Desarticulação é vista como positiva para Temer, mas prova de fogo só será em agosto
Eduardo Cunha, o criador do ‘centrão’, no dia 14, na Câmara.
Foto ADRIANO MACHADO REUTERS
Eram quase 23h da última quarta-feira quando um deputado se reuniu com outros quatro em um canto do plenário da Câmara, no meio do processo de votação do segundo turno para eleger o presidente do Legislativo, e disparou a frase: “Não vamos ressuscitar o que já está morto. O DEM deve continuar no túmulo onde ele está. Se não, quem vai ser enterrado somos nós”.[ad name=”Retangulo – Anuncios – Direita”]
O recado, dado por um membro do centrão a seus aliados, prenunciava o que deverá ocorrer nos próximos meses após a vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) sobre Rogério Rosso (PSD-DF).
Idealizado pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o centrão está com os dias contados, assim como o seu criador, mas isso não garante que o expressivo conjunto de partidos médios que gravitava em torno do peemedebista será completamente dócil com o Governo interino. Essa é a avaliação que emerge de conversas com dez parlamentares e um cientista político nos últimos dois dias.
MAIS INFORMAÇÕES
“A figura do centrão não existe mais. Foi uma entidade, e não um partido político, que se aglomerou no entorno de Cunha. Agora, sem ele, o centrão acabou”, sentenciou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos peemedebistas com melhor trânsito junto à gestão do presidente interino Michel Temer (PMDB). A cassação de Cunha deverá ser julgada no plenário da Câmara na primeira quinzena de agosto e a tendência é que ele perca o mandato.
O próprio presidente interino, que chegou ao posto com a ajuda crucial do centrão liderado por Cunha no impeachment, agora já fala abertamente da nova era. Ele afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que tem o objetivo de diminuir o tamanho deste conglomerado. “Quero desidratar essa coisa de centrão e de outro grupo. É preciso unificar isso. Quero que seja tudo situação”, afirmou Temer. Na montagem do Governo, Temer tentou acomodar tanto os integrantes da antiga base infiel de Dilma Rousseff que engordavam ocentrão como os da oposição clássica ao PT, PSDB e DEM. Com a vitória de Maia, a segunda ala, considerada mais alinhada programaticamente aos planos de ajuste fiscal do Governo, se fortalece ainda mais.
Candidato derrotado na eleição da Câmara e representante do centrão, Rosso concordou com Temer. “Não é o fim do centrão, mas o início da consolidação da base Temer”, diz e completa: “Somos todos de uma torcida. Uns preferem ficar mais moderados em um canto, outros preferem tirar a camisa e ficar rodando, torcendo. De nossa parte, somos só uma base”.
Antônio Imbassahy, o líder do PSDB na Câmara que articulou a candidatura de Maia, diz estar certo de que o centrão passará por esse processo de redução. “Acredito que haverá o início de um processo de diluição do grupo. Até porque ele ficou com uma espécie de estigma que não é bom para valorosos deputados que já fizeram parte do centrão”, opinou.
Nos corredores da Câmara parte desses parlamentares ligados a 13 partidos, sendo os principais PR, PRB, PSD, PSC, PTB, SD e PP são vistos como oportunistas, de um antigo baixo clero, que negociam os votos em troca de benesses, cargos e verbas de maneira mais aberta do que os colegas, flutuando de acordo com a votação. O racha no centrão começou no último dia 7, quando Cunha renunciou à presidência da Câmara (função da qual já estava afastado pelo Supremo Tribunal Federal desde maio). Os deputados não conseguiram chegar a um nome de consenso para o comando da Casa. Dos 17 deputados que se inscreveram para disputar o cargo, 10 seguiam a mesma cartilha.
Pós-doutor em ciência política e professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer diz que apesar de extremamente divididos, os antigos aliados de Cunha poderão dar trabalho na Câmara. “Eles ainda são da base de Temer e, se não tiverem os espaços que quiserem no Governo, correm o risco de tumultuar a gestão de Rodrigo Maia. Eles só não serão mais tão articulados porque seu maior líder já era”, afirmou o especialista.
Criador e criatura
Desde sua criação, em 2012, os membros do centrão deram apoio aos Governos, seja da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT) ou do interino Temer. Contava, até dias atrás, com cerca de 220 membros, que se racharam na eleição para a presidência da Câmara da última semana com seis candidaturas. A principal moeda de troca com eles era o oferecimento de cargos comissionados e a entrega de emendas parlamentares para suas bases eleitorais.
O rompimento com a presidenta petista só ocorreu em duas situações (ainda que tenham sido primordiais para injetar combustível a crise política): na eleição de Cunha para a presidência da Câmara, em fevereiro de 2015, e algumas semanas antes da votação da abertura do processo do impeachment de Rousseff. Os representantes do centro mudaram de lado e apoiaram o afastamento da presidenta, aderindo, assim, ao projeto de Temer.
Um dos mais experientes parlamentares no Congresso Nacional, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) diz que o abalo no centrão nas próximas semanas será grande. “Cunha, carta fora do baralho, reduz o tamanho e a importância docentrão. A Câmara vai enveredar por um novo caminho. Da pauta séria. Do restauro da dignidade. Do amplo entendimento”.
Já Pauderney Avelino, líder do DEM, o partido que venceu a eleição na Câmara, diz que agora será possível evitar pressões do centrão sobre o governo Temer. O líder do PPS, Rubens Bueno, segue na mesma linha e diz que o jogo, agora, está bem delimitado, ao contrário do que estava na época de Eduardo Cunha como presidente. “A oposição anterior, que se fortalece (PSDB, PSB, DEM e PPS), a oposição (PT, PCdoB e PDT) e uma terceira força do centrão diluída pelas derrotas de Rosso e Eduardo Cunha”.
Os petistas dizem, por sua vez, que acreditam que Cunha continuará tentando operar, ainda que seus aliados sigam enfraquecidos. “O centrão até pode continuar como bloco partidário para a ocupação de espaços na Câmara e mecanismo de chantagem frente ao governo provisório, mas sem Cunha na Câmara perde muito desta capacidade. É bom lembrar que o líder do governo[André Moura – PSC-SE] é do centrão”, diz o deputado Pepe Vargas (PT-RS).
Afonso Florence, líder da bancada do PT na Casa, afirma que os deputados docentrão tentarão se desvincular de Cunha para continuarem “sobrevivendo” no Legislativo. “Assim como Temer, os deputados vão fingir que não devem a Cunha. Sustentaram Cunha, juntos, para dar o golpe. Mas são da base, só disputam para ver quem ‘entrega’ mais ao Governo interino”, opinou.
De qualquer maneira, os resultados sobre a extinção ou não do grupo de Cunha só serão notados a partir do próximo mês, quando os parlamentares retornarão das férias de meio de ano. A expectativa é que já na primeira semana de agosto haja votações importantes na Câmara e, a partir delas, será possível medir o tamanho das feridas deixadas pelo processo eleitoral.
ElPais