Da poesia
Artur Eduardo Benevides¹
1.
A poesia
é um pequenino veio nas colinas
a se espalhar por vésperas e matinas
até encontrar a solidão do mar.
E a solidão somos nós.
O mar:
o pranto o a voz
dos que Jamais puderam regressar.
2.
A poesia
(passacale final na escadaria
de mármore do templo)
é uma vela na noite a iluminar
os mais lívidos rostos, num convento.
Mas também é o momento
de despertar nas cores das manhãs
quando olhamos as aves sobre a paz
de acácias e romãs.
3.
É o apelo da flor na correnteza.
Ou a grandeza de todos os silêncios
sob a lâmina aguda da tristeza.
E é minha mão trêmula, a escrever
nas águas imóveis de um lago
o teu nome tão leve
qual súbito afago.
4.
e do nosso ser fragmentado.
E deve estar sempre ajoelhado
ao pé de seu êxtase e verdade.
Ele é mais do que o vôo de um pássaro
traçando linhas no azul dos céus
onde as tardes ficaram penduradas.
É o suplicar dos olhos das Amadas.
E nele respiramos. Ou cantamos.
E só assim nossa alma ficará
igual às noivas marchando para o altar.
Ou a jograis a narrar as suas coitas
e a relembrar a dor de vãs batalhas
em que morremos ao saltar do amor
as últimas muralhas.
5.
Oh, a poesia
é a tristeza sem fim no olhar de Lia!
É um balir de ovelhas ou um brilhar de estrelas
sobre as rosas nascidas a jusante
de nossa expectação mais verdadeira.
Ou a dolorosa verdade das cousas
que tentaram em vão acontecer.
E nós, que começamos a desaparecer,
semelhantes às nuvens de verão,
chegamos em silêncio
às torres finais da solidão.
6.
A poesia
(clarinete a tocar num minarete)
é minha outonal marinharia.
O madrigal arfante. A companhia
dos que demandam comigo o Santo Graal.
É minha Távola Redonda
(hermosa noche de ronda)
ou minha
mercadoria espiritual.
7.
Todo poema é triste. E sobreexiste
para que plenilúnios banhem os infortúnios
e Dionisos recrie perdidos paraísos
ou o inesperado
não doa qual visão da sombra do enforcado.
8.
Trampolim ou bergantim
a poesia é a palavra andarilha
a criar o soneto e a gentil redondilha.
Depois, em disparada, segue pelos montes
levando, em liberdade, o homem às suas fontes.
(Se tal não for será como o amor que nunca foi amor.)
9.
Ó poesia,
flamboyant que em silêncio pomos
no espaço em que já não existe
nenhum flamboyantl !
Ela é a lágrima da lágrima
como um filete de água
na prenhez inocente das manhãs.
É o gesto de afastarmos as palavras ásperas
para que não ressuscitem no terceiro dia.
É a infantaria
dos diálogos perdidos.
Ou o lavor
da sobrecanção que vem pousar
nas praias, junto ao mar.
10.
Ó êxtase incessante
em que nos escondemos do grito delirante
dos nossos fantasmas!
Ó plasma
das cousas inacontecidas
mas longamente procuradas
em toda a nossa vida!
E há uma secreta verdade no ser prisioneiro
no fundo do espelho.
Ou a geometria
de sentimentos que buscam retornar
ou tentam-me salvar
dos insucessos de vãs Cavalarias.
A poesia é um archote
que se acende nas mãos de Dom Quixote.
É uma borboleta pequenina
sobre o olhar dos cegos, numa esquina.
Por isso é um momento sagrado
ou um recado
escrito talvez em terra transmarina,
quando a pergunta fatal da última esfinge
nos atinge.
E escrevo teu nome, Amada. com meu sangue.
E torno a escrevê-lo até cair exangue.
Então, à beira do sétimo abismo,
ante o demônio da dor pratico o exorcismo
dos violões que afagam o rosto das canções.
E, às vezes, vens. E tens
a leveza das recordações.
11.
Sim, a poesia é a verdade mágica.
É o sonho a emplumar as tardes do real.
Ou alguma cousa que chega-nos, pelágica,
ou uma palavra eterna e pastoral.
A lógica poética é a beleza
a nascer do esplendor do ser em sagração
ou ao grito terrível da tristeza.
E tudo a voar, nas almas, é canção.
12.
Vem, poesia,
cobre a dor de teus pobres jograis,
enquanto os galos erguem, triunfais,
as dádivas do dia!
Ó coágulo do eterno!
Ó rosa a resistir ao implacável inverno!
Ó palavras em vôo nupcial
a salvar os pombos de bruma vesperal!
Com teus verdes segredos e vinhedos
és, poesia, a imaginária via
de andorinhas libertas de rochedos
a levar, na âmbula do olhar,
a lembrança de relvas e avelãs
que se ofertam, felizes, nas manhãs.
13.
A poesia é a festa
dos que não foram dançar.
É o verde solar
em que lembramos toda a nossa gesta.
De suas varandas olhamos comovidos
os nossos passos desaparecidos
em areias movediças, junto ao mar.
E para não chorarmos, ficamos a cantar.
14.
Tudo o que lágrima for
ou transmitir beleza em seu mistério
será um verso iluminando a dor
como, nas noites gregas, um saltério.
E a poesia é a cidadela insubmissa
por cuja ponte levadiça
só passa o Cavaleiro
que não trocou sua alma por dinheiro.
15.
Ela chega, numerosa,
e eu, quase louco, confundo-a com a rosa
que não depositei no colo das Amadas.
Do sono das aves, em horas encantadas,
vem. E tem
o vitral das metáforas ou o ônix das fábulas
e o claro azul andante das parábolas.
E é sagrada e profana.
A um tempo só — angélica e cigana.
As vezes, nave. Outras, a chave
com que abrimos os portões urbanos
ou os frios caminhos insulanos.
E vamos vindimar
com mãos de tecelão sobre o tear.
Ao fim do dia
teremos em nós a palavra perdida
ou a rima desnuda
e ressuscitaremos
para tudo o que amamos e jamais tivemos.
Mas nos livramos, com a canção,
de toda e qualquer maldição.
¹ Artur Eduardo Benevides
* Pacatuba, CE. – 1923
+ Fortaleza, CE. – 21 de setembro de 2014