Arquivo

Eleições 2018 e George Orwell

Espionagem Eleitoral: “O Grande Irmão” vai escolher o seu próximo presidente À medida que o tempo passa nos aproximamos do futurístico ano de 1984. Toda a contagem de tempo é uma abstração racional do ser humano para entender a natureza, por isso pouco importa se estamos em 2017, em 5778, em 1438 ou no ano do Galo de Fogo. O que nos interessa neste período histórico é que estamos cada vez mais próximos do controle social antecipado, talvez profetizado, pelo escritor George Orwell em sua famosa obra de ficção científica. O xadrez político das democracias ganhou uma nova peça que se move com a leveza de uma rainha em meio a peões distraídos. Atuando no caro mercado das campanhas eleitorais desde 2013, a Cambridge Analytica deve chegar com força para operar nas eleições presidenciais brasileiras de 2018. Essa companhia britânica utiliza análise de dados disponíveis na internet para influenciar a comunicação de usuários nas redes sociais para beneficiar o candidato que contratou os seus serviços. A Cambridge Analytica ganhou notoriedade após ser bem-sucedida na vitoriosa campanha de Donald Trump nos EUA e na causa da saída do Reino Unido da União Europeia. Da mesma forma atua a Stilingue, que lê dados na internet com um aplicativo de inteligência artificial e robôs que identificam o perfil psicológico do eleitorado. Cada vez que alguém faz login em uma rede social, compartilha, interage, comenta em uma reportagem em um site jornalístico ou na própria rede, essas companhias são munidas com toneladas de informações que são processadas para alimentar bancos de dados para identificar a tendência de pensamento e comportamento do eleitor. A maquiagem na aparência e no discurso dos candidatos, algo que os marqueteiros já sabiam fazer, agora ganha a precisão de uma máquina. É como se trocássemos o artesanato na fabricação de um político por uma linha de montagem automatizada. Em um cenário confuso em que pessoas que se dizem de direita exigem educação e saúde custeados pelo Estado, e esquerdistas que se sentem pouco representados pelas forças vacantes, o aguçado olhar de Grande Irmão de companhias como a Cambridge Analytica e a Stilingue supera as divisões demográficas, etárias, educacionais e ideológicas para explorar perfis psicológicos de acordo como os medos, os desejos, as ambições e as rejeições do que o cidadão manifesta na internet por meio de uma inteligência artificial que realiza o que a ciência da computação identifica como “processamento de linguagem natural”. Ou seja, o sistema é capaz de aprender, entender e interpretar um idioma para analisar o que é divulgado na imprensa e nas redes sociais. Munido de dados que leem o desejo da maioria, um político pode saber se deve se vestir de gari, de policial, de taxista ou de garoto de programa para adaptar o seu discurso e agradar a parcela de seu eleitorado que lhe garante a manutenção no poder. Igualmente a ferramenta é útil para convencer os indecisos, pois o que é dito se adapta ao que o cidadão quer ouvir. O maior exemplo brasileiro do uso de tecnologia para aumentar o seu grau de influência na internet e fora dela é do prefeito de São Paulo João Doria. Desde a sua contestada pré-candidatura nas prévias do PSDB até a disputa pelo poder executivo paulistano, Doria se beneficiou da inteligência artificial para angariar votos e conquistar seguidores. Hoje há cinco softwares que trabalham com o objetivo de avaliar o impacto de tudo o que está relacionado a ele nas redes sociais para torná-lo mais agradável ao cidadão. O serviço da inteligência artificial é realizar uma “análise de sentimento” das redes sociais, algo possível apenas para seres humanos, para reduzir os impactos negativos e potencializar os positivos de cada discurso de Doria. Em cada vez mais frequentes viagens pelo Brasil para se tornar mais conhecido, João Doria disputa com o governador paulista Geraldo Alckmin o posto de candidato a presidente da república pelo PSDB. Na lista dos possíveis presidenciáveis, João Doria é o que tem mais contato nas redes sociais com os eleitores. Segundo Daniel Braga, sócio da Social QI, que tem Doria como cliente da empresa, entre os 114 milhões de usuários únicos do Facebook em território nacional, 23,5% já tiveram alguma interação com a página do prefeito de São Paulo. O segundo colocado entre os possíveis candidatos a ocupar a presidência em 2018 é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) com 7,1%. Em 2018, o olho que tudo vê o que fazemos na internet está prestes a atuar nas próximas eleições no Brasil. Os resultados obtidos pela Cambridge Analytica nos EUA e no Reino Unido mostram que a observação do comportamento das pessoas no Facebook, no Twitter, no Instagram e no WhatsApp dá uma grande vantagem aos candidatos municiados por essa tecnologia. A companhia, diretamente ligada ao bilionário Robert Mercer, um cientista computacional norte-americano, defensor de causas conservadoras e de uma agenda de direita, ao atuar para convencer as pessoas de ideias de um grupo político, põe a inteligência artificial a pautar o tom eleitoral e a influenciar a mudança do discurso dos humanos para agradar outros humanos. Em uma análise sombria, é como se um robô instrutor ensinasse um projeto de sedutor a se tornar uma espécie de psicopata que está interessado apenas em conseguir o que quer, alimentando a sua ambição e pagando o preço que custar para atingir o seu objetivo. Depois de uma combativa e rancorosa eleição presidencial em 2014, como se comportará o eleitor brasileiro sob o olhar perscrutador do Grande Irmão manipulador de dados em 2018? Cada opinião pró ou contra um candidato, cada compartilhamento de notícia falsa ou verdadeira, cada meme produzido passará perante o escrutínio de softwares que traçarão os perfis psicológicos de cada um. Em meio a tantos compartilhamentos em que as pessoas não leem mais do que a manchete do que passam adiante, os maiores beneficiados serão sempre os que pagarem mais caro pelo melhor serviço de espionagem eleitoral. Ainda que o olho que tudo vê que se aproxima de nós não vista

