Sabemos que o aquecimento global está acontecendo. É consenso também que as mudanças climáticas são resultado do aumento das emissões de carbono pelas atividades humanas, como a degradação da terra e a queima de combustíveis fósseis. Por fim, sabemos que precisamos de uma solução urgente.
Um recente relatório internacional de especialistas em clima alerta que a Terra deve registrar um aquecimento médio de 1,5°C nos próximos 11 anos.
Quando isso finalmente ocorrer, podemos esperar um “aumento dos riscos para a saúde, meios de subsistência, segurança alimentar, abastecimento de água, segurança humana e crescimento econômico”.
Os mesmos especialistas também descobriram que o aumento da temperatura já alterou os sistemas humanos e naturais de maneira profunda, resultando em condições meteorológicas mais extremas, o derretimento de calotas polares, a elevação do nível do mar, secas, enchentes e a perda crescente de biodiversidade.
Apesar de sabermos disso tudo, não mudamos até agora nossos comportamentos em uma escala grande o suficiente para impedir as mudanças climáticas. Por quê?
A resposta pode estar em nossa própria evolução. Os mesmos comportamentos que nos ajudaram a sobreviver estão hoje atuando contra nós.
Mas é importante lembrar-se de uma coisa. De fato, nenhuma outra espécie evoluiu de modo a criar um problema tão grande – mas nenhuma outra espécie evoluiu com uma capacidade tão extraordinária de resolvê-lo.
Vieses cerebrais
A dificuldade de trabalharmos em conjunto para pôr fim ao aquecimento global se deve à forma como nossos cérebros evoluíram nos últimos 2 milhões de anos.
“Os seres humanos são muito ruins em entender as tendências estatísticas e as mudanças de longo prazo”, diz o psicólogo político Conor Seyle, diretor de pesquisa da One Earth Future Foundation, uma incubadora de programas que foca na promoção da paz a longo prazo sediada no Colorado, nos Estados Unidos.
“Evoluímos para prestar atenção às ameaças imediatas. Superestimamos ameaças que são menos prováveis, mas mais fáceis de lembrar, como o terrorismo. Por outro lado, subestimamos ameaças mais complexas, como as mudanças climáticas”, explica.
Nas fases iniciais da existência humana, enfrentamos uma série de desafios diários à nossa sobrevivência e à nossa capacidade de reprodução – de predadores a desastres naturais. Muita informação pode confundir nossos cérebros, levando-nos à inação ou a escolhas erradas que podem nos colocar em perigo.
Como resultado, nossos cérebros evoluíram para filtrar informações rapidamente e se concentrar no que é imediatamente essencial para nossa sobrevivência e reprodução. Também evoluímos para lembrar tanto das ameaças, para que fossem evitadas no futuro, quanto das oportunidades, para que pudéssemos lembrar encontrar fontes de alimento e abrigo.
Essas evoluções biológicas garantiram nossa capacidade de nos reproduzir e sobreviver ao fazer com que nossos cérebros economizassem tempo e energia para lidar com grandes quantidades de informações. No entanto, essas mesmas funções são menos úteis em nossa realidade moderna e provocam erros quando temos que tomar decisões racionais. São os chamados vieses cognitivos.
“Vieses cognitivos que garantiram nossa sobrevivência inicial dificultam o enfrentamento de desafios complexos e de longo prazo que agora ameaçam nossa existência, como as mudanças climáticas”, diz Seyle.
Os psicólogos identificaram mais de 150 vieses cognitivos que todos compartilhamos. Desses, alguns são especialmente importantes para explicar nossa inação sobre as mudanças climáticas.
Entenda alguns deles.
Desconto hiperbólico: Damos mais valor ao presente do que ao futuro. Durante a maior parte de nossa evolução, foi mais vantajoso nos concentrarmos no que pode nos matar ou nos devorar agora, não mais tarde. Esse viés agora impede nossa capacidade de agir para enfrentar desafios mais distantes, lentos e complexos.
Nossa falta de preocupação com as futuras gerações: A teoria evolucionista sugere que nos preocupamos mais com apenas algumas gerações de nossas famílias. Em outras palavras: dos nossos bisavós aos nossos bisnetos. Sendo assim, apesar de sabermos o que precisa ser feito para lidar com as mudanças climáticas, temos dificuldade em observar por que devemos nos sacrificar para as gerações futuras.
