A candidatura ao Senado de 2010 do líder do governo, Delcídio Amaral (PT-MS), registrou três doações eleitorais, no total de R$ 200 mil, de duas empresas do lobista Júlio Camargo que receberam R$ 67 milhões da construtora Camargo Corrêa “sem terem realizado qualquer serviço”.
FOTO: JOSÉ CRUZ/ABR
O dado consta do laudo pericial da Polícia Federal que cruzou “doações de cunho político” feitas pela empreiteira – acusada de cartel e corrupção na Lava Jato -, com valores recebidos em contratos da Petrobrás e os pagamentos por consultorias e serviços, a partir de 2006.
A primeira doação para a campanha de senador de Delcídio ocorreu em 28 de julho de 2010, valor R$ 100 mil, pagos pela empresa Treviso do Brasil Empreendimento. Poucos dias depois, em 13 de agosto, foram feitos dois repasses que somaram mais R$ 100 mil: um de R$ 50 mil da Treviso e outro de R$ 50 mil da Piemonte Empreendimentos.
As duas empresas pertencem ao lobista Julio Gerin Camargo, apontado como operador de propinas no esquema de cartel e corrupção na Petrobrás, desbaratado pela Lava Jato a partir de março de 2014.
Ele representava comercialmente a Camargo Corrêa e empresas internacionais – como o grupo japonês Mitsui, envolvido no inquérito que investiga o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
Segundo afirmou o ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini, em acordo de delação premiada, Piemonte e Treviso receberam da empreiteira valores mesmo “não tendo sido prestado qualquer serviço”.
“Somando-se o total pago à empresa Treviso, com o total pago à empresa Piemonte, obtêm-se o montante de R$ 67,7 milhões pagos nos anos de 2010 e 2012”, informa o laudo 1047/2015. Subscrito pelo perito criminal federal Ivan Roberto Ferreira Pinto, o documento usou dados de contabilidade da empresa, em poder da PF, e de levantamento comercial e eleitoral.
Foram registrados ainda pagamentos de valores para candidatos a prefeito e vereador no Mato Grosso do Sul, em 2012, feitos pelas duas empresas do lobista, que totalizaram R$ 320 mil. O senador admitiu que foi ele quem pediu tais contribuições.
Avancini e outro alto executivo da Camargo Corrêa, Eduardo Leite (ex-vice-presidente), foram presos em novembro de 2014 pela Lava Jato. Após fecharem acordo de delação premiada, em abril, cumprem prisão preventiva em casa.
Em seus termos de delação, eles confessaram envolvimento no esquema de cartel e corrupção e apontaram outro executivo da Camargo Corrêa, Marcelo Bisordi, como responsável pelos assuntos de doações aos partidos políticos.
Avancini e Leite apontaram os nomes do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa como pessoas que pediram doações para a Camargo Corrêa para a campanha de 2010.
Ao todo, a Camargo Corrêa registrou o repasse de R$ 183 milhões em “doações de cunho político” entre 2008 e 2013 – destinadas a candidaturas e partidos da situação e da oposição -, mostra o laudo.
O líder do governo no Senado não é alvo da Lava Jato. Seu nome chegou a ser citado nas delações, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não havia elementos, em março, para abrir naquele momento um inquérito.
Ex-ministro de Minas e Energia no governo Itamar Franco, entre 1994 e 1995, Delcídio foi também diretor de Gás e Energia da Petrobrás, no governo Fernando Henrique Cardoso, e ex-funcionário da Shell, na Holanda. Aliado do ex-governador do Mato Grosso do Sul Zeca do PT, é também próximo do ex-diretor de Internacional da estatal Nestor Cerveró – preso desde janeiro, em Curitiba.
Ex-PT
O laudo destaca ao todo R$ 1 milhão em doações da Piemonte e Treviso à candidaturas nas eleições de 2010 e 2012. Entre elas, além de Delcídio, está a então candidata ao Senado por São Paulo, pelo PT, Marta Suplicy. Sem partido atualmente, a ex-prefeita da capital paulista recebeu R$ 100 mil.
Foi uma doação de R$ 50 mil da Piemonte e R$ 50 mil da Treviso, ambas no dia 13 de agosto – mesma data que Delcídio recebeu iguais valores das duas empresas.
Após 33 anos de militância no PT, a senadora oficializou no final de abril sua saída do partido com uma carta na qual afirmou ter ficado constrangida com o “protagonismo” da legenda em “um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou”.
“Mesmo após a condenação de altos dirigentes, sobrevieram novos episódios a envolver a sua direção nacional”, afirmou a senadora, referindo-se indiretamente ao mensalão, revelado em 2005, no governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva, e ao escândalo de corrupção na Petrobrás, desbaratado em 2014, no governo de Dilma Rousseff.
Marta e Delcídio também aparecem no laudo da PF nas doações oficiais registradas pela Camargo Corrêa em sua contabilidade. Marta recebeu R$ 2,5 milhões, em quatro doações de R$ 500 mil cada, entre 20 de julho e 22 de setembro. Delcídio recebeu R$ 500 mil no dia 20 de julho.
As doações registradas são oficiais, afirma a Camargo Corrêa, e feitas dentro da legalidade. Investigadores da Lava Jato, no entanto, têm elementos para apontar que os pagamentos legais aos partidos serviram para ocultar propina desviada da Petrobrás.
No esquema, que já chegou ao um rombo reconhecido pela estatal de R$ 6 bilhões, PT, PMDB e PP controlavam diretorias da estatal, por meio da qual arrecadavam de 1% a 5% em contratos que eram fatiados por 16 empresas cartelizadas, entre elas a Camargo Corrêa.
COM A PALAVRA, AS DEFESAS
Por meio de sua assessoria de imprensa, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), alega que “as doações de 2010 foram devidamente registradas na prestação de contas do senador Delcídio e julgadas legais pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme registros públicos”.
“Com relação aos candidatos de 2012 as doações, também legais, foram feitas por solicitação do senador Delcídio Amaral.”
COM A PALAVRA, A CRIMINALISTA BEATRIZ CATTA PRETA
Julio Camargo nunca foi lobista. Quanto ao contrato mencionado, já declarou os fatos em colaboração, e ratifica que atuou sempre como representante comercial da empresa em questão. Nunca teve qualquer contato com o sr. Dalton Avancini, causando espécie a declaração do mesmo de que nenhum serviço tenha sido prestado.
Agência Estado