por Clara Schumann “Quando todos pensam igual, ninguém está pensando” (diz Walter Limppman, segundo escreve Nilton Bonder, em seu livro “O segredo judaico de resolução de problemas”). Escreve também que “conquistar compreensão de problemas” (em certos estágios do universo da pesquisa e das elucubrações) “não é necessariamente resolvê-los, mas de tal forma iluminar a escuridão que os circunda que se tornam presas fáceis das soluções da dimensão do aparente do aparente”. Tais referências ajudam a nos lembrarmos de que precisamos nos esforçar para mantermos a capacidade de reflexão, em meio a um jorrar de notícias trazidas pelas mídias dando conta do que tem sido parte do debate político. Nesta semana que passou, houve uma certa “desinformação” sobre a Lei da Anistia, que estaria no bojo de um certo programa de governo sobre direitos humanos e que teve uma repercussão negativa, que só ajuda à dita desinformação. Existem pessoas que, porque investidas em cargos públicos e portanto, autorizadas a falar de direitos humanos, estão convencidas de que têm expertise em direitos humanos. Lamentavelmente, temos que contraditar tal premissa, uma vez que a investidura em um cargo, que tem por força a inteligência de um dado assunto, não faz do investido no dito cargo alguém inteligente nem expert no respectivo assunto do cargo; portanto só pelo fato de um indivíduo ser representante da OAB ou ministro não faz dele uma pessoa inteligente, nem um expert num dado assunto. Na realidade as coisas não funcionam segundo o mundo ideal, infelizmente. Não temos a intenção de nos aprofundarmos em todos as referências jurídicas para a compreensão da questão da Anistia assegurada por lei, mas apenas ressaltar algumas das principais que estão nas tradições jurídicas ocidentais e que podem contribuir na reflexão do leigo, portanto, não conhecedor do saber jurídico. [ad#Retangulo – Anuncios – Esquerda]Enquanto aguardamos o bater do martelo pelo STF, gostaria de ponderar sobre alguns aspectos triviais do saber jurídico. Em primeiro lugar, não podemos nos esquecer de que estamos num Estado Democrático de Direito, e isto quer dizer tudo, ou seja, nele há segurança jurídica, não podendo ser criada nos indivíduos a perspectiva da incerteza de suas leis e decisões judiciais. A lei da anistia é válida, pois do contrário toda a construção legislativa do mesmo período não o seria, bem como todas as decisões judiciais. Infere-se, também que, em sendo uma lei de cunho penal está forjada em princípios penais constitucionais internacionais, tais como o da legalidade e seu corolário, o princípio da anterioridade da lei penal. Este princípio tem suas origens na Inglaterra do século XIII, na Carta de João Sem Terra, e ganhou o status jurídico no Estado Liberal com a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, do século XVIII, que entre tantas questões importantes trouxe o princípio da igualdade junto ao da liberdade. Até chegar a tanto, muita luta houve e muita gente morreu; sacrifícios e perdas humanas para se acabar com o Estado Absolutista que era o estado dos privilégios, do arbítrio, dos poderosos que se colocavam acima do bem e do mal e que podiam fazer o que quisessem com a lei, aplicando-a de forma severa aos lhes faziam oposição e de forma complacente aos membros dos seus grupos. Portanto, em termos histórico-político-filosófico-jurídicos, o princípio da Legalidade é sinônimo de isonomia e de ruptura com o arbítrio/privilégios. Todos, sem exceção, por este princípio, estão submetidos à lei. Se a lógica do liberalismo não é a melhor, sem dúvida nenhuma é melhor que a lógica comunista, stalinista, cubana, maoísta. O princípio da legalidade faz parte do ordenamento jurídico dos países democráticos e portanto,está assegurado no artigo 5º da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal: não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. O princípio da legalidade é lição número um em direito penal, um axioma jurídico, para o qual as leis devem definir crime e pena, anteriormente ao fato, daí o corolário da anterioridade. De forma ainda a conter o arbítrio ou o peso do Estado sobre o indivíduo, fazendo com que o Estado seja garantista de liberdades e direitos, foi também estabelecido pelo liberalismo como axioma o princípio da irretroatividade da lei penal, também previsto no CP. A lei, portanto, só retroage para beneficiar o réu. Ficamos, aqui, apenas com estes poucos argumentos, mas não são superficiais, na medida em que são pilares do Estado Democrático de Direito, dentre outros. Consideramos que já com poucas referências temos suficiente alimento para entendermos que não faz sentido um debate sobre a possibilidade de retrocesso e de aplicação retroativa dos elementos constantes da lei da Anistia. A tortura só apareceu em convenção internacional em 1984 e no Brasil não havia definição em lei sobre tortura à época do governo militar. Logo, o caput do artigo 1º da Lei da Anistia, incluindo ou não-incluindo tortura conforme a hermenêutica, não faz diferença, pois não pode a definição de tortura nem a punição terem aplicação retroativa, conforme o previsto no axioma jurídico da irretroatividade penal. Lei penal posterior não retroage, portanto lei que define tortura, não se aplica a fato do período do Regime Militar ou da Ditadura, não importa o nome do período. Só retroagiria para benefício do réu. Logo, ainda que se utilizasse lei atual que define tortura, esta não poderia ser aplicada de forma retroativa. Também é absurda a hipótese de buscar autorização no Estatuto de Roma que instituiu a Corte Penal Internacional, de 2002, pois este claramente estabelece que é um instrumento jurídico que não se aplica de forma retroativa, salvo para benefício do réu. Qualquer um, que goze de memória saudável e que tenha bom caráter, pode lembrar do jargão da Anistia, isto é, a bandeira levantada por todos aqueles que pleitearam o retorno ao país dos exilados, da abertura política e do conhecimento sobre o passado, ou seja, “anistia ampla, geral e irrestrita”. E quem não tem boa memória pode ir aos arquivos dos jornais. Esta foi a ética norteadora. Não foi a melhor, com certeza; temos inveja do que