Leia mais »

Treagédia terrorista na Somália; Porque a # não viraliza

É comum que as redes sociais sejam tomadas por uma onda de solidariedade após ataques extremistas, com hashtags que vão desde “Pray for…” (“Reze por…”) a “I am” (“Eu sou…”) passando por filtros para mudar fotos de perfil no Facebook. Pôster de alunos da Universidade College London em solidariedade à Somália (Crédito: Student Union UCL) Mas não foi isso o que se viu após o ataque mais letal da história recente da Somália, no leste da África, no último sábado. A repercussão foi significativamente inferior àquela gerada por atentados semelhantes nos Estados Unidos e na Europa. O ataque deixou pelo menos 300 mortos, quando um caminhão-bomba explodiu na capital do país, Mogadíscio. A explosão foi tão forte que alguns corpos não puderam ser identificados. Nas redes sociais, alguns usuários começaram a questionar a falta de solidariedade e a escassez de hashtags sobre a Somália. Khaled Beydoun, um professor de Direito da Universidade de Detroit Mercy, nos Estados Unidos, criticou a profundidade da cobertura da imprensa nas redes sociais em um post que foi amplamente compartilhado nas redes sociais. “Odeio comparar tragédias humanas, mas a imprensa tradicional me obriga a fazer isso”, escreveu ele. “Não há slogans dizendo ‘nós somos Mogadíscio’ nem imagens chamativas circulando pelas redes sociais em demonstração de solidariedade”, acrescentou. Beydoun não é o único a fazer a crítica. Entre sábado, o dia do ataque, e as primeiras horas de segunda-feira, a hashtag #IAmMogadishu (“#EuSouMogadíscio”, em português) gerou 200 tuítes. Já na terça-feira 13 mil tuítes nas redes sociais reclamaram da falta de atenção da imprensa em relação aos ataques. Direito de imagemREUTERSMilhares de pessoas tomaram ruas de Mogadíscio para protestar contra o Al-Shabab com bandanas vermelhas Apesar da aparente falta de solidariedade do Ocidente com a Somália nas redes sociais, os próprios somalis estão se organizando na internet. Voluntários criaram um grupo para ajudar a identificar as vítimas chamado Gurmad252, com uma página no Facebook e um site. Gurmad significa “venha ajudar uns aos outros” em somali e 252 é o código internacional da Somália. Um homem de nacionalidade somali criou uma página de financiamento coletivo para pagar pelo serviço de ambulâncias a pessoas afetadas. Em pouco tempo, alcançou seu objetivo inicial de US$ 12 mil (R$ 37 mil). Além disso, milhares de pessoas tomaram as ruas de Mogadíscio para protestar contra o Al-Shabab, grupo extremista acusado pelo atentado, com bandanas vermelhas amarradas à cabeça. “As bandanas representam o sangue do meu povo que foi morto na explosão”, disse uma manifestante ao correspondente da BBC na África, Alastair Leithead. O ataque Um caminhão cheio de explosivos foi detonado destruindo hotéis, prédios de governos e restaurantes em uma área movimentada da capital somali, matando pelo menos 300 pessoas e deixando outras centenas feridas. Duas pessoas foram presas no ataque que tinha como objetivo atacar o aeroporto internacional de Mogadíscio, onda há várias embaixadas, segundo autoridades locais. O ataque foi atribuído ao al-Shabaab, um grupo extremista islâmico local e uma das organizações extremistas mais letais do mundo dos últimos anos. No país, o atentado foi descrito como o “11 de setembro da Somália”, em referência ao ataque contra as Torres Gêmeas nos EUA. * Com reportagem de Rozina Sini, da BBC.