O efeito espectador: Tendemos a acreditar que sempre haverá alguém que vai lidar com uma crise por nós. Desenvolvemos essa característica ao longo de nossa evolução. Se um animal selvagem ameaçador está pronto para atacar nosso grupo, seria um desperdício de esforço se cada membro entrasse em ação – sem mencionar que isso colocaria desnecessariamente mais pessoas em perigo. Em grupos menores, era claro quem agiria contra essas ameaças, então, essa tática funcionava. Mas, hoje em dia, esse pensamento nos leva a supor (muitas vezes erroneamente) que nossos líderes devem estar fazendo algo sobre o aquecimento global. E, quanto maior o grupo, mais forte esse viés se torna.
A falácia do custo irrecuperável: Somos inclinados a manter o mesmo curso mesmo diante de resultados negativos. Quanto mais tempo, energia ou recursos investimos nesse curso, maior a probabilidade de continuarmos com ele – mesmo que não seja o mais ideal. Isso ajuda a explicar, por exemplo, nossa dependência contínua de combustíveis fósseis como fonte primária de energia apesar de décadas de evidência de que podemos – e devemos – fazer a transição para energia limpa e um futuro sem carbono.
Esses vieses cognitivos evoluíram por um bom motivo. Mas agora estão prejudicando nossa capacidade de responder ao que poderia ser a maior crise que a humanidade já criou ou teve que enfrentar.
Ascendente Evolutivo
A boa notícia é que nossa evolução biológica não nos impediu de enfrentar o desafio do aquecimento global. Também nos deu as ferramentas para solucioná-lo.
Leve em consideração nossa capacidade de “viajar no tempo” mentalmente. Em comparação com outros animais, somos os únicos capazes de recordar eventos passados e antecipar cenários futuros.
Podemos imaginar e prever resultados múltiplos e complexos, além de identificar ações necessárias no presente para alcançar os resultados desejados no futuro. E, individualmente, muitas vezes nos provamos capazes de agir de acordo com esses planos. Guardamos dinheiro para nossas aposentadorias e compramos seguros, por exemplo, como formas de compensar nossos interesses de curto prazo no longo prazo.
Infelizmente, essa capacidade de planejamento para assegurar um resultado futuro diminui quando é necessária uma ação coletiva em larga escala – como é o caso das mudanças climáticas. Como indivíduos, sabemos o que podemos fazer em relação ao aquecimento global. Mas abordar a questão também requer ação coletiva em uma escala que excede nossas capacidades evolutivas. Quanto maior o grupo, mais desafiador fica. Você se lembra do efeito espectador?
Mas, em pequenos grupos, a história é diferente.
Limites para relações estáveis
Como primatas, evoluímos de forma a cooperar para defender o território e colher alimentos e recursos de forma sustentável para o grupo, garantindo diversidade genética suficiente para procriar.
Experiências antropológicas nos mostram que, em média, um indivíduo pode manter relações estáveis com outras 150 pessoas – um fenômeno conhecido como “número de Dunbar”. Mais do que isso, as relações sociais começam a desmoronar, minando a capacidade do indivíduo de confiar e depender das ações dos outros para alcançar objetivos coletivos de longo prazo.
Reconhecendo o poder de pequenos grupos, a Exposure Labs, empresa cinematográfica por trás dos premiados documentários Chasing Ice e Chasing Coral, vem usando seus filmes para incentivar comunidades a tomar ações locais sobre o aquecimento global.
Por exemplo, na Carolina do Sul, um Estado americano repleto de líderes que negam as mudanças climáticas, a Exposure Labs exibe um filme para iniciar um debate, convidando pessoas de vários grupos de interesse – como os setores agrícola, pesqueiro e turístico – para falar sobre como as mudanças climáticas os afeta pessoalmente.
Eles então trabalham com esses pequenos grupos para identificar ações práticas que podem ser tomadas imediatamente a nível local de forma a causar um impacto – algo que ajuda a gerar a pressão política necessária para obrigar os parlamentares a aprovar legislações locais ou estaduais relevantes.
Quando as comunidades locais moldam a narrativa em torno dos interesses individuais, as pessoas são menos propensas a sucumbir ao efeito de espectador e mais propensas a se engajarem.
Essas abordagens também usam algumas outras estratégias psicológicas. Primeiro, quando pequenos grupos estão envolvidos em propor soluções, eles experimentam o efeito de doação: quando possuímos algo (até mesmo uma ideia), tendemos a valorizá-lo mais.
