Crise, que crise?
Gen Bda Eliéser Girão Monteiro Filho
ex comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva (Boa Vista – Roraima)
futuro secretário de Segurança de Roraima
Em tempos de crise, diz o ditado popular, é que conhecemos melhor as pessoas.
Pois é: temos ou não uma crise?
No mundo inteiro é quase certo que esta situação é mais do que uma realidade, aliás, triste realidade.
Quais são os fatos?
São perdas de milhares de empregos, falta de produtos manufaturados, falta de alimentos, mau uso do dinheiro público, trazendo reflexos negativos para problemas sociais, políticos, econômicos, militares, enfim em todas as áreas.
Até nas maiores democracias do mundo, exemplos de aproveitamento da situação caótica que o mundo está passando nos mostram que: falar é fácil, fazer é que são elas.
O pagamento de bônus pela e para membros da alta administração de uma empresa de seguros nos Estados Unidos, trouxe revolta aos cidadãos americanos, em função de que esses pagamentos estavam sendo feitos a profissionais que foram responsáveis por prejuízos. E então, como pagar prêmios a quem trabalhou sem competência?
E o pior, em relação à proteção do dinheiro do cidadão, este está entregue à própria sorte. Quem escondeu no colchão não perdeu quase nada. Entretanto, aqueles que confiaram no sistema financeiro internacional e nas autoridades, perderam toda uma vida de economias e sonhos.
É a globalização negativa, mostrando ao mundo que a proteção de seus bens é um fenômeno muitas vezes virtual, muito mais frágil do que em qualquer época do passado.
A confiança do cidadão eleitor, entretanto, está depositada nas autoridades por ele escolhidas, que devem ou deveriam proteger os interesses dos que os escolheram. Pelo menos, assim estão organizadas a quase totalidade das sociedades do mundo.
Aqui no Brasil, quando dos primeiros sintomas da crise, há uns oito meses atrás, autoridades foram à mídia dizer que não haveria tal situação em nosso país; outras que seria apenas uma marolinha. Fica difícil culpar erros de avaliação, mas, também não podemos demonstrar que somos ingênuos. A estrutura de um país é complexa e as informações disponíveis aos dirigentes precisam ser completas e confiáveis.
E aí, como ficamos? Aqueles que ouviram os apelos para que fossem às compras, estão agora correndo riscos de não terem como pagar seus compromissos, simplesmente por terem perdido seus empregos, pela insegurança do mercado e a alta de suas despesas pessoais.
Enfim, estão instaladas a dúvida e o medo. É o ponto de partida para o aparecimento de fatos espetaculares, provocados pelos mesmos dirigentes, na busca do esquecimento dos problemas maiores do país.
Assim, temos observado o acirramento do nacionalismo em países vizinhos, como pretexto para solução da tal crise, mas na verdade para calar as vozes da oposição.
No Brasil são decisões que invertem o sentido dos direitos coletivos e individuais que produzem movimentos com finalidades amnésicas, como por exemplo, a concessão de grandes extensões de terras para pequena representatividade nacional. É a volta dos grandes latifundiários.
E tudo sem a consulta ao membro da Federação brasileira, diretamente envolvido, para saber como poderia ou poderá solucionar os problemas decorrentes da decisão do poder central.
Aliás, decisão foi o que faltou desde o início dos problemas naquela região, nos idos dos anos 90, apesar de várias orientações terem sido prestadas aos dirigentes de então, principalmente pelas áreas militar e de inteligência. Infelizmente, a solução veio em dois capítulos, um em 2005 e outro em 2009, com o prenúncio infeliz que dias melhores não virão.
Não nos cabe aqui apresentar mais detalhes sobre como a situação chegou a esse ponto, apenas levantar o interesse para a reflexão. Mesmo considerando que houve uma decisão judicial e que a mesma terá que ser cumprida.
Ou melhor, o assunto é tão complexo que deveríamos admitir nossa incompetência em estudá-lo. Não foi somente uma decisão, foram duas: a primeira do Poder Executivo e a segunda do Supremo Tribunal Federal.
Perguntas simples deveriam ter sido respondidas antes das decisões:
– na ação de retirada dos ditos invasores poderá haver quebra da segurança pública nas cidades?
– haverá reação? Há risco de mortes dentre os que se sentirem prejudicados, exatamente como o ocorrido em Eldorado dos Carajás, no Sul do Estado do Pará?
– como fica a redução na arrecadação dos impostos decorrentes da atividade produtiva de arroz que foi mandada ser destruída?
– como será equacionada a convivência entre índios de mesma etnia que têm pensamentos diferentes em relação à integração com os não índios?
– quem efetivamente irá prover o dia a dia da segurança pública dentro dessa enorme área demarcada? Merece citar que na caso da Raposa Serra do Sol, o Ministério Público Federal de Roraima, enviou recomendação ao governador daquele estado, para que retirasse todos os elementos de policiamento de dentro da terra indígena. Quem fará o cumprimento da manutenção da ordem do STF?
– quem irá garantir que após a ação de retirada, os direitos dos índios serão garantidos, principalmente considerando-se essa diferença de pensamento?
como fica a situação daqueles miscigenados, isto é, daquelas famílias compostas por índios e não índios? Terão que pagar pela ousadia de repetirem os mesmos passos de seus antepassados?
– apesar de ter sido reescrito pelo Supremo Tribunal Federal, que não pode haver impedimento da circulação da Polícia Federal na terra indígena, quem vai garantir que a presença dessas tropas realmente vai passar a ocorrer? Temos que considerar que hoje não há efetivo disponível para cumprir tal decisão e que, em função da negada crise, as contratações de mais pessoal pelo Governo Federal já estão ameaçadas de serem adiadas.
– como proceder para manter a capacidade de produção de arroz do Estado de Roraima, já que os maiores produtores estarão sendo expulsos de suas terras?
Não teria sido melhor prever um prazo para que outras áreas pudessem vir a serem disponibilizadas, evitando-se desemprego ou desabastecimento?
– e em relação aos indígenas proprietários do latifúndio, serão eles orientados a continuar a produção, ou terão a opção simples de abandonar a terra tornada produtiva?
– Finalizando, dizemos que decisão do Supremo tem que ser cumprida, mas que muitas dúvidas ainda pairam, cabendo à Corte Maior do nosso país arcar com a responsabilidade sobre tal ato.
– Cabe-nos ainda uma esperança de que o outro Poder excluído do problema, o Legislativo, decida estudar o ato de garantir os direitos dos representados, e reavaliar a competência sobre os estudos que conduzam à definição sobre as demarcações. E ainda, que o Executivo possa finalmente apresentar uma verdadeira política indígena, integradora e mantenedora das culturas e civilizações que temos em nosso país.
Por amor ao Brasil e por amor a Roraima, peço a Deus que eu esteja errado.