Leia mais »

O ‘país’ africano que caminha para ser o primeiro do mundo a abolir o dinheiro

Problemas econômicos derrubaram o valor da moeda local, exigindo grandes quantidades de dinheiro para compras simples Direito de imagemAFP Cerca de meia dúzia de homens estão em frente a um casebre em Hargeisa, na Somalilândia, discutindo aos gritos sobre a qualidade do khat – uma planta com propriedades narcóticas e efeitos relacionados aos da cafeína e da cocaína – que acabaram de receber de um vendedor ambulante. Clientes chegam e partem rapidamente, pegando rapidamente molhos da planta – de consumo legal, diga-se de passagem -, enquanto digitam rapidamente em seus telefones celulares. “Precisamos fazer tudo rápido aqui, e pagar com dinheiro demora”, explica Omar, um dos camelôs que faz ponto na rua (e que fala enquanto masca folhas de khat). “Todo mundo fica calmo se consegue comprar seu khat rápido.” Não há uma cédula ou cartão de crédito à vista, mas isso não quer dizer que a clientela leva a droga de graça. Eles pagaram usando seus celulares, transferindo fundos em uma questão de segundos, no meio de uma rua empoeirada. Dinheiro em carrinhos de mão Não há muitas coisas nas quais a Somalilândia pode dizer ser líder neste mundo. Mas pagamentos virtuais parecem ser uma delas. Autodeclarada independente da Somália desde 1991 – mas ainda sem o reconhecimento da comunidade internacional – ela está no caminho de se transformar no primeiro país do mundo a abolir o dinheiro. Programas de transferência de dinheiro são simples e operam mesmo sem Wi-Fi | Foto: Matthew Vickery/BBC Seja em plena rua ou em um supermercado de Hargeisa, o pagamento via celular está rapidamente se transformando em padrão para os pouco menos de 4 milhões de habitantes. Essa mudança é parcialmente motivada pela rápida desvalorização da moeda local, o shilling, cuja cotação em relação ao dólar é assustadoramente baixa – são necessários 9 mil shillings para comprar um único dólar. Além de ter sido devastada por uma guerra civil que ainda não foi totalmente resolvida, a Somalilândia também se complicou com uma política monetária por demais atrelada a interesses políticos, o que resultou em seguidas desvalorizações monetárias desde a criação do shilling, em 1994. Notas de 500 e mil são as mais comuns, e transações simples podem necessitar uma grande quantidade de cédulas. Um exemplo é o fato de cambistas que trocam dólares e euros por shillings usarem carrinhos de mão para transportar a moeda doméstica pelas ruas. Créditos em celulares Sem bancos credenciados internacionalmente, e com um sistema financeiro em que caixas eletrônicos são um conceito distante, duas empresas privadas, a Zaad e a e-Dahab, lançadas nos últimos oito anos, criaram uma economia virtual. Valores são depositados nas contas das companhias e convertidos em créditos para telefones celulares, o que permite transações eletrônicas. “Para comprar um colar desses, por exemplo, você precisa de um ou dois milhões de shillings”, explica Ibrahim Abdulrahman, atendente de uma joalheria, enquanto aponta para o mostruário da loja e ri da ideia de alguém usando papel-moeda para fazer a transação. “Ninguém pode carregar tanto dinheiro. É muita coisa. Nós nem aceitamos mais shillings, por sinal, só dólares e créditos de celular.” Direito de imagemGETTY IMAGESIndependência da Somalilândia não é reconhecida pela comunidade internacional Mesmo em regiões rurais da Somalilândia essa abordagem está ganhando terreno. O país tem alta taxa de analfabetismo, e a simplicidade e funcionalidade da tecnologia alimentam seu avanço. Pagar requer nada mais que digitar alguns números e um código exclusivo de cada vendedor. Eles estão escritos por toda a parte – em barracas de rua ou mesmo lojas mais requintadas. E, como não é necessário ter acesso à internet, mesmo os celulares mais rudimentares podem ser usados. Consumidores movem dinheiro de uma conta para a outra usando números e códigos em uma operação tão simples como inserir créditos em um celular pré-pago. “Essa é apenas a receita de hoje”, explica Eman Anis, uma ambulante de 50 anos que vende ouro em um mercado de Hargeisa. Ela mostra vendas de cerca de R$ 6,2 mil na tela de seu celular. Há apenas dois anos, os pagamentos que ela recebia pelo celular correspondiam a 5% de seu faturamento. Hoje, passam de 40%. “É muito mais fácil usar o celular, e a empresa cuida de tudo, incluindo taxa de câmbio. Até os mendigos usam Zaad”, diz. Acessibilidade Claro que há certo exagero na afirmação acima, mas o sistema de pagamentos realmente trouxe benefícios para as pessoas mais pobres. No último ano, a Somalilândia foi afetada por uma severa seca que devastou a vida de centenas de milhares de pessoas que dependem da agropecuária. Graças às transferências eletrônicas, elas conseguem receber ajuda financeira de parentes em melhor condição de forma rápida e segura. Em um país que tem camelos como principal produto de exportação, é surpreendente até empregadores aderindo ao sistema de pagamentos, depositando salários em contas de celulares. Até porque a difusão dos telefones é larga na Somalilândia. Uma pesquisa de 2016 revelou que 88% dos habitantes com mais de 16 anos possuíam pelo menos um chip de celular. Cerca de 81% dos habitantes de áreas urbanas e 62% das pessoas vivendo em áreas rurais usam as transferências via celular. Outros países africanos registram o mesmo fenômeno – Gana, Tanzânia e Uganda, por exemplo. E no Quênia, pelo menos metade da população usa o M-Pesa, sistema semelhante ao Zaad. Direito de imagemGETTY IMAGESMenos de 20% dos habitantes de áreas urbanas ainda fazem pagamentos em espécie Desconfianças Nem todo mundo, porém, vê essa transição com bons olhos. Há queixas sobre a falta de regulação e suspeitas de corrupção na ascensão da Zaad e da e-Dahab em uma economia frágil e por demais exposta à corrupção e a desastres naturais. Em outros países, pagamentos via celular usam moeda local, mas na Somalilândia o dólar é adotado, o que aumenta a dependência em relação à moeda dos EUA. Cambistas como Mustafá Hassan dizem que, além de seus negócios estarem sendo afetados, o sistema de pagamentos é corrupto e causa inflação. “Esperávamos que o governo regulasse (os pagamentos) ou os

Leia mais »