Em segundo lugar, comparação social: costumamos nos avaliar observando os outros. Se estamos cercados por outras pessoas em um grupo que estão agindo contra as mudanças climáticas, é mais provável que façamos o mesmo.
Essa é também a mesma essência por trás de programas como a comparação do consumo de energia de uma família com outra em um bairro.
Pesquisas mostram que quando as pessoas comparam seu uso de energia com os de seus vizinhos por meio de informes em suas contas de energia, é mais provável que elas acabem reduzindo seu consumo.
De todos os nossos vieses cognitivos, no entanto, o efeito de enquadramento é um dos que mais afetam nossos processos de tomada de decisão.
Os seres humanos são mais propensos a mudar o comportamento quando os desafios são enquadrados de forma positiva, em vez de negativamente. Em outras palavras, como nos comunicamos sobre as mudanças climáticas influencia a forma como reagimos.
As pessoas são mais propensas a agir em relação a um quadro positivo (“um futuro de energia limpa salvará X número de vidas”) versus uma declaração negativa (“vamos nos extinguir devido às mudanças climáticas”).
“A maioria das pessoas acredita no aquecimento global, mas se sente impotente para fazer algo a respeito, pois os resultados não são tão imediatos e muitas vezes sentidos longe de suas casas”, diz a diretora-executiva da Exposure Labs, Samantha Wright. “Para que as pessoas saiam da inércia, precisamos fazer com que a questão pareça direta e pessoal abordando o problema localmente, apontando tanto para impactos quanto soluções locais: como gerar 100% de energia renovável.”
Da mesma forma, a mudança de comportamento também deve ser incentivada a nível local. Um país que lidera nesse sentido é a Costa Rica, que, em 1997, implementou um imposto inovador sobre combustíveis fósseis.
Para aproximar os contribuintes dos benefícios práticos que essa taxa traz para a comunidade, parte da receita arrecadada se destina a agricultores e comunidades indígenas. Esses grupos, então, usam o dinheiro para proteger e reflorestar as matas nativas do país.
O sistema da Costa Rica “agora gera US$ 33 milhões anualmente para esses grupos e ajudou o país a reverter seu desmatamento enquanto crescia e transformava sua economia”, diz Carlos Manuel Rodríguez, ministro de Meio Ambiente e Energia da Costa Rica.
Em 2018, 98% da eletricidade utilizada no país (cujo território é um pouco maior do que o Estado do Rio de Janeiro) veio de fontes de energia renováveis. Naquele mesmo ano, o Brasil divulgava ter uma fatia renovável em torno de 80%.
Rodríguez diz que o país está indo ainda mais longe: a Costa Rica anunciou uma meta de neutralizar suas emissões de carbono até 2050. Para isso, pretende elevar a parcela dos ônibus elétricos para 70% de toda a frota até 2035 e reduzir o número de carros usados nas cidades pela metade até 2040. A chave tem sido um esforço organizado em larga escala – mas apoiado e assimilado por centenas de grupos e comunidades menores.
Em maior escala, o Acordo de Paris e o plano de neutralidade de carbono para 2050 da União Europeia desempenham um papel semelhante, criando um quadro de ação comum sobre mudanças climáticas para países, cidades, vilarejos e setor privado.
“O plano de carbono da UE para 2050 é o que é necessário a nível global para gerar impulso, conscientização e ação, e, mais importante, é um exemplo que pode ser imitado e replicado por outros”, diz Patricia Zurita, CEO da BirdLife International, uma parceria global de organizações de conservação de aves.
Acima de tudo, a característica mais útil que desenvolvemos ao longo de nossa evolução é nossa capacidade de inovar. No passado, usamos essa habilidade para descobrir o fogo, inventar a roda ou plantar os primeiros campos.
Hoje, ela se traduz em painéis solares, parques eólicos, veículos elétricos e precificação do carbono. Junto com a inovação, evoluímos para que a comunicação e a tecnologia passem por essas inovações, permitindo que uma única ideia ou invenção se espalhe muito além de nossa própria família ou cidade.
Evoluímos para sermos capazes de impedir a mudança climática induzida pelo homem. Agora é o momento de agir.
Matthew Wilburn King, consultor internacional e conservacionista, vive em Boulder, no Colorado (EUA). Também é presidente da COMMON Foundation.