta-feira (26/08).
O problema é, acima de tudo, político. O povo das ruas o sabe.
O deixou claro em suas últimas reivindicações de protesto nas quais ressoaram mais os gritos contra os políticos e seus crimes de corrupção, do que sobre a inflação ou o desemprego, dois fantasmas que assustam cada vez mais.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
O que não funciona, e parece sem solução, é o enredo político com atores medíocres, mais burocratas que estadistas, que não conseguem recitar os grandes dramas e parecem conformar-se com resultados de opereta. Um papel que mal se conjuga com a democracia consolidada e moderna de um país continental como o Brasil.
Existem muitas explicações ao desafio que o Brasil enfrenta: o de conjugar uma política exercida por profissionais com o desenvolvimento de uma economia com grandes possibilidades e capacidades.
Talvez a menos prevista, e a razão pela qual os políticos se afogam e a recuperação econômica se atrasa, é a tentação latente de sacralizá-los ao mesmo tempo que se lhes outorga impunidade, como se não fossem cidadãos como os demais.
Se algo deveria distinguir as democracias modernas dos antigos regimes totalitários é de ter se libertado do perigo dos messianismos, seja religiosos ou ideológicos.
O Brasil não vive os tempos bíblicos em que foi necessário um Moisés messiânico para libertar o povo judeu da escravidão do Egito.
Nem vive os tempos das teocracias da Idade Média, durante as quais os reis governavam em nome de Deus, com quem não é possível discutir, só obedecer.
A modernidade é incompatível com dogmas políticos. Os governantes, nas democracias, não são ungidos por Deus e devem só responder às leis e à vontade de quem os elege livremente. E são proibidos de mentir.
Quanto mais perfeita é uma democracia, menos os políticos têm. Em um cenário assim, os representantes do povo chegam a confundir-se na rua com as pessoas comuns, sem privilégios. Essas democracias maduras não precisam de heróis, nem de messias, nem de salvadores da Pátria, nem de pais ou mães dos pobres.
A eles lhes é exigido apenas capacidade para governar com acerto e justiça, tendo em conta sempre, a hora de dividir os orçamentos, as necessidades mais urgentes, como reduzir as desigualdades sociais e alentar o crescimento do país.
Poderá parecer simples, mas na prática as coisas não são tão fáceis nem delicadas. Os que chegam ao poder se esquecem que não ganharam o posto por uma designação divina, mas pelo voto popular.
Inclusive nos países com Constituições democráticas existe a tentação, alimentada às vezes pela mesma sociedade, de sacralizar o poder.
Certos messianismos seguem ainda vivos, com sua nefasta carga antidemocrática e até ditatorial, em vários países da América Latina, onde uma mistura de fundamentalismo religioso, fomentado pelas Igrejas Evangélicas e de messianismo ideológico, herdado dos velhos socialismos totalitários, impede o desenvolvimento de democracias modernas e participativas.
Quando os governantes são divinizados, se tornam indispensáveis e insubstituíveis, até o ponto em que qualquer movimento de mudança política é visto como diabólico e contra os pobres.
No Brasil, um país com uma constituição democrática e separação entre a Igreja e o Estado, segue viva a tentação de querer levar Deus ao Congresso, ou aos bancos da Justiça, sacralizando a vida pública e com ela seus governantes, ainda que depois sejam denegridos e criticados.
Há até quem defende que se introduza na Constituição que o poder vem de Deus e não do povo. E há legisladores evangélicos que profetizam que, se um deles chega à presidência brasileira, seria por vontade divina. Dizem também que governariam consultando a Bíblia antes da Constituição.
Só quando a política se limita à arte de governar com capacidade e com ética, sem tentações messiânicas, pode-se falar de democracia.
Não existem políticos ungidos por Deus, insubstituíveis e eternos.
O poder deles é temporal. Só o da sociedade é permanente e inapelável. Eles estão a seu serviço e não ao contrário.
Esquecê-lo é abrir a porta a todo tipo de instabilidade que acaba, inexoravelmente, em crises econômicas e irritação popular.
El País/Juan Arias