“Ilhas” dissonantes no STF formam colcha de retalhos potencialmente danosa

Em excelente entrevista ao blog Os Constitucionalistas (posteriormente reproduzida no portal Justificando), o professor de Direito Constitucional Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo, quando questionado se seria o Supremo Tribunal Federal um arquipélago de ilhas, assim afirmou:

Por Daniel Grajzer

“Um ministro pode individualmente tomar decisões liminares que consumam efeitos irreversíveis, engavetar casos e jogá-los para um futuro indefinido, desengavetar casos que estavam aguardando julgamento há muitos anos ou poucos meses. O STF é refém dos caprichos de cada um dos seus ministros. Nada melhor define as “onze ilhas”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Duplo”]

Conforme levantado pelo ilustre jurista, e tantos outros de renome como Ives Gandra Martins, a Suprema Corte brasileira vive atualmente uma complexa realidade: (i) por um lado as decisões colegiadas destoam totalmente entre si, formando apenas um emaranhado numérico de votos por maioria; (ii) por outro lado 90% das decisões do STF são monocráticas.

Esse ambiente jurisdicional é benéfico para o ordenamento? Esse arranjo da Corte não compromete a competência do tribunal de “guardar a Constituição”?

Uma corte constitucional precisa ter, necessariamente, coerência e coesão argumentativa nas suas decisões, o que contribui para solidificar e garantir a eficácia dessas. Ter um colegiado de ministros que utilizam as mais diversas teses e fundamentações facilita um ambiente de caos hermenêutico, que permite, por exemplo, que o Senado Federal (como já vimos por duas vezes recentemente) simplesmente se recuse a cumprir uma decisão do Supremo.

Sabendo dessa fragilidade da decisão judicial, o senador Renan Calheiros pôde tranquilamente ignorar liminar proferida pelo ministro Marco Aurelio, pois já sabia de antemão que o arquipélago de ilhas decisionais alteraria o entendimento liminar.

Para elucidar essa situação acima exposta, elaboramos um quadro comparativo com trechos das liminares do ministro Celso de Mello (ou podemos dizer Ilha de Páscoa?) e do ministro Gilmar Mendes (Fernando de Noronha?) demonstrando as enormes divergências doutrinárias, jurisprudenciais e principiológicas das duas “ilhas decisionais” diante de um mesmo tema: a nomeação de uma pessoa para o cargo de ministro de Estado e o suposto desvio de finalidade do ato (com intuito de obter o foro privilegiado, garantindo supostamente maior proteção ao acusado).

Reconhecendo-se as nuances fático/probatórias que diferenciam o caso do ex-presidente Lula e do atual ministro Moreira Franco, as teses jurídicas defendidas nos mandados de segurança impetrados pelos partidos políticos Rede/PSOL (no caso Moreira) e PPS/PSDB (no caso Lula) eram muito semelhantes para que nos deparássemos com decisões tão discrepantes.

Nessa linha, analisando-se ambas liminares e iniciais, as diferenças fáticas apontadas poderiam ser relativas à situação das pessoas cuja nomeação foi questionada pelos partidos: (i) Lula já era formalmente investigado, havia sido alvo de interceptações telefônicas (ilegalmente divulgadas pelo juiz Sérgio Moro) e tinha pedido de prisão pendente; (ii) Moreira Franco foi citado em delações premiadas da empresa Odebrecht.

Ocorre que a nuance fática acima citada não implica, juridicamente, em situação diversa para os cidadãos/ministros de Estado, ao menos sob a ótica da Constituição Federal e legislação infraconstitucional, tese já firmada em diversos julgados do STF:

“em relação aos direitos e garantias individuais a todos assegurados, indistintamente, pela própria Constituição, com especial destaque, ante o seu caráter de essencialidade, para o direito fundamental de sempre ser presumido inocente até o trânsito em julgado de eventual condenação criminal (RT 418/286 – RT 422/307 – RT 572/391 – RT 586/338 – RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 95.886/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), valendo acentuar, ainda, que esse postulado constitucional – comum tanto ao Ministro de Estado quanto aos cidadãos em geral – mostra-se igualmente extensível à esfera eleitoral (ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) e ao plano administrativo, inclusive em matéria de investidura em cargos públicos (AI 741.101-AgR/DF, Rel. Min. EROS GRAU – RE 450.971- AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 1.006.604/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g)”

As diferenças de pensamento são, via de regra, salutares, mas a existência atual de “ilhas” dissonantes no Supremo Tribunal Federal mostra-se potencialmente danosa para o nosso ordenamento jurídico pátrio. E se uma dessas “ilhas” resolver entrar em erupção?

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