*A verdade é reta e direta: um arranjo ikebana usa poucos elementos para dizer sobre tudo* A música Águas de Março, cantada por Tom Jobim e Elis Regina, é linear e brilhante. Um quadro, de Piet Mondrian ou Mark Rothko, reduz o universo a poucas pinceladas e cores. Tenho no armário da minha biblioteca uma pequena placa de madeira grafada com um pensamento de Khalil Gibran: “A simplicidade é o último degrau da sabedoria”. Será mesmo do poeta libanês? Vou aumentar a força da ideia. A simplicidade é o cúmulo da sabedoria e a marca do gênio. Quando eu não tenho relações sólidas com a beleza e a harmonia, enfeito em excesso: a casa, a mim, os pratos apresentados. Há séculos, os especialistas em moda defendem que “menos é mais”. Um texto de autor inexperiente explode em palavras exóticas e hipérbatos (inversões dos termos da oração). Um cozinheiro inexperiente imaginará que a explosão de temperos vai melhorar os pratos, mas uma chef equilibrada sabe que há um ponto no qual a abundância destrói o equilíbrio. Jovens amantes se entregam a acrobacias circenses de suores e exaustões pouco eróticas. Vícios de novatos que podem ser desculpados pela falta de habilidade. O gênio é simples. A verdade da arte é reta e direta. A música Águas de Março, cantada por Tom Jobim e Elis Regina, é linear e brilhante. Um quadro, de Piet Mondrian ou Mark Rothko, reduz o universo a poucas pinceladas e cores. Dizem tudo. O Canto Gregoriano sobrevive, sem explosões ou saltos ornamentais, há muitos séculos. Sim, há obras mais complexas e geniais. O que eu quero expor é que um arranjo ikebana usa poucos elementos para dizer sobre tudo. Quando vi uma mestra nessa arte, em Kioto, no Japão, demonstrando a técnica, pegou ela um ramo florido de rosas e cortou quase todas. Deixou-o mais belo e isolado. Torceu, encaixou, cortou mais, acrescentou pedras e galhos, compôs e terminou o processo de eliminação dos “ruídos estéticos”. Saiu um arranjo floral emocionante e único. Eu teria mantido todas as rosas do galho. Não sou hábil na estética. Necessitaria de mais flores para dizer menos coisas. A mestra disse tudo com pouco. Como a senhora japonesa ensinou (sem que eu entendesse as palavras, apenas os gestos), a vida costuma desbastar nossos excessos. O ideal dinamarquês de felicidade, “hygge”, costuma defender a beleza despojada de um design leve e magnético para o olhar. Nada do “Salão dos Espelhos” de Versalhes. O excesso de cena serve para que ninguém nos veja. Muitos espelhos, porque todos são reflexos de um teatro mundano. Ambientes mais despojados, minimalismo de traços e maximização de sentimentos. Eis a esperança do gênio. Minha trajetória é o despojamento do meu barroco juvenil. E a sua, querida leitora e dileto leitor? Vai com ikebanas ou com buquês de 72 rosas vermelhas? *Leandro Karnal* É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de ‘A Coragem da Esperança’, entre